O carrilhão do andar térreo marcava perto da meia noite, quando todos recolhidos, Pamela sem conseguir pregar os olhos, indignada por desde pronta para o jantar, viu-se acossada pelo vulto de Sean ao seu redor,sem lhe dar a chance de respirar um segundo sequer, como os homens de Agamenon teriam cercado o sopé de Troia até a derrocada da mesma.
Mas enganava-se McCallister ela cairia feito Cassandra dada como espólio ao fim da batalha, Pamela,na verdade via-se muito mais como uma orgulhosa Pentasiléia de arco em punho, disposta a lutar contra aquele disparate até o fim, e fazer o que fosse preciso, para escapar do que apenas conseguia enxergar como: escravidão?
Escravidão de seu ser.
Tolhimento inevitável da natureza rebelde, contestadora e provocativa, ela não sabia, tampouco desejava descobrir como sufocar.
Nunca!
Porquanto?
Tudo mais objetava soltar ao mundo seria tão somente gritar:Pamela Logan Carter era uma alma livre.
Ainda de mau humor, estava ruminando tais pensamentos quando ouviu uma leve batida discreta na porta.
Quem a procuraria à uma hora daquelas?
Descalça se levantou da cama, pegou o xale e jogou sobre os ombros.
Teresa fazia muito tinha ido se deitar, Romeo estava trancafiado no gabinete com Claude e Sean debatendo sobre a guerra na Europa, e Michelle alegando enxaqueca nem sequer havia descido para o jantar.
O som suave se repetiu, antes de ela poder girar a chave e pegar na maçaneta.
_Pamela, sou eu.Ralph...
Ela se surpreendeu ao vir o padre à entrada do quarto.
_Padre?O que deseja aqui, assim tão tarde?Pensei ia sair de viagem logo mais, antes do sol raiar.
_Deixe-me entrar sim?
Pam deu passagem e Ralph se esgueirou para dentro:_seu nariz minha pequena está vermelho.Andou chorando.
_É só alergia, faz tempo não venho a Weather Lake, acho estou meio constipada, só isso. _Mentiu, ela apesar de todo o auto discurso de guerreira nascida em abril,vinha comprometendo-se mentalmente de ser muito mais forte que aparentava sua delicada compleição, era ainda adolescente, e alguns momentos de choro abafado nos travesseiros, não fariam nada mal, no fim acabou por se convencer.
Ralph por sua vez, colocou ambas as mãos sobre os ombros dela e a fez mira-lo direto nos olhos:_para mim não precisa mentir. Sei o quanto é indômita e aguerrida, mas se permitir ser feminina, e de coração emotivo, também é uma dádiva, minha flor.
_Oh Ralph.
Pamela o abraçou e ele afagou os cabelos soltos da menina, enquanto ela fungava na camisa branca, deixando um rastro de lágrimas junto ao pescoço do sacerdote.
_Diga, vá fale-me, diga o que quiser.
_Eu sou uma farsa, um equívoco, queria mesmo ser essa pessoa você me pinta e faz: eu crer possa tornar um dia. Mas, mas nada que produzo gera frutos ou dá certo.
Ela o fitou como buscasse salvação, e de repente, parecia: a salvação não cabia mais ao amigo, um dia chegou a acreditar estava perdida e irremediavelmente apaixonada.
Não o reconheceu de certa maneira. Coisa esquisita.
Então, numa tentativa de camuflar o que real vinha mastigando insone, agarrada a um tomo de Ilíada, cuja lombada gasta não escondia era a milionésima vez, ela se debruçava sobre o amor maldito de Aquiles e Briseida, tentou desviar a conversa para outro foco, que nada tivesse a ver com Sean, e Ivan, no centro do conflito.
Interminavelmente Ivan, desde voltara a Weather Lake, como se o homem vento, o homem bicho, o homem música, o homem anjo, o homem homem? Fosse agora tão parte de sua realidade, eram as Colinas de Sangue fragmento do deserto.
Lembrou-se. _Beatrice, ela havia-me no dia de sua morte, presenteado com uma correntinha, tinha sido de nossa avó, Henrietta Carter eu não cheguei a conhecer. E, acho essa manhã em algum lugar eu a perdi.
De alguma forma estúpida sumi o que eu preservava de mais valoroso.
Notei assim que vim trocar o vestido, mas não quis fazer alarde ou mamãe me arrancaria à pele.
Sabe, acho percebeu àquela hora no jardim, eu voltei e fiquei olhando perto da mesa dos quitutes igual uma idiota, estou certa deve ter sido na hora nos esbarramos, eu a quebrei do fecho. Mas não havia sinal onde vasculhei, Ralph, tão cautelosamente procurei.
E era uma lembrança de Beat...
_Pare com isso já. E é uma ordem!_Ele a falou num tom ríspido, nunca Pamela tinha visto De Bricassart agir, ao mesmo tempo, que a segurava firme pelos punhos. _Olhe a sua volta Pamela Hélene Logan Carter! Tudo a sua volta rescinde a Beatrice Anne, e você onde está nessa história? Onde se vê em Weather Lake, que não seja à pálida sombra de Bea?
Está na hora de lutar por sua vida, ano que vem completa dezoito anos, e por mais que Romeo e Teresa insistam é uma criança sem vontade, eu sei bem,você não É!
Lembra-se de Lúcifer de quem tanto se apiedou?
A verdade nua e crua, deseja, eu revele sobre Ele, somos obrigados a ocultar?
Querida, querida todos nós temos Dele uma centelha, que se sabiamente utilizada, pode ser útil, pois ser obediente não significa servidão, senhorita Carter.
Sean era noivo de Beatrice, mas você não é a sua irmã. Nem nunca será capaz de substituí-la, entenda isso hoje e agora.
Tampouco carece viver a vida de quem se foi e não está mais entre os mortais, preencher os passos e espaços ela deixou em branco, se esta foi a decisão Divina.
_O que eu faço? Por favor, eu não quero me casar com Sean.
_Então...Então case-se com outro!
_Como disse padre?_Pamela estava visivelmente confusa.
Ele respirou fundo, súbito certo tinha falado mais do que devia.
_Sugeri, que tente encontrar outro pretendente, que a agrade. Talvez neste verão ainda, tudo é possível? Qualquer decisão tomar, eu a ajudarei, essa é a vantagem de se ter um amigo íntimo a serviço de Deus.
Casamentos secretos, uma de minhas especialidades...
Ralph afagou o rosto da jovem e enxugou as lágrimas, com as costas da mão direita. _Agora fique calma, vou lhe ajudar a encontrar a medalhinha, doravante, eu tenha vindo aqui para outra travessura._Piscou maroto. _ Uma: imaginei ia adorar, e já que estaria comigo, mesmo fosse descoberta, eu cuidaria de não ser repreendida. _Sorriu daquele jeito fazendo ruguinhas nos cantos dos olhos e nariz.
_Travessura?
_Di-a-bru-ra, seria uma definição mais apropriada, admito. Algo eu adoro aprontar, e se meus instintos estão certos, você também, menininha._Ralph ria de braços cruzados sobre o peito, alegre por Pamela ter relaxado e até esquecido do livro em cima da cama.
No segundo aquela sugestão tinha sido dita, a música que Ivan tocava, foi interrompida, e?Acabou. Assim feito num estralejar de dedos, Debussy se calou.
Pamela girou a cabeça na direção da janela, como procurasse notas perdidas, que teriam sido esquecidas suspensas no ar.
_Realmente quando ele encerra, fica parecendo: outra estrela morreu no céu, tenho essa vívida impressão.
_De fato. _A garota engoliu em seco, e a menção do talento inquestionável do peão de seu pai: à imagem dos dedos de Ivan longos, e quase insanos no teclado do piano, rebentaram claro, na mente de Pamela.
Os olhos de Ivan num fogo, que chegava a irradiar febre, gana e voto de mais pura paixão, seguiram a cena.
Arrepiou-se e Ralph entendeu para onde os pensamentos de Pamela se dissipavam. _...e como estava dizendo, acho o honrado Heitor, ou será prefere o bravo Aquiles?Enfim, nenhum dos dois se importaria de esperar até amanhã. Fiquei sabendo, acabou de nascer uma ninhada de gatinhos, no estábulo, e quem sabe você não gostaria de ir lá comigo, ver se a nova mamãe não está precisando de leite?
_Paa-dre o que senhor está tramando?Duvido tenha vindo aqui me chamar apenas para vir gatinhos recém-nascidos no meio da noite. Isso não é muito Ralph...
_Se eu jurar?
_De dedos cruzados?Por que eu não os vejo diante de mim.
Ele imitou o gesto de mesura exorbitada, Ivan sempre a dedicava com ironia. E se entregou.
_Está bem, vim no papel de alcoviteira, digna de Will de Stratford Upon Avon, em conluio com Sara me pediu o favor, já que conto do privilégio de estar hospedado na Casa Grande; ainda assumo: que nossos pontos de vistas divirjam acerca do tema, marcar um encontro entre você e Ivan ele q...
_Disse Ivan? _O coração de Pamela suspendeu o ritmo, e as pernas fraquejaram. _E-e o que eu e, e Ivan, teríamos a tratar tão adiantando da hora?
_Ah Pamela, sou seu melhor amigo no mundo, sabe ele vai partir numa viagem arriscada, no comando de uma caravana em que eu apesar de tomar parte do grupo, sei os riscos que implicam tamanha aventura no Outback, pode resultar até em morte.
Minta que não deseja ter a oportunidade de em privado, segredo, se despedir dele, desejar que tudo ocorra na paz do Senhor, antes de Ivan Alkaev seguir pra Sydney no romper da alvorada, daqui poucas horas?
Sean mal podia esperar estar de volta ao Golfo, à empreitada até Weather Lake, só não tinha sido pior, porque a despeito do gosto ele alimentava no geral por homens encorpados e de natureza impetuosa, Pamela não era inteira de seu desagrado, a espelho teria sido Beatrice quatro anos antes.
A perspectiva de aceita-la na condição de companheira do leito, não soava ao largo tão desprezível afinal de contas.
Quem sabe se ele investisse em algo um pouco mais atrevido e latente, como sugeria, Michelle, pudesse o despertar desejo sexual ulterior, que chegou a sentir certas ocasiões com um número restrito de privilegiadas mulheres, até: se descobriu um desbravador de prazeres menos ortodoxos?
Sean, surpreendentemente satisfeito, chegou a essa conclusão quando ao lado da extasiante senhorita Carter na mesa de jantar, experimentou uma onda de aprazível agrado, apenas pelo emanar da fragrância de jasmim exalava do pescoço desnudo da virgem, que a sua direita ocupava o lugar pertenceria à Michelle, que não se expôs a ceia dos anfitriões, por ter alegado enxaqueca; uma de suas famosas eram parte verdade, o que importou bastante conveniente, na aproximação dele com a herdeira, seria sua esposa em janeiro de 1915, ao que tudo dava crer.
Atou o robe de seda cor de vinho escuro por sobre o pijama, estava sem camisa e os cabelos largados contra a testa em desalinho, muito escuros se opondo a pele alva, emprestavam ao Sean um ar de descaso que o fazia extremamente atraente, e tinha consciência as mulheres o adoravam assim.
Claro que Pamela não podia ainda fazer amor, e ainda mais da maneira ele preferia quando a parceira era do sexo feminino, por trás e com força, mas uma visita ao quarto dela, para mostrar que se ela em breve estivesse disposta a se render, não ficaria nem um tantinho, desapontada.
Correu os dedos pelos cabelos, tomou um gole de conhaque, e com uma vela num castiçal, saiu do quarto de hóspedes quatro portas a esquerda do da jovem.
Estava decidido, iria dormir com ela aquela noite.
Ivan comprimiu os lábios e se recostou com a perna dobrada no monte de feno, ele mesmo teria carregado de empilha-los na manhã da sexta-feira, os dedos nervosos, brincavam com a corrente do relógio de prata dentro do bolso.
Certa vez, tinha vinte anos no verão em que trabalhava num cargueiro de café em Madagascar, Ivan Alexander Petrovitch Alkaev teve de nadar com tubarões. E não eram quaisquer tubarões, e sim os grandes, famintos e perigosos tubarões brancos, quando o navio Andaluzia de bandeira ibérica, nas imediações do Cabo de Santo André, por um vazamento mal cuidado no casco veio a pique a oitenta e seis milhas da costa.
Dos sessenta e oito homens, apenas ele e um escocês chamado Connolly Donahue, escaparam ao acidente, e mesmo assim porque permaneceram no escaler por cinco noites, cercados, até que o bote acabou virando na manhã do terceiro dia pelas investidas do maior caçador do cardume.
Connolly o imediato estava ferido, embora não exalasse cheiro de sangue, via-se, contudo, incapaz de enfrentar o ataque, então Ivan se fez de isca, não tinha outra possibilidade, enquanto o parceiro desvirava o barco a remo, eles precisavam manter intacto até chegarem em Vilamatsa na mudança dos ventos depois da calmaria.
Enfraquecido, com sede e insolação, alimentando-se de peixes pescavam e comiam crus , até que foram resgatados pela nau Gilbratar, Ivan nem ao deparar cara a cara, as órbitas cruéis e indiferentes do mais ardiloso dos assassinos da Terra, ele se sentiu mais assombrado, que ali, no calor de um estábulo vazio, a noite preta igual às íris de Shiva, rompido pelo tímido bruxulear do candeeiro preso no gancho do teto.
O estômago atacado por centenas de milhares de borboletas, afugentadas das chaminés de Londres, que haviam batido em retirada de Candem, todas para se alojar no interior do abdome rijo.
Sentia-se muito parecido a um virgem, um aparvalhado virgem, que nem conhecia o cheiro de uma mulher que dirá se deitar com uma, amar, beijar, seduzir e saciar.
"Onde está com a cabeça Alkaev?...Opa pergunta errada, melhor corrigir, que ideia mais absurda é essa?Até parece Pamela vai se dar ao trabalho de se levantar da cama quentinha e confortável e..."
Ele não teve a sorte de completar o pensamento.
_Eu podia usar a desculpa de ter vindo até aqui, para bisbilhotar os gatinhos Candice os pariu essa noite, mas, uma das coisas, sempre fui incapaz na vida de fazer, é fingir...
A voz de Pamela soou firme, ela com uma lanterna na mão iluminou o rosto e afastou uma mecha de cabelos soltos da têmpora, de maneira pudesse melhor fitar Ivan nos olhos diretamente, mesmo a distância.
Padre Ralph a acompanhara até a entrada, e antes dela em botas de montaria, calças de culote e uma camisa creme por sobre o colete de couro e talas, de bengala em punho cruzar o portal do estábulo, sua voz a antecedeu no aviso Pamela Carter pronunciou na penumbra sem vacilar, caminhando lentamente em direção ao homem alto junto ao feno._Espero tenha apreciado a surpresa.
_Solynshka?
Ivan sorriu ,e deu dois passos adiante.
_Algum dia vai ter de me contar o que isso significa, mas por ora, eu estou aqui para te ver Ivy.