O Dr. Gustaf Griffiths chegou cedo ao antigo prédio da corte de Luton.
Apesar do tempo nublado, o ar estava quente e ele parecia incomodado com o calor, enxugando o suor da testa com um lenço branco, até que alcançou uma divisória que dava para o local da audiência, onde o ar-condicionado estava ligado.
Sua primeira vitória no caso foi manter o julgamento em Luton, pois havia uma pressão da promotoria de que ele fosse transferido para a Old Bailey, como é chamada a Corte da Coroa em Londres.
Sorriu ao ver sua cliente já sentada no banco dos réus, de cabeça baixa e sem algemas, mas antes passou para confortar a família dela, totalmente acuada num pequeno canto, espremida literalmente pela imprensa, membros da família da vítima e manifestantes favoráveis à condenação.
Um dia antes o Dr. Griffiths teve uma conversa com a família de sua cliente.
— É melhor deixar que ela permaneça presa até o julgamento, sem pagamento de fiança.
— O senhor está maluco? — disse o pai dela, um rico empresário londrino — Quero minha filha livre o mais rápido possível...
— Pense comigo — explicou o advogado — Além do valor da fiança ser um absurdo...
— Eu tenho condições de pagar — interrompeu o empresário.
— Não é esse o problema. Se ela sair não poderá deixar o condado onde o crime aconteceu, será perseguida e crucificada pela mídia, pode até sofrer um atentado de algum maluco qualquer. Neste momento na prisão ela está segura...
O pai dela não concordara, mas resolveu dar crédito à experiência do Dr. Griffiths e agora, na audiência preliminar, vendo a pressão de todos para que sua filha fosse trancafiada para sempre numa prisão de segurança máxima, teve que dar razão para ele.
— O senhor estava certo — ele fez se ouvir acima do tumulto, cumprimentando o advogado, que lhes deu um olhar de conforto e rumou para o local onde sua cliente o aguardava.
O Dr. Griffiths percebeu que ela chorava, ao se aproximar e lhe dar um abraço.
— Seja forte! — disse ele em seu ouvido e ela pareceu se acalmar, bem no momento em que o juiz adentrou o recinto, fazendo com que o tumulto desaparecesse.
Pouco tempo depois, após o advogado de defesa dispensar o pagamento de fiança, fixado pelo juiz em 250 mil libras, ele se despediu de sua cliente, prometendo visitá-la mais tarde.
Tinha algumas dúvidas em mente e precisava elucidá-las, para melhor preparar a sua defesa.
Quando a encontrou mais tarde numa cela da delegacia de Luton, não parecia ser a mesma garota que vira horas antes, pois estava agora maquiada e com um sorriso confiante no rosto.
— Bem melhor lhe ver assim — disse ele.
— Eu vou poder ver minha família?
— Tenha um pouco de paciência que eu consigo isso, apesar da rigidez da nossa justiça, você sabe...
Ela concordou com um aceno.
— Estou aqui por outro motivo. Quero saber mais detalhes sobre o que aconteceu no dia do fato...
— Eu já lhe disse tudo que eu sei doutor.
— Você sabe que todos testemunharão contra você...
— Todos?
— Tudo indica que você cometeu este crime...
— Todos? — repetiu ela — Até o Derick Mitchell?
— Principalmente ele — disse o Dr. Griffiths sem pestanejar.
A garota emudeceu por alguns segundos.
— Ele sabe que eu aparentemente a esnobava, mas era somente uma briga tola, o Derick sabia disso...
— Sabia?
— Sim! Ele vivia me irritando, agarrando ela na minha frente quando estávamos nos preparando para os ensaios e me olhando por sobre os ombros, piscando para mim, sempre me provocando...
— Um dia eu o peguei sozinho no corredor e o encostei na parede, sabe, eu sou meio enérgica às vezes...
— E o que disse para ele? — perguntou o advogado anotando tudo.
— Derick tentou fugir de mim, mas eu praticamente o agarrei e encostei na parede...
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— Por que você não para de me provocar?
— Eu adoro lhe provocar, você fica linda toda corada...
— Ela não merece que você a desrespeite...
— Até parece que você se importa com os sentimentos dela?
— E ela se importa com os meus?
— Ela... Ela não está nem aí para você?
— E você Derick, o que tem contra mim?
— Nada, nada mesmo...
— Então por que fica me provocando tanto?
— Eu já lhe disse...
— Larga de ser criança e fala a verdade.
— Calma, você está muito perto. Se alguém nos ver vai pensar que está tentando me beijar...
— Fala logo Derick!
— Não tenho nada contra você Srta. King. Só estou representando o meu papel. Represente o seu e no final tudo dará certo...
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— Ele disse exatamente isso? Que estava representando um papel?
— Sim. Exatamente isso. Entendi que Derick queria que eu interpretasse com profundidade o meu papel de mulher traída na peça.
O Dr. Griffiths permaneceu pensativo por um momento antes de continuar a conversa.
— Posso lhe fazer uma pergunta pessoal, que ainda não pretendo levar para o julgamento?
— Claro...
— Você estava se apaixonando pelo Sr. Mitchell?
— Por que a pergunta doutor? — disse ela enrubescendo.
— Seus olhos brilharam quando falou sobre ele...
Agatha sentou-se na cama simples da pequena cela.
— Para falar a verdade eu me apaixonei por ele sim, ainda estou apaixonada, aquela peça mexeu muito comigo...
— Teve uma parte que a gente se beijou, bem de leve, um selinho apenas, mas meu coração queria sair pela boca de vontade de beijá-lo mais...
— E depois ele ficava abraçando e beijando a Emilly na sua frente, quando tinha oportunidade? — disse o advogado quase num sussurro.
— Sim! E isso me deixava louca de ciúmes...
— Tão louca ao ponto de pensar em bater nele?
Agatha olhou para o Dr. Griffiths com raiva.
— Sim! Tão louca ao ponto de pensar em matar os dois...
Quando ela percebeu o que havia dito, pôs-se a chorar imediatamente.
— Calma, calma! — disse o advogado abraçando-a, ainda com um olhar pensativo no rosto, que pouco a pouco foi se alterando, como se finalmente chegasse a uma conclusão.
Quando a Srta. King se acalmou, o Dr. Griffiths se afastou e a olhou sério.
— Você sabe que eles vão lhe fazer todos os tipos de perguntas no julgamento e vão querer que você perca a cabeça, para poderem comprovar que você não passa de uma assassina cruel?
— Sim, eu sei...
— Então escute, eu acredito que sei como podemos vencer para que a senhorita seja absolvida...
— Como doutor? — perguntou ela com um novo olhar esperançoso no rosto.
— A senhorita vai ter que interpretar novamente. Eu vi a sua atuação na peça num vídeo e ela foi magnífica...
— E que papel terei que representar?
— O mais fácil de todos, minha cara Agatha! Vai ter simplesmente que interpretar a sua própria pessoa...