Nenhum dos dois ousa dizer nada enquanto arrastam o corpo até o rio.
Dantálion usa um pé para empurrar o cadáver nas águas e o segue com os olhos até que desaparece, engolido pelo frio eterno.
Ele permanece imóvel como uma gárgula, observando a correnteza se chocar contra as rochas.
A lua cheia é refletida pelos movimentos da água, lançando luzes que dançam pelo rosto do garoto, iluminando e apagando repetidamente seus olhos petrificados, seus lábios inexpressivos.
Olhando-o, Lúcio reprime o instinto de fugir para longe dele. De se afastar daquela entidade, quase sobrenatural, que viraria em sua direção a qualquer momento para fazer dele sua próxima presa.
Dantálion vira o rosto para vê-lo, sem dizer nada.
Ele se abaixa junto à beira do rio, esfregando as mãos e o corpo furiosamente para livrar-se do sangue.
- Limpe-se também. Tem sangue no seu rosto.
O Sacerdote imita seus gestos, mergulhando as mãos e lavando a cabeça na água congelante, removendo o sangue ressecado que não havia notado em seu cabelo antes.
- Você me desobedeceu. – diz Dantálion com frieza, ainda observando a corredeira.
- Ele ia te matar.
O rosto do garoto então se volta lentamente para olhá-lo, tomado por uma expressão vazia e ao mesmo tempo assustadora, como se o verdadeiro Dantálion tivesse mergulhado para o interior de seu crânio, deixando os olhos sem alma nenhuma para transparecer.
- Eu disse sob hipótese nenhuma.
- O que você queria, então?! Que eu te deixasse morrer?! – grita Lúcio - Que eu deixasse ele rasgar sua roupa e fazer... Eu não consigo nem dizer isso!
- Se você tivesse me obedecido e ido embora, eu não teria que me tornar um assassino. Agora olhe o que você fez! Olhe o que você me obrigou a fazer!
O garoto estende as mãos, ainda manchadas de sangue.
- Eu seria um assassino se deixasse você morrer na minha frente! O que você pensa que sou?! Você acha que eu teria a capacidade de te deixar morrer?!
Dantálion suspira, retornando lentamente à sua personalidade enquanto todo seu corpo treme.
- Obrigado por ter salvado minha vida. – ele diz, sem entonação alguma –Mas da próxima vez, Lúcio, não cometa esse erro novamente, principalmente se isso te fizer ser descoberto. Você quase estragou tudo hoje.