Ao entrar na sala de aula o professor Green percebeu a animação dos alunos, que estavam divididos em seus respectivos grupos.
Estava mais sério que o habitual, não dormira bem durante a noite, que fora recheada de pesadelos assustadores, e lembrou-se de anotar para depois da aula uma visita a certa moldura, que era o centro das atenções do que sonhara.
Um pesadelo totalmente sem nexo, imaginou, onde era ele quem aparecia exibido nela, preso, eternamente, numa cela sem grandes, sendo admirado pelo muitos alunos que visitam o grande museu que a MES havia se transformado.
Seu sexto sentido lhe dizia para ficar alerta e como ele acreditava em premonições, tinha certeza que esta era uma delas.
Ainda estava distraído quando um aluno lhe chamou a atenção. Era Derick, que animadamente conversava com o pessoal do seu grupo, formado pelo Sr. Taylor e suas duas amigas.
— Tudo bem, vamos iniciar a aula de hoje e eu sei muito bem o motivo de toda essa euforia.
Todos ficaram em silêncio, enquanto o professor abria uma pasta contendo diversos trabalhos.
— Não foi difícil selecionar o conto vencedor, pois ele foi muito bem escrito e seguiu perfeitamente a linha que eu propus.
— Antes, porém, de anunciar o grupo vencedor, eu farei a leitura completa do conto, trecho por trecho, que servirá como base para o roteiro da nossa peça, para depois no final dividirmos os papéis principais, que serão três, e todas as demais participações secundárias.
— Vamos ao conto que se chama O pedido do garoto...
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Esticou o braço para sua filha de cinco anos e juntos atravessaram a rua. Seguiu aqueles dedos frenéticos da menina, disparando seu desejo naquela vitrine. Um pônei branco feito de madeira, a sela tinha um assento perfeito. Ela poderia galopar por horas naquele balanço.
— Sei, filha. O Natal está chegando.
— No Natal? Vai comprar mesmo, papai?
— Desde que se lembre de uma coisa: você sempre terá aquilo que deseja, mas nem sempre o que pede.
Ela tombou a cabeça ao lado e franziu a testa. Ele reagiu com cafunés nos seus fios negros.
Não soltou de sua mão mesmo na calçada. Jamais soltaria se pudesse. O aperto de mãos fazia falta a quem já pertenceu a duas famílias. Dependendo de si, não perderia a terceira, mesmo esta sendo instável.
Dobrou a segunda esquina e entrou na terceira a direita. Apertou a mãozinha mais forte antes de desprender e ela correr aos braços da mãe, ao lado de seu padrasto.
Cumprimentou o casal e despediu da mocinha, prometendo revê-la em breve.
A sua ex morava naquela mesma rua. Passou por aquele beco e viu a escuridão do corredor. Deslizou o dedo indicador em seus olhos, lembrou que era a hora de rever o bom velhinho.
Parou numa mercearia e comprou duas barras de chocolates amargas, só podiam ser estas.
Tentou atravessar, mas o veículo não cedeu a preferência sob o sinal vermelho. O próximo carro parou e assim foi ao outro lado da rua.
Entrou no prédio e foi direto a recepcionista.
— Vim visitar o senhor Charles.
Ela discou o ramal e em seguida respondeu:
— Terceiro andar a direita, senhor.
Agradecido, seguiu a orientação já memorizada.
Entrou no leito e os sorrisos se encontraram ao rever o velho amigo. De camisola branca, nunca mais vestiu o preto de quando vivia nas ruas, um preto não tão escuro quanto a própria cor da pele. Alguns dentes amarelados se perderam, cabelo e barba eram escassos. A alegria a mesma.
— É bom te ver, garoto.
— Nunca serei um adulto aos seus olhos, amigo?
— Não. Desde àquela época nós temos a mesma diferença de idade. Ainda é um garoto para mim, que estou a cada dia mais velho.
O "garoto" riu.
— Pelo menos descobriu ser bem-humorado com o passar dos anos.
— Graças a você, bom velhinho.
Abriu o pacote da barra de chocolate e deu ao Charles.
— Eu te ensinei bem mais do que isso.
— É verdade.
— Graças a você, eu deixei de sonhar. Parei de acreditar que o mundo se transformaria, tornaria um lugar melhor, e comecei a acreditar na minha transformação. Mudei minha vida e melhorei. Criei minha terceira família, pedi para esta ficar sempre unida, mas o desejo atendido foi o de ter o amor de volta através de minha filha. Eu realmente obtive o poder da manipulação.
— Sonhos são muito bons, garoto. Melhor ainda se o tornamos em realidade.
— Minha filha é cheia de sonhos, desejos, e pedidos. Irei ensiná-la a diferença de cada um. Darei oportunidades que não tive. E serei o bom velhinho que irá sempre abraçá-la.
Uma lágrima escorreu no rosto. Não enxugou desta vez. O velho amigo deu risada e abocanhou um pedaço do chocolate.
Cada visita demorava menos. Charles se cansava rápido, só não deixava de sorrir.
Despediu do senhor que iluminou sua vida e sua alma no fundo do beco escuro de Londres.
O garoto adulto saiu do hospital, prosseguiu com o pedido de fazer tudo que pudesse. Prosseguiu em ser feliz.
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— Eu quero que todos aplaudam o grupo formado pelo Sr. Taylor e as senhoritas Priscilla e Sarah, responsáveis pelo conto que acabei de ler.
Os três se levantaram e foram saudados pelos demais alunos.
— Na verdade, professor, a autoria do conto foi inteiramente do Anderson — disse Priscilla e arrematou — Nós duas só ajudamos na correção.
— Foi o que eu pensei! — respondeu Adam de forma categórica — Logicamente que terei que fazer algumas adaptações, mas em pouco tempo iniciaremos os ensaios.
— Escolherei, entre os personagens secundários, três alunos que ensaiarão também os papéis principais, pois quero que esta apresentação seja perfeita e não pretendo me arriscar.
— Agora vamos dividir estes papéis de apoio e depois estão dispensados.
Terminada a aula, Adam se retirou rapidamente e antes de ir tomar uma xícara de chá, rumou para o corredor do segundo andar, onde tinha certeza de que encontraria alguma surpresa.
Teve certeza assim que viu a moldura vazia, sem mais nada a retratar e sentiu um nó na garganta ao imaginar que a tela agora estava preparada para ele, assim como viu no pesadelo da noite.
Já ia se virar para ir embora quando notou que a moldura aparentemente se encontrava meio torta e com um dos seus lados um pouco afastado da parede.
Se aproximou e ao tentar endireitá-la, acabou por puxando-a um pouco mais, revelando que ela parecia ser um tipo de porta.
Atrás dela viu uma saliência mal feita na parede, em formato arredondado e mesmo temendo ser picado por algum inseto, vasculhou lá dentro com uma mão desprotegida e encontrou somente um saco vazio.
Seja o que for que estava escondido ali, pensou, não existia mais ou estava em poder de alguém mais esperto do que ele, alguém que ele imaginava saber exatamente quem era.
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Meus amigos, este capítulo eu dedico de coração ao amigo DiRockS, que, primeiramente, deu a ideia do concurso para escolher um conto para ser anexado ao meu livro, dando um ar diferenciado para este importante capítulo; e também por depois, quando o concurso não surtiu o efeito que esperávamos, devido a complexidade do tema e o tempo proposto (afinal, o "Show tem que continuar"), de ceder a sua genialidade para compor ele mesmo o belíssimo conto que agora integra o meu livro e que foi de um bom gosto e sensibilidade únicos, me surpreendendo na primeira vez que li e percebendo que a sua intenção foi, sinceramente, de encontro ao que eu imaginava, assim como citou o famigerado professor Green. Para este meu amigo o meu mais profundo agradecimento, a Encenação Mortal ficou ainda mais bela com o seu toque genial. 👏👏👏👏👏👏👏👏