SWEET ARROW {SHAWMILA}

By camilizers_kell

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"- É esquisito, não - disse ele. - O quê? - respondi com uma pergunta, a voz baixa demais. - Esses momentos e... More

Leiam
Capítulo 1
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capitulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capitulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
"BÔNUS"

Capítulo 2

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By camilizers_kell

Hey, pessoinhas.. como vcs estão?
Me desculpe a demora, estava resolvendo algumas coisas.. eu, junto com algumas meninas organizamos uma cesta para entregar para a Camila, então quem puder dá RT no twitter, ajuda muito!!!

Camila em solo brasileiro a qualquer momento!!

Boa leitura!! Não esqueçam de comentar suas dúvidas e interagirem com o capítulo!!

-+-+-+-+-+-+-+-+-+-+-+-+-+-+-+-+-+-

Camila

A rainha estava andando nas estreitas e imundas ruas do quadrante de Brightmist quando a avistei.

Eu não havia planejado isso, mas os eventos não planejados podem nos conduzir por caminhos que nunca esperávamos trilhar, mudando nossos destinos e aquilo que nos define. Camila: órfã, rata de rua, a menina que desafiou a rainha, Rahtan.

Eu já tinha sido empurrada para um caminho quando tinha seis anos de idade, e no dia em que cuspi na cara da nova rainha fui mandada, cambaleando, para outro bem diferente.

Aquele momento não somente havia definido o meu futuro, mas a resposta inesperada da rainha — um sorriso — definira seu reinado.

Sua espada pendia em prontidão na bainha ao lado do corpo. Uma multidão tensa e ofegante esperava para ver o que ia acontecer. Eles sabiam o que teria acontecido antes. Se ela fosse o antigo Komizar, eu já estaria no chão, sem cabeça.

O sorriso dela tinha me deixado mais assustada do que se ela tivesse sacado sua espada. Eu soube naquele instante, com certeza, que a antiga Venda por onde eu sabia trilhar se fora, e eu nunca mais a teria de volta. Eu a odiei por isso.

Quando ficou sabendo que eu não tinha nenhum familiar a ser intimado, ela disse aos guardas que haviam me apanhado para me levar com eles até o Saguão do Sanctum.

Na época eu me achava muito esperta. Esperta demais para essa jovem rainha. Eu tinha onze anos de uma vida dura, e era impérvia a uma intrusa. Eu teria me aproveitado dela, assim como eu fazia com todos os demais. Afinal de contas, era o meu reino. Eu tinha todos os meus dedos — e uma reputação que vinha junto. Nas ruas de Venda, eles me chamavam de Dez com um respeito sussurrado.

Ter todos os dez dedos era algo lendário para uma ladra, ou uma suposta ladra, porque, se eu algum dia tivesse sido surpreendida com mercadorias roubadas, meu apelido teria sido Nove.

Os oito lordes dos quadrantes, que ministravam a punição por roubar, tinham um nome diferente para mim e rosnavam quando me viam chegando. Para eles eu era a Executora de Sombras, porque, mesmo em pleno meio-dia, eu conseguia conjurar uma sombra para me engolir.

Uns poucos até mesmo esfregavam amuletos escondidos quando me viam chegando. Porém, tão útil quanto as sombras era conhecer as estratégias da política das ruas e suas personalidades.

Eu aperfeiçoei minha arte, colocando os lordes dos quadrantes e os mercadores uns contra os outros como se eu fosse música e eles fossem rústicos tambores ribombando sob as minhas mãos, fazendo com que um se gabasse com o outro de que eu nunca o havia enganado, fazendo com que todos eles se sentissem muito espertos enquanto eu lhes tirava itens que poderiam ter melhor uso em algum outro lugar. Seus egos eram meus cúmplices.

As vielas que se contorciam, os túneis e os passadiços eram os lugares onde eu aprendia meus negócios, e meu estômago era meu implacável capataz. Porém, havia um outro tipo de fome que também me impelia, uma fome por respostas que não eram tão facilmente arrancadas das mercadorias de um lorde cheio de si. Essa fome era meu mais profundo e mais sombrio capataz.

No entanto, por causa da rainha, eu tinha visto meu mundo se dissolver praticamente da noite para o dia. Eu havia passado fome e me agarrado com unhas e dentes para chegar à posição em que me encontrava. Ninguém a tiraria de mim.

As ruas de Venda, serpeantes e abarrotadas de gente, eram tudo o que eu conhecia na vida, e seu submundo, tudo o que eu entendia.

Seus membros eram uma coalizão desesperada que apreciava a calidez do estrume de cavalo no inverno, uma faca em um saco de juta e a trilha de grãos deixada para trás, a cara fechada de um mercador que fora enganado por alguém ao se dar conta de que lhe faltava um ovo na cesta — ou, se eu estivesse me sentindo punitiva, a galinha inteira que o havia botado. Eu tinha me safado levando coisas maiores e mais barulhentas.

Eu gostava de dizer que roubava somente por causa da fome, mas isso não era verdade. Às vezes eu roubava dos lordes dos quadrantes só para tornar pior suas já miseráveis vidas.

Isso me fazia perguntar a mim mesma, caso algum dia eu me tornasse uma lady de quadrante, se eu deceparia dedos para garantir o meu lugar de poder. Porque eu havia aprendido que o poder poderia ser simplesmente tão sedutor quanto um pedaço quentinho de pão, e o pouquinho de poder que eu tinha sobre eles era, às vezes, todo o alimento de que eu precisava.

Com novos tratados assinados entre os reinos, que permitiram os assentamentos no Cam Lanteux, aqueles para quem e com quem eu roubava partiram, um por um, para viver em espaços amplos e dar início a novas vidas. Eu me tornei um pássaro cujas penas foram arrancadas, batendo asas depenadas, repentinamente inútil; mas mudar para um assentamento de fazenda no meio do nada era algo que eu não iria fazer. Algo que eu não poderia fazer.

Isso eu aprendi quando tinha nove anos de idade, viajando uma curta distância além das paredes do Sanctum em busca de respostas que me haviam escapado. Quando olhei para trás, para a cidade que desaparecia, e vi que eu não passava de uma mera manchinha em uma paisagem vazia, não consegui respirar e o céu rodopiou em um torvelinho vertiginoso. Isso me atingiu como uma onda sufocante. Não havia nenhum lugar onde me esconder. Nenhuma sombra na qual eu pudesse me desvanecer, nenhuma tenda para eu me abaixar atrás ou escadas para entrar debaixo e desaparecer — não havia nenhuma cama para me esconder embaixo, caso alguém viesse atrás de mim. Não havia lugar algum para onde eu pudesse escapar.

A estrutura do meu mundo se fora — o chão, os telhados, as paredes —, e eu flutuava, solta, sem nada para me prender. Eu mal consegui voltar para a cidade e nunca mais parti de novo. Eu sabia que não sobreviveria em um mundo a céu aberto.

Cuspir na cara da rainha tinha sido minha fútil tentativa de salvar a existência que eu havia entalhado para mim mesma. Minha vida já tinha sido roubada uma vez. Eu me recusava a permitir que isso acontecesse de novo, mas aconteceu mesmo assim.

Algumas marés não podem ser contidas, e o novo mundo deslizava em volta dos meus tornozelos como água na areia da praia, me puxando para dentro da corrente.

Meus primeiros meses no Saguão do Sanctum foram turbulentos. Eu ainda não sabia ao certo por que ninguém havia me estrangulado. Eu teria feito isso. Eu roubava tudo que estava à vista, e fora de vista também, e acumulava os itens roubados em uma passagem secreta sob a escadaria da Torre Leste. Nenhum aposento particular me era imune.

O lenço de pescoço predileto de Selena, as botas de Justin, as colheres de pau do cozinheiro, espadas, cintos, livros, alabardas da armaria, a escova de cabelos da rainha.

Às vezes eu os devolvia, às vezes não, concedendo misericórdias como se eu fosse uma rainha cheia de caprichos. Griz rugiu e me perseguiu pelos corredores na terceira vez que roubei sua navalha.

Por fim, numa manhã, a rainha me aplaudiu enquanto eu entrava na galeria do Conselho, dizendo que era evidente que eu havia dominado com maestria a arte do furto, mas que estava na hora de aprender habilidades extras.

Ela se levantou e me entregou uma espada que eu havia roubado. Travei meu olhar no dela, me perguntando como ela a havia conseguido.

“Eu também conheço bem aquela passagem, Karla. Você não é a única sorrateira aqui no Sanctum. Vamos dar a esta espada um uso melhor do que enferrujar em uma escadaria úmida e escura, sim?”

Pela primeira vez, eu não resisti. Eu queria aprender mais. Eu não queria apenas ter a posse das espadas, facas e maças que eu tinha adquirido. Eu também queria saber como usar essas armas — e usá-las bem.

***

A paisagem estava ficando mais plana agora, como se imensas mãos tivessem previsto nossa passagem e alisado as rugas das colinas. As mesmas mãos devem ter arrancado as ruínas de lá. Era estranho não ver nada.

Eu nunca tinha viajado durante muito tempo por um caminho sem nenhuma evidência de um mundo anterior à vista.

As ruínas dos Antigos eram abundantes, mas aqui não havia nem mesmo uma única parede caindo aos pedaços para lançar uma mísera sombra que fosse. Nada além de céu aberto e vento livre pressionando meu peito.

Eu me forcei a inspirar plenamente, concentrando-me em um ponto ao longe, fingindo que existia uma cidade mágica protegida sob a sombra apenas esperando para me dar boas-vindas.

Griz havia parado e estava consultando Justin e Selena a respeito dos locais de encontro. Havia chegado a hora de nos separarmos.

Quando terminou, ele se virou e lançou um olhar cheio de suspeita para a vastidão à nossa frente como se buscasse alguma coisa. Seu olhar finalmente pousou em mim. Eu me espreguicei e sorri como se estivesse desfrutando um passeio de verão.

O sol alto formava sombras acentuadas no rosto dele, marcado por cicatrizes de batalhas. As linhas em volta de seus olhos se aprofundaram.

— Mais uma coisa. Tome cuidado nesse trecho. Perdi dois anos da minha vida por aqui porque eu não estava atento.

Ele nos contou como ele e um oficial de Dalbreck tinham sido atacados por caçadores de mão de obra e como foram arrastados para trabalhar em um campo de mineração.

— Nós estamos bem armadas —, lembrou-lhe Hailey.

— E temos Ariana —, eu disse. — Você cuida disso, certo, Ari?

Os olhos dela tremeluziram, como se estivesse tendo uma visão, e ela assentiu.

— Cuido. — Então ela estalou os dedos em um movimento grandioso e sussurrou, feliz: — Agora vá aproveitar seu tempo com sua queridinha.

Griz soltou um uivo e lançou a mão no ar, dispensando a ideia de Ariana com o movimento. Ele praguejou e saiu cavalgando.

Nós conseguimos partir sem mais nenhuma instrução de Selena. Tudo já tinha sido esquematizado, tanto o estratagema quanto a missão de fato.

Justin e Selena estavam indo para o sul, para Parsuss, o centro da Eislândia, para falar com o rei e deixá-lo ciente de nossa intervenção em seu solo. Antes de tudo ele era um fazendeiro, como a maioria dos eislandeses, e todo seu exército consistia em umas poucas dúzias de guardas que também eram trabalhadores em seus campos. Faltavam-lhe recursos para lidar com perturbações.

Griz também descrevera o rei como um homem dócil, mais propenso a torcer as mãos do que pescoços, e atrapalhado em relação ao controle de seus territórios distantes ao norte. A rainha tinha certeza de que ele não apresentaria objeções, mas ela, por protocolo, tinha de informá-lo a respeito. Tratava-se de uma precaução diplomática, para o caso de algo dar errado.

Mas nada daria errado. Eu havia prometido isso a ela.

Mesmo porque, ao rei eislandês, daríamos apenas uma desculpa para nossa visita, sem revelar nossa missão de verdade. Este era um segredo muitíssimo bem guardado, um segredo que não poderia ser dividido nem mesmo com o monarca regente.

Guardei o mapa e cutuquei o meu cavalo para que seguisse em frente, na direção da Boca do Inferno. Ariana olhou para trás, observando enquanto Justin e Selena seguiam seus próprios caminhos e tentando perceber se eles estavam trocando alguma palavra, a julgar pela distância que cavalgavam um do outro. Por que ela nutria algum afeto por ele, isso era algo que eu não sabia, mas houve outros. Ariana era apaixonada pelo amor. Tão logo eles estavam longe o suficiente para não ouvirem, ela perguntou:

— Você acha que eles fizeram?

Hailey soltou um gemido.

Eu estava com esperanças de que ela estivesse se referindo a alguma outra coisa, então perguntei mesmo assim:

— Quem fez o quê?

— Justin e Selena. Você sabe, aquilo.

— É você que tem o dom do saber —, disse Hailey.  — Você deveria saber a resposta.

— Eu tenho sonhos — , corrigiu Ariana. — E se vocês se esforçassem um pouco mais, também teriam. — Os ombros dela tremeram com repulsa. — Mas esse é um sonho que eu não quero ter.

— O que ela disse faz sentido —, eu falei para Hailey.  — Algumas coisas não devem ser imaginadas ou sonhadas.

Hailey deu de ombros.

— Eu nunca vi os dois se beijando.

— Nem mesmo de mãos dadas —, complementou Ariana.

— Mas nenhum deles faz exatamente o tipo afetuoso —, lembrei.

Ariana franziu o cenho em contemplação, sem que nenhuma de nós tivesse dito o que todas sabíamos. Justin e Selena eram devotados um ao outro — de uma forma muito passional. Eu suspeitava que eles haviam feito bem mais do que se beijar, embora não fosse algo em que eu ficasse pensando. Eu realmente não me importava e nem queria saber.

De alguma maneira, eu achava que eu era como Griz. Antes de tudo, nós éramos Rahtan, e não havia tempo para muito mais do que isso. Essas coisas só criavam complicações.

Meus poucos e breves flertes com soldados com os quais eu havia me envolvido só levaram a distrações das quais eu decidi que não precisava. Distrações que representavam riscos, daquelas que me atiçavam um anseio de desejo e me faziam pensar em um futuro com o qual eu não poderia contar.

Seguimos cavalgando, com Ariana falando na maior parte do tempo, como ela sempre fazia, preenchendo as horas com múltiplas observações, fosse sobre o gramado que se mexia e roçava nos machinhos de nossos cavalos ou a sopa de alho-poró salgada demais que sua tia costumava fazer.

Eu sabia que pelo menos parte do motivo pelo qual ela fazia isso era para me distrair de um mundo plano e vazio, que às vezes subia e descia, ondulava e ameaçava me dobrar e me enfiar em sua boca. Às vezes o falatório dela funcionava. Às vezes eu me distraía de outras maneiras.

Hailey subitamente estendeu a mão em aviso e fez um sinal para que parássemos.

— Cavaleiros. Terceiro sino —, disse ela. O gume afiado de sua ziethe fatiou o ar conforme ela sacou e girou a arma em prontidão. Ariana já estava colocando a flecha no arco.

Ao longe, uma nuvem escura deslizava sobre a planície, ficando cada vez maior conforme vinha em alta velocidade na nossa direção.

Eu saquei a minha espada, mas então, repentinamente, a nuvem escura alterou seu curso, subindo na direção do céu. Ela voou perto de nossas cabeças como um antílope se contorcendo em suas garras. O vento que vinha das asas da criatura ergueu nossos cabelos, e nos abaixamos por instinto. Os cavalos ergueram as patas dianteiras no ar. Em uma fração de segundo, a criatura se fora.

— Jabavé! —, grunhiu Hailey enquanto nos esforçávamos para acalmar os nossos cavalos. — Que diabos era aquilo?

Griz havia se esquecido de nos informar a respeito disso. Já tinha ouvido falar dessas criaturas, na verdade apenas um rumor, mas eu achava que elas se encontravam somente no extremo norte do país, acima do Infernaterr. Pelo visto, não hoje.

— Racaa —, foi a resposta de Ariana. — Um dos pássaros que comem Valsprey. Não acho que eles comam seres humanos.

— Não acha? —, berrou Hailey, cujas bochechas reluziam de fúria. — Você não tem certeza? Quão diferente poderia ser o nosso gosto do de um antílope?

Deslizei minha espada de volta para a bainha.

— Diferente o bastante, é o que podemos esperar.

Hailey se recompôs, guardando sua ziethe. Ela usava duas delas, uma em cada lado do quadril, e as mantinha afiadíssimas. Era mais do que capaz de derrubar agressores de duas pernas, mas um ataque de um ser alado exigia um momento de reavaliação. Eu via os cálculos girando em sua mente.

— Eu poderia tê-lo derrubado.

Sem sombra de dúvida. Hailey tinha a tenacidade de um texugo encurralado. Os demônios que a impulsionavam eram tão exigentes quanto os meus próprios, e suas habilidades haviam sido afiadas como um gume aguçado e implacável. Ela tinha visto sua família ser assassinada na Praça Blackstone, quando seu clã cometeu o erro mortal de torcer por uma princesa roubada.

O mesmo aconteceu com Ariana, e embora Ari bancasse a inocente feliz, havia uma propensão oculta, subjacente e letal que a atravessava. Ela havia matado mais invasores do que eu e Hailey juntas. Sete, de acordo com a última contagem.

Com a flecha de volta na aljava, Ariana recomeçou sua tagarelice. Pelo menos pelo restante de nossa viagem, ela teria alguma outra coisa sobre o que falar. Os racaas eram toda uma nova distração.

No entanto, a sombra do racaa fez com que meus pensamentos seguissem aos tropeços em outra direção. A essa altura, na próxima semana, nós é que estaríamos mergulhando nos ares pela Boca do Inferno, lançando nossa própria sombra, e, se tudo saísse bem, dentro de pouco tempo eu estaria partindo com algo bem mais vital do que um antílope nas minhas garras.

Seis anos atrás, uma guerra estava sendo travada, a mais sangrenta guerra que o continente já tinha visto. Milhares de pessoas morreram, mas apenas um punhado de homens foram os arquitetos dessa guerra. Um deles ainda estava vivo, e alguns achavam que ele era o pior — o capitão da Vigília da cidadela em Morrighan. Ele traiu o próprio reino que havia jurado proteger e lentamente se infiltrou na fortaleza com soldados inimigos, de modo a enfraquecer Morrighan e ajudar na queda do reino.

Alguns soldados que haviam estado sob seu comando simplesmente desapareceram, talvez por terem ficado desconfiados. Os corpos nunca foram encontrados. Seus crimes eram inúmeros; ajudar a envenenar o rei e assassinar o príncipe da coroa e trinta e dois de seus camaradas eram alguns deles. O capitão da Vigília foi o fugitivo mais caçado no continente desde então.

Ele havia escapado das garras do reino duas vezes e daí parece que desapareceu por completo. Ninguém o tinha visto em cinco anos, mas alguém que o avistara por acaso e um mercador ansioso para dividir informações haviam trazido pistas repletas de esperança.

Ele entregou seu próprio reino, a rainha dissera, e as vidas de milhares para alimentar sua ganância. Dragões famintos podem dormir durante anos, mas eles não mudam seus hábitos alimentares. Ele deve ser encontrado. Os mortos demandam justiça, assim como os vivos.

Antes mesmo de ter visitado o vale dos mortos, eu já conhecia o preço a ser pago pelos dragões à espreita, aqueles que avançam sorrateiramente pela noite, caindo com tudo em cima de um mundo e devorando o que quer que os agrade.

O fugitivo da rainha pagaria por ter roubado sonhos e vidas sem nem mesmo olhar para trás, não se importando com a destruição deixada em seu rastro.

Alguns dragões podem escapar para sempre, mas se o capitão Illarion, que traiu seus compatriotas e causou a morte de milhares, estivesse lá, a torre da Vigília de Tor não seria capaz de escondê-lo. Eu o tiraria de lá e o levaria para longe, e ele haveria de pagar — antes que sua fome matasse ainda mais.

Eu preciso de você, Karla. Eu acredito em você. A fé da rainha significava tudo para mim.

Tratava-se de um trabalho para o qual eu, unicamente, possuía qualificações, e a missão era uma chance imerecida de me redimir.

Um ano atrás, eu havia cometido um erro que quase custou minha vida e maculou o histórico quase perfeito da guarda de elite da rainha.

Rahtan quer dizer “nunca falhar”, mas eu havia falhado miseravelmente. Não havia um dia em que eu não pensasse nisso.

Quando confundi um embaixador de Reux Lau com outra pessoa, liberei algo selvagem e feral em mim, algo que eu não sabia que estava lá — ou talvez fosse um animal ferido que eu vinha alimentando secretamente por um bom tempo. Minhas mãos e minhas pernas não me pertenciam e me impulsionavam adiante. Eu não tinha pretendido esfaqueá-lo, pelo menos não de imediato, mas ele se lançou para cima de mim inesperadamente.

Ele sobreviveu ao meu ataque. Por sorte, minha faca não fizera um talho fundo. Sua ferida precisou apenas de alguns pontos.

Toda a nossa equipe foi capturada e jogada na prisão. Assim que ficou confirmado que eu agi sozinha, eles foram soltos — mas eu fiquei aprisionada em uma cela durante dois meses, em uma província sulista. Foi necessário que a própria rainha aliviasse as coisas para obter minha soltura.

Aqueles meses me deram muito tempo para pensar. Em uma fração de segundo, eu havia abandonado o controle e a paciência — exatamente aquilo de que eu me orgulhava e que tinha salvado a minha pele por anos. E talvez o pior de tudo: o erro me levou a questionar minha própria memória.

Talvez eu não me lembrasse mais do rosto dele. Talvez essa lembrança tivesse ido embora, como muitas outras que haviam se esvanecido, e essa possibilidade me aterrorizava ainda mais. Se eu não conseguia lembrar, ele poderia ser qualquer pessoa em qualquer lugar.

Quando retornamos, foi Justin quem contou à rainha sobre o meu passado. Eu não sabia nem mesmo como ele o conhecia. Era algo que eu nunca tinha contado a ninguém, e ninguém se importava realmente com as origens de uma rata de rua. Havia muitos de nós, até demais.

A rainha havia me chamado para seus aposentos particulares. “Por que você não me contou sobre a sua mãe, Karla?”

Meu coração batia enlouquecidamente e, rastejando pela minha garganta, subia um gosto enjoativo e salgado. Eu o forcei a descer e travei os joelhos, temendo que pudessem ceder.

“Não há nada para contar. Minha mãe está morta.”

“Você tem certeza de que ela está morta?”

No meu coração eu tinha certeza disso e rezava aos deuses todos os dias para que eu estivesse correta.
“Se os deuses forem misericordiosos, sim.”

A rainha perguntou se poderíamos conversar sobre isso. Eu sabia que ela estava apenas tentando me ajudar e, depois de tudo que havia feito por mim, eu lhe devia uma explicação mais detalhada. Mas tudo era um emaranhado confuso de memórias e raiva que eu ainda não tinha conseguido desfazer. Eu me desculpei, sem lhe responder.

Quando deixei os aposentos da rainha, encurralei Justin no vão da escada e disparei para cima dele.

“Não se meta nos meus assuntos, Justin! Está me ouvindo? Fique fora disso!”

“Você quer dizer que eu não devo me meter no seu passado. Não há nada de que se envergonhar, Camila. Você tinha seis anos de idade. Não é sua culpa que a sua…”

“Cale a boca, Justin! Nunca, jamais, fale da minha mãe novamente ou eu corto a sua garganta, e de um jeito tão rápido e silencioso que você nem vai saber que está morto.”

Ele esticou o braço e bloqueou o meu caminho, de modo que eu não tinha como passar.

“Você precisa enfrentar seus demônios, Camila.”

Eu me lancei para cima dele, mas, ao contrário de Justin, eu estava descontrolada. Ele já esperava pelo meu ataque e me girou, prendendo-me junto ao seu peito, apertando-me tanto que eu não conseguia respirar nem mesmo enquanto protestava.

“Eu entendo, Camila. Acredite em mim, eu entendo o que você sente”,
ele sussurrou no meu ouvido.

Fiquei enfurecida. Gritei. Ninguém conseguiria entender. Especialmente Justin.

Eu ainda não tinha começado a lidar com as memórias que ele incitara. Ele não tinha como saber que, cada vez que eu olhava para a juba de cabelos fibrosos que caíam sobre seus olhos, ou para sua pele pálida e sem sangue, ou para seu olhar sombrio e ameaçador, o que eu realmente via era o condutor dos Previzi que entrara na minha cabana no meio da noite, segurando uma lanterna na escuridão e perguntando: Onde está a pirralha?.

Tudo o que eu via era a mim mesma me acovardando na poça dos meus próprios dejetos, assustada demais para me mexer. Eu não tinha mais medo.

“Você ganhou uma segunda chance, Camila. Não a jogue fora. A rainha colocou o pescoço dela em jogo por você. Há um limite para quantas vezes ela pode fazer uma coisa dessas. Você não é mais desprovida de poder. Você pode consertar outras coisas.”

Ele me segurou com firmeza até não sentir mais resistência em mim. Eu estava fraca quando finalmente me soltei, ainda com raiva, e avancei sorrateiramente para me esconder em uma passagem escura do Sanctum, onde ninguém poderia me encontrar.

Depois aprendi, com Selena, que talvez Justin de fato entendesse. Ele tinha cinco anos de idade quando testemunhou um machado sendo plantado no peito de sua mãe, e ficou olhando enquanto seu pai era queimado vivo. A família dele tinha tentado se assentar no Cam Lanteux antes que houvesse tratados para protegê-los. Ele era jovem demais para identificar quem tinha feito aquilo, ou mesmo para saber de que reino eles eram.

Conseguir justiça era impossível para ele, mas a morte de seus pais permaneceu entalhada em sua memória. Conforme eu o conhecia melhor e trabalhávamos mais juntos, eu já não via o condutor dos Previzi quando olhava para ele. Eu só via o Justin, com suas próprias excentricidades e hábitos — alguém que tinha seu próprio passado cheio de cicatrizes.

Consertar outras coisas.

Isso foi um divisor de águas para mim e, ainda assim, outro novo começo. Mais do que qualquer coisa, eu queria provar as minhas lealdades para alguém que não apenas me havia concedido uma segunda chance, mas também a toda Venda. A rainha.

Havia uma coisa que eu jamais poderia consertar.

Mas outras, talvez, eu pudesse.

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E então?
Vou postar outro hj, assim q puder

Votem!!!

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