A Origem de Gênesis

由 maryabade

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Gênesis tinha vários objetivos para o seu ensino médio, bem organizados em uma to do list. Só que alguns, em... 更多

Nota sobre a não-binariedade de Jacques
Rádio Submersa: Nova Atlântida
Entrevista com: "A salva-vidas"
Entrevista com: "A cheerleader"
Bem-vindos a Nova Atlântida
Primeiro Ato
1 - Políticas Invisíveis
2 - Garotas Prodígios
3 - Salva-vidas Caninos
4 - Animais de doce
5 - Apostas de corrida
6 - Pedidos de Desculpas
7 - Frases de efeito
#1 - Rádio Submersa: Pangen? Nathan é gay?
Segundo Ato
8 - Caçadores de Medos
9 - Melhores Violinistas (e ciúmes)
10 - Malditas coincidências
11 - Últimas Opções
12 - Capivaras Domésticas (#DiaDoOrgulhoLésbico)
13 - Boca a boca (#VitoriaDay, rs)
14 - Garotas de toalha
15 - Restaurantes Franceses
16 - Políticas Visíveis
17 - Palavras não ditas
18 - Patos de Borracha
Entrevista com: "A (ou o) locutora"
#2 - Rádio Submersa: Jacques é uma mal amada
19 - Palavrões
20 - Anéis de Brinquedo
21 - Sáficas
#3 - Rádio Submersa: Rapidinho, tem mais.
Terceiro Ato
22 - Maré Baixa
23 - Parentesco #JulinhaDay
24 - Colares da Amizade
25 - Presentes natalinos
26 - Lar
27 - Encontros Românticos
29 - Espuma
30 - Pangen
31 - Péssimas Amigas
32 - Famílias Minúsculas
33 - Violinos (e vínculos) quebrados
34 - Coberturas (e garotas) lésbicas
35 - Atos de Amor (e Atlantis, de novo!)
36 - Caixas de Panetone
37 - Dia de São Nunca
Rádio Submersa: Eu, Gênesis Salvador
38 - Unanimidade
39 - Família Grande
40 - Gênesis
Bônus: A Origem de Primeiros Beijos

28 - Pansexual

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由 maryabade


— Tá sorrindo igual boba.

Eu acho que depois de levar em consideração que eu não sei muito sobre amor ou estar apaixonada, me admira muito que eu esteja agindo como uma idiota como se fosse o meu primeiro beijo. Porque... ela disse. Caramba. Ela disse. Com todas as palavras. Encontro romântico. Pandora me beijou. Eu não consigo parar de tocar meus lábios como se fosse a primeira vez que isso acontece. Eu coloco os dedos, fecho os olhos e vejo ela me beijando, dizendo que é a merda de um encontro romântico e se afastando para buscar os dois cachorros-quentes, me deixando a ver o céu.

Não é a primeira vez que beijo Pandora. Mas é a primeira vez com todas as letras que isso soa...

Isso soa real.

Ela não me beijou de novo. Se me beijasse, eu teria entrado em colapso ali. Não precisou. Nem comentou mais nada. Talvez ela tenha percebido que preciso de um bom tempo pra raciocinar que... Pandora me beijou. E... o cheiro dela impregnou em mim. Ela me deu um beijo na bochecha, me deixou em casa e eu não consegui dormir. Olheiras fundas.

Eu me sinto uma grande idiota.

Sis? — Becca me chama novamente.

Eles não me ajudaram a escolher a roupa, mas agora estão vendo eu abraçada nas minhas próprias pernas, absorvendo tudo.

— Como vocês estão?

— Você está mudando de assunto, Gênesis? — Nathan pergunta, dando risada. — Eu estou muito bem.

— Por favor, diga logo o que rolou — suplica.

— Atlantis é péssimo. Um lixo. Sério, ruim. Uma droga. Mas... foi bom — sorrio de canto. — Não Atlantis, sair com a Pam.

— Diga pra gente, como foi sair com a Pam então. Você é boa com detalhes, sabe?

— Só isso.

Só isso. Meu corpo nem absorveu ainda o que aconteceu, não dá pra simplesmente falar em voz alta.

Gen — Lili pigarreia, pra me irritar.

— Ela mexe comigo. Não sei, mas ela acaba comigo. Ontem ela me fez dançar na areia da praia e... É novo pra mim. Isso tudo.

— O quê?

— Beijar. A. Pam.

— Eu pensei que você já tivesse a beijado umas quinhentas vezes — Nathan pigarreia. — Tanto que eu quase faço uma receita com o beijo de vocês.

Rebecca ri. Suspiro.

Idiota. Eu sei. Eu a beijei. Várias vezes. Esse é o problema. É diferente. Antes parecia normal, era só curiosidade e agora... ela me beijou, fez carinho no meu rosto e disse que era um encontro romântico. Eu... me assusta. Gosto de garotas, estou aceitando, mas nenhuma garota me faz me sentir tão... ela só existe e eu sinto meu estômago revirar. Céus, quando éramos mais novas, fizemos uma lista de coisas que queríamos e eu disse ter um romântico em Atlantis. Tipo, com aquelas roupas bonitas dos filmes. E ela foi.

— Ela foi de terno?

— Sim. Ela tava linda. Tô com medo. Eu já estou gostando por tanto tempo do Isaac, mas quando o beijei foi, sei lá. Céus, Pam sutilmente me faz sentir o que eu deveria sentir com ele e isso me assusta. Tudo bem, gostar de garotas. Mas com tanta garota, tinha que ser ela?

— Qual é o problema? — Becca pigarreia.

— Somos amigas.

Amigas. Ela te beijou e disse que é um encontro romântico, isso não é amizade.

Eu sei. É só que... vai dar errado. E é isso que me dá medo — confesso, respirando fundo. — Se eu fechar os olhos, vou sentir o olhar dela depois de me beijar, enquanto a gente comia cachorro-quente. As risadas curtas. Só isso. Risada. A risada dela me deixa uma idiota, sabe? Se eu sou... céus, eu não sei um rótulo pra mim, mas se gosto de garotas porque nenhuma nunca me deixou desse jeito?

— Bem, você é pansexual.

Nathan ri da própria piada e Becca dá uns tapinhas nele.

— Não posso perder aquela garota de novo. Não posso. A gente tá bem agora, me sinto bem e não vou fazer besteira só porque meu corpo inteiro não está sabendo lidar com ela.

— Se ela teve um encontro romântico contigo, acho que o corpo dela também não está sabendo lidar contigo também.

— É diferente. Ela já namorou, já ficou, não é virgem... — fito Ane que dá de ombros. — Pam, é experiente. Ela sabe das coisas e isso aqui é besteira. Além disso, ela é bonita e eu não sou sua única opção.

— A Pam também não é sua única opção. Nunca vi alguém fazer tanto malabarismo pra esconder o que tá sentindo — Nate resmunga.

— É porque eu não sei o que tô sentindo, visto que passei boa parte pensando em um garoto. Gostando de um garoto, tudo bem? E talvez seja o jeito que ela me conhece, Isaac não me conhece. Quando ela me beija, acerta em cheio.

— Quando ela sorri, te acerta em cheio. Quando ela respira, te acerta em cheio também — Liliane provoca.

— Você só repete as mesmas coisas, Gênesis. Tudo bem, eu não sei qual é a dificuldade de aceitar que sua melhor amiga é apaixonante.

— Eu aceito que ela é apaixonante. Não aceito que o charme dela caía em mim — retruco, irritada. — Por que vocês não contam sobre os dois? Se vão ficar bravos comigo porque eu...

— A gente não tá bravo. Você que se pilha excessivamente. E se... tentar só ir indo? Se você quiser beijar a Pandora, beije. Se você quiser beijar Isaac, sei lá, beije. Se eles quiserem, claro.

— E minha mente tá pensando em beijar ela. Essa é a droga do problema. Se eu gosto do Isaac, por que minha mente só quer beijar a Pandora?

— Eu disse, pansexualidade.

O tapa que Rebecca dá em Nate libera um gemido seguido de gargalhadas.

— Ele tá só me provocando — Becca suspira.

— Becca também gosta de garotas. Ela é pansexual, certo? Você também, mas por motivos diferentes. Não se preocupe, ela não está gostando da sua amiga — ri e recebe outra ameaça.

— E por que vocês não falam de vocês? Por favor. Quer dizer, se ela é... pansexual. Becca, é por causa do Jacques? Tipo, isso? — Nate gargalha. — Eu dou parabéns?

— Você é fofa, Gênesis.

— Não foi por causa do Jacques, mas acho que contribuiu. Eu me sinto bem em dizer que sou pan. Não vou falar para minha família, nem nada. Não agora. Minha mãe morreria. Mas gostei, sabe, de ter a certeza do que sou em algum momento.

Rebecca é pan. E eu não sou nada porque minha mente sempre entra em pânico pra dizer que sou algo. Será que eu sou alguma coisa?

— Eu acho que vou gostar disso também — suspiro. — Tô feliz por você.

— Um trio de um bissexual, uma pansexual e... Gênesis — ele ri, animado — A gente tá só brincando, lembra disso.

Eu reviro os olhos antes do meu celular vibrar. Uma mensagem de Isaac. Agora. Ele falou comigo ontem e uma nova mensagem agora. Mordo os lábios. É nervosismo, mas não é a mesma sensação. Meu coração não quer sair pela boca e meu estômago não está se revirando. Só que esse também não sei o que é.

[Isaac: Eu sei que é dia de semana e tudo mais, mas na minha sala a coisa tá menos arrochada. Quer sair na terça? :D Recebida às 13:10.]

[Isaac: Se você quiser, a gente pode assistir um filme em casa, no meu quarto. Recebida às 13:11.]

[Isaac: NÃO! MEU DEUS, NÃO. Não é esse tipo de conotação. Céus, não é nada demais. Desculpa. Eu pensei nisso porque talvez... Recebida às 13:12.]

Eu solto uma risada.

[Isaac: Olha, não sou um cinéfilo e tudo mais, mas a gente escolhe um filme juntos. Minha mãe vai estar em casa. JURO POR DEUS QUE NÃO TEM SEGUNDAS INTENÇÕES!!!!!!!! Recebida às 13:14.]

[Isaac: Meu irmão também. Juro, Gênesis. É só o filme. Eu soei tipo um idiota, meu deus. Recebida às 13:15.]

[Isaac: Desculpa. Recebida às 13:16.]

Isaac é malditamente como eu esperava. As mensagens. O modo como ele fala comigo. Seria uma quebra de expectativa se ele não fosse, mas ele é. E se todas as coisas que eu fantasiei na mente batem, como eu poderia não gostar dele?

— Isaac me chamou pra assistir um filme com ele, na casa dele — digo, tentando conter o riso. — No quarto dele.

— Não vai. Ele parece legal, mas não o conheço o suficiente pra saber se isso pode — Nate balança a mão, negando.

— Meu pai não ia deixar de qualquer forma, ficar no quarto de um garoto. Ele ia lembrar de alguma história tenebrosa, sei lá. — Observo as mensagens na tela do celular. — Ele é legal.

[Isaac: Tudo bem, ao ar livre. Que droga. Não sou idiota, desculpa. Recebida às 13:17.]

[Isaac: Desculpa, Gênesis. Não desiste de sair comigo. Recebida às 13:18.]

— Tu quer sair com ele? — Liliane pergunta, alongando o pescoço atrás de mim.

— Claro que quero. Ele é um cara legal.

Suspiro, digitando uma risada cheia de letras jogadas de qualquer jeito, antes de dizer sim. Assim que envio, a mensagem da Pam sobe nas notificações. Eu engulo em seco, clicando sem ao menos ler. Se eu fechar os olhos, vou escutar a risada dela de quem está nervosa depois do beijo. Do jeito que nós duas queríamos enfiar o rosto na areia ou sair correndo. Vou lembrar das nossas mãos próximas uma da outra, tomando cuidado para não tocar depois do beijo. Se eu beijei tantas vezes, por que aquilo soa tanto como meu primeiro beijo? Meu peito sobe e desce antes de eu tirar o celular de vista da Liliane.

Merda, Pandora.

[pam: Ei, oi, Gen! Vou jantar com eles hoje. Quer jantar junto comigo? Eu não sei como chamar eles, mas tu entendeu quem. Não, tu não vai atrapalhar. Quero tua companhia. Recebida às 13:19.]

Arqueio as sobrancelhas.

[eles quem? Recebida às 13:20.]

[pam: Eles são tipo... meus pais. Tipo isso. Aqui em casa. Eles disseram que querem te ver e, apesar de eu achar sem motivo, acho que seria legal. Recebida às 13:21.]

[pam: Não precisa se importar muito com eles. Eu já conversei com eles e tudo mais, mas seria desconfortável jantar com eles sozinha. Recebida às 13:22.]

Eu fito Liliane. Se os pais da Pandora estão aqui, por que diabos ela está na minha casa? Céus.

[pam: Eles NÃO são meus pais, mas ainda sim eu quero te apresentar a eles. É, eu sou idiota. Recebida às 13:24.]

Ela quer me apresentar pros pais dela? Que ela odeia tanto?

[pam: Mas nada demais. A Jacques já os conheceu no início da semana e eu queria que tu também. Mas tu pode negar. Recebida às 13:25.]

Eu olho para as mensagens, penso em responder, mas minha mente precisa lidar com a incógnita principal.

Liliane. Você não disse que veio sozinha? — pigarreio, virando o rosto em direção a ela.

— Na minha poltrona, eu tava sozinha — retruca, engraçadinha.

— Não foi isso que você contou. Seus pais estão aqui o tempo inteiro? — soa incrédulo, cruzo os braços. — O que mais você mentiu?

— Nada.

Liliane. Vai me dizer que a Pam também sabe de você?

— Não. Claro que não. Juro. Se eu falasse que meus pais estavam aqui, duvido que tu ia deixar eu dormir aqui — se defende antes de apontar para os dois na minha cama, em total mecanismo de fuga. — É culpa deles.

Eu olho para Becca e Nate que estão abismados com a garota que cede fácil.

— Liliane!

— Eu mandei mensagem pra Jacques dizendo que era irmã da Pam. Ano passado. E aí eu estava planejando vir esse ano e ela disse que era pra falar contigo porque tu e a Pam estavam brigadas! Só que vocês já estavam tudo certo e...

— Liliane, larga de ser fuxiqueira — Becca resmunga.

— Deixa eu adivinhar, vocês dois saíram contando as coisas pra ela? É óbvio! Essa menina não teria saído de lá sabendo de tudo — retruco indignada enquanto Nate assobia de uma maneira cômica.

— Sim, só que a abordagem dela é péssima. — Nate retruca. — Nada sutil. E não foi só nós dois, Jacques também.

— É, esses três — Ane concorda. — Eu não tenho culpa de nada, mesmo que realmente esteja notando no pouco tempo que vocês agem como idiota perto uma da outra. Só.

— Seus pais já falaram com ela, você já teria mais tempo com a Pam do que se metendo na ideia desses dois!

— Tu não entende — resmunga, cruzando os braços. Como se estivesse certa. — Tá sendo mais divertido assim. Porque tu me deixa ficar por ela e ela é super boba comigo porque "eu sou sua parente".

— Ela seria mais se soubesse que tu é irmã dela. Aliás, ela me chamou pra jantar com seus pais. Céus, esqueci de respondê-la.

Eu pego o celular novamente e ela apagou tudo. Todas as mensagens. Tudo bem. Isso é um pânico da sua parte. Ela escreveu várias vezes e jurou que estaria tudo bem apagar tudo? Eu mordo os lábios para conter o sorriso antes de responder.

[foi só 5 minutos, pam :(((((( nem demorei. Enviada às 13:32.]

[me convida de novo, vai :((((. Enviada às 13:33.]

[pam: Bestakkkkkk. Recebida às 13:35.]

[pam: Confundi o número. Recebida às 13:36.]

[vc n tem outra amiga chamada gen!!! me convida pra ir aí, vai. sei o motivo e parece uma boa (mesmo se no fim tivesse envenenamento). Enviada às 13:37.]

[pam!!! eu sei o motivo e eu quero :( Enviada às 13:37.]

[pam: É óbvio que eu te convido de novo. Só pensei que eu tinha soado estúpida. Recebida às 13:38.]

[pam: kkkkkkk boba. Recebida às 13:38.]

— Você vai pra esse jantar e eu vou te apresentar pra Pam. Ponto final — aviso pra Liliane.


Má ideia. Eu nunca vi alguém inventar desculpa e, se pudesse, ela teria inventado alguma doença contagiosa só pra não ir — mesmo confessando que ela iria embora de madrugada e não voltaria agora. Eu não conversei direito com Nate ou Becca sobre isso, talvez por ainda estar absorvendo ou com muita coisa pra lidar, mas eles ainda vão ouvir. Um pouco. É, só que agora eu preciso lidar com uma garota trocando de sapato e se ajeitando quinhentas vezes, como se Pam nunca tivesse a visto. Ela ajeita a mochila de patinho nas costas e sua mala consigo.

Bem, a garota já tem uma pitada de ansiedade percorrendo suas veias.

Eu tenho também.

Tudo bem, não são os pais de Pandora. Tudo bem, Jacques já os conheceu então não significa que eu seja especial. Mesmo assim, meu coração está lendo isso como algo especial pra mim e está entrando em pânico porque vou finalmente conhecer os pais babacas da Pam.

E eu espero isso por muito tempo.

— Então você sabia que a tia Jô tinha morrido?

A pergunta é feita em uma súbita lembrança enquanto caminhamos

— Jacques me contou quando cheguei. Foi fofo da tua parte mentir sem saber de nada. Isso foi um dos motivos, talvez, pra saber da tua paixão. E não adianta dizer que amizades são assim depois do discurso de hoje. Sabe, eu não coloquei o pé ainda em relacionamentos amorosos.

— Sim, você ainda é uma pirralha — brinco e ela revira os olhos.

— Tu diz que ela é sua melhor amiga e tudo mais. Mas já parou pra pensar que inimigos não namoram? Tipo, eles cultivam algo antes. A amizade. Eu não vou jogar em ti novamente que tu é apaixonada por ela, beleza? Isso é tu quem sabe, mas... se for usar uma desculpa, não diga que é pela amizade. E diz, qual outra desculpa você tem?

— Eu gosto do Isaac.

— Então saía, beije e namore com ele. Porque ele te chamou pra sair e está te dando mole. Mas se tem tanta certeza disso, diga para a Pam. Tu pode ficar confusa, tu só precisa tomar cuidado pra não magoar ninguém. Se acha que nenhum dos dois te faz se sentir diferente, não tente nada com os dois com objetivo de se forçar.

— Onde você aprendeu isso?

— Novelas. Filmes. É tudo artificial, mas tem um pouco de verdade. Se sentir confuso não é anormal. Na verdade, algo me diz que tu não está confusa, tá tentando se forçar a ficar pra não aceitar o que está acontecendo. Por que isso tá te dando tanto medo? Só coisas ruins dão medo.

— Pam tem medo de borboletas. Não são ruins. É algo irracional.

— É, e tu de patos gigantes. Mas entendeu o que quis dizer. Ah, uma última coisa. Eu vou embora pra eu deixei alguns esquemas com minha xará.

— O que diabos você fez?

Ela faz um barulho de shhhh antes de bater na porta da casa da Pandora. Eu não consigo dizer mais nada porque é assustador demais a porta não ser aberta por ela, mas sim por uma senhora de pele branca, olhos castanhos escuros e um cabelo liso e longo. Eu não consigo nem respirar direito antes dela parecer reconhecer, talvez pelas características dadas. Liliane sorri para o que deve ser sua mãe antes de me acompanhar até ter no meu campo de visão o homem.

E nenhum dos dois parece com o que eu esperava dos pais da Pam.


Eles não têm covinhas. Não tem sorrisos bonitinhos. O tom de pele nem chega ao dela, mesmo que o pai tenha um tom parecido com o de Liliane. O cabelo não é diferente. Nenhum dos dois tem os olhos azuis. Tudo bem, estudei genética e sei que é possível, mas eu olho e não vejo nem um pouco da Pam neles. Nenhum resquício. Nada. Não parecem nada com a Pam. Eles não emanam a energia da Pandora. Nem o cabelo é do mesmo tom. Eles são gentis, mas não é o tipo de gentileza dela.

A gentileza da Pam está nela, desde sempre. Os pais dela são gentis, mas do tipo "ser gentil é o certo", não "eu sou mesmo gentil". Não é como se eles tivessem muitos assuntos para conversar com ela, já que nunca foram assíduos em nada. Talvez a única pessoa que não consegue ficar quieta é Liliane. Sim, ela está mantendo neutralidade e fingindo que não é notório que são seus pais na mesa.

— Reprovar de ano é até bom, não tem maturidade pra faculdade e essas coisas — A voz do homem é calma, do tipo que parece que ele está falando tudo com cuidado. — O que você vai fazer?

— Sexta eu tenho uma audição, tentar ganhar uma bolsa pra estudar música.

Música? Já pensou em ficar como hobby? Uma profissão estável. Não estou te julgando, sei que vocês têm uma relação muito grande com a música, mas o histórico também não é bom no que isso resulta depois.

— O meu histórico tá limpo. É o que importa. Vou tentar música. Se não der certo, tenho uma vida inteira pela frente. Se não tiver, pelo menos fui atrás do que eu queria.

Claro. É um bom ponto. Você...

Ele insinua cigarro, ela arqueia as sobrancelhas.

— Ela não fuma, nem bebe. Que tipo de pergunta é essa? — pergunto, cruzando os braços, ainda sentada na cadeira.

Pandora ri da minha resposta.

— Preocupada com coisas que adolescentes fazem, principalmente após o luto e sem monitoramento.

Calmo. Eu não sei em que tipo de tom ele está falando porque sua voz não muda em segundo nenhum.

— Na verdade, eles já me perguntaram isso. Na frente da Jacques também. Tão perguntando de novo pra ver se tu revela que eu fumo — Pam ri. — Não fumo.

Engraçadinha. Não temos relação de pais e filha, mas é óbvio que nos preocupamos contigo — retruca. — Tu sabe que seus avós ficariam orgulhosos de saber que você tá bem, tá bem assistida e tudo. Tô orgulhosa de saber que não anda fazendo nenhuma besteira.

Eu olho de relance para Pandora. Ela não está sem jeito. Não está chateada. É como se fosse algo bobo os questionamentos. Tipo, tudo bem se preocupa, mas o teor é como se eles esperassem que ela estivesse fazendo besteira. E não, não é pela morte da tia Jô.

— E eu ouço falar sobre você há um bom tempo. Não eram vocês que não se desgrudavam uma da outra? Liliane me contou que tu ofereceu a sua casa pra ela ficar e eu não consegui negar porque tia Jô e a Pandora sempre falaram bem de ti!

A fala da mãe faz Liliane quase morrer do coração fazendo sinal pra ela não falar mais nada. Acho que ela é uma mentirosa compulsiva. Céus, não acredito nisso.

— Sim, a Liliane me disse que era fascinada pra conhecer a irmã e me pediu pra ficar comigo e passar mais tempo. Vocês já ouviram a Pam tocar? Deveriam! Aliás, a Ane disse que esperou por bastante tempo pra te ouvir tocando, Pam.

Se por fora eu pareço falar tudo engasgado, está sendo caótico dentro de mim. Eles negam. Óbvio que não se preocuparam em a ouvir tocando.

— Eu sei que vocês acham que a música não dá dinheiro e não é estável, mas vocês precisam ver a Pandora tocando violino. Ela é perfeita. Muito muito boa. E acho que seria desperdício não deixar ela conquistar o mundo. Veja bem, se ela já é tão boa assim sem nunca ter pisado em uma aula, imagina quando acontecer? Vocês estão certos em se preocupar com estabilidade. Todo mundo precisa de dinheiro, mas tentar não é errado. E vocês são gentis, mas precisam se soltar mais porque se não cria uma tensão esquisita. A Pam gosta de jogos, músicas e ela é inteligente pra caralho. Todo mundo adora ela. Vocês foram babacas por um bom tempo então vão ter que melhorar essa gentileza com ela hoje. Não quero saber.

Eu me levanto, ajeitando a saia que vim vestida. Estou com tanta vergonha que não ouso olhar para Pandora.

— Vou buscar o violino, Pam.

Pelo menos em uma coisa dá certo. Não é como se a conversa melhorasse tanto, mas soa melhor. Pandora toca, conversa com Liliane enquanto os pais assistem. Só assistem. Eles não pegam no celular, não falam. Só assistem. Tia Jô não era a mãe de sangue da Pam, mas emanava família. Eles não emanam nada, nem fisicamente, nem nada. Como raios isso é possível? Talvez seja isso que faça Pandora não se abater.

Realmente, não é família dela.

Eles são gentis, porém mais parecem aqueles tios que visitam de vez em quando e querem saber como anda tudo. Antes deles irem embora, Liliane entrega algo para mim em uma sacola e faz uma encenação dramática antes de ir. Volto em breve. Ela é legal. Mais que os pais. Só é mentirosa. Muito mentirosa.

Eu quero perguntar sobre os pais da Pam, mas ela sai em direção ao quarto para guardar o violino enquanto continuo encostada no sofá, em pé. Consigo ver de longe que é uma caixa de coloração rosa. Eu subo um pouco a embalagem e vejo um bilhete. Um bilhete que na verdade é uma imagem impressa em um tamanho menor. Os padrinhos mágicos. Eu puxo o papel e percebo que tem algo escrito em uma letra até legal, se comparar a minha quando tinha 13.

"Era pra eu vir antes do Halloween, mas não importa: me mande uma foto assim que Pam pintar. Eles se disfarçam de tudo no mundo humano!

Com amor, Lili+ane."

A aproximação da Pam me faz amassar o papel. Ela se encosta no sofá também, tirando o medalhão de Nossa Senhora das Graças e colocando para cima da camiseta azul claro. Não diz nada. Nadinha. Eu estou com o papel amassando na mão e o outro segurando a caixa de tonalizante. É vergonha o que estou sentindo no momento. Meu rosto arde. Devia ter calado minha boca. Uma risada ecoa da sua boca. É o tipo baixinho e bobo, mas não viro o rosto pra saber sua expressão.

É vergonha pelo meu nervosismo na mesa, mas também é vergonha porque agora que estou do lado dela e ela está rindo como ontem, não consigo tirar da mente o beijo. Que não é meu primeiro, mas parece.

— Gen?

Hum.

— Não tenho irmã.

— É, ela disse que vocês não eram de sangue — retruco, olhando para o teto.

— Não, Gen. Não tenho irmã. Ela queria me conhecer, só. Não é minha irmã.

— Pam.

— Eles não são meus pais, eu disse — ela ri.

Meu Deus.

— Você tá dizendo que eles não são seus pais biológicos?

— Sim. Não acho necessário falar. Não é como se eles também desempenhassem algum papel na minha vida. Eles não são meus pais, nem nada.

— É, eu devo ter percebido. Eles não parecem nada com você. Parecem robôs, sei lá — solto uma risada nervosa. — Se eles não são seus pais, quem são? Não precisa me responder. Eu sei que você não gosta que fale assim, mas preciso saber quem são para odiá-los. Você sabe, não é?

— Ela é musicista. Era. Não sei o que ela tocava em especial. Mas aí ficou grávida de mim, deu tudo errado no que ela queria e teve dependência química. Eu não faço a mínima ideia de quem era ele, mas acho que morreu há um bom tempo. Ela me deu pros meus avós que me deram pra eles que me deram pra mamãe e aqui estou eu.

— Você a conhece então? Como ela está?

— Ela tá bem. Melhorou, faz tratamento e tudo mais. Mas ela ainda me odeia por algo que não tenho nada a ver e não preciso correr atrás dessas coisas. Meus avós morreram também.

— Eu odeio as coisas que acontecem com você.

— Gênesis, isso nunca foi um problema pra mim. Eu sou muito orgulhosa da mãe que eu tive, não suportaria viver em um lugar que não sou bem-vinda e culpabilizada de tudo. Não trocaria nada da minha vida se pudesse. Não odeio quem me teve, sou muito agradecida por ela ter me feito chegar na única mãe que guardo no meu coração. Não a odeio por me odiar também, mas não a quero perto.

— Você nunca tinha me contado isso.

— Eu me importo com as coisas que valem a pena. Gosto dos meus avós, mesmo sem ter tido contato. Eu vim de uma família cheia de musicistas que não tiveram chance, não vou deixar perder nenhuma que me aparecer. Não é só porque amo música com todo meu coração, mas porque nunca são pessoas como eu na música e preciso honrar de onde vim.

— Você já honrou, besta. Mas não se esquece de mim quando você tiver, sei lá, em Paris? Onde fica as coisas legais de música? Não sei. Violino é algo bem chique.

— Gen, tá insinuando que a gente vai se afastar? — me interrompe.

— É, óbvio. Depois que subir pela cabeça.

Ela gargalha. A risada dela de quem quer retrucar isso, mas deixa pra lá.

— Gen?

— O que foi?

— Tu, por acaso, deixou uma garota desconhecida ficar na tua casa só porque ela disse que era minha irmã?

Eu viro o rosto, os dentes dela estão pressionando os lábios, segurando o riso.

— Tu deixou, Gênesis? — provoca.

— Ela não ia me matar, era só uma criança — retruco, cruzando os braços e desviando o olhar de novo.

— Deixou por minha causa, Gen? — repete.

Respiro fundo. Meu rosto arde com a provocação idiota.

— É óbvio que deixei! Ela disse que era sua irmã e eu pensei que você ia ficar feliz em saber que tinha uma.

Ela solta a risada contida. Eu respiro fundo. Não quero chorar, mas meus olhos se enchem em tamanha vergonha. Não sai nada. É só enquanto eu tento planejar um mecanismo de fuga enquanto ela ri.

— Gen?

— Se for pra dar risada, me deixe quieta.

— Tu me ama um tanto também, não é?

Eu olho de soslaio. Solto o ar contido antes de olhar pra ela. Meus lábios ficam semiabertos, talvez seja porque me falta ar. O jeito que ela me olha. Céus, como a Pandora pode? Merda, como ela pode? Os braços cruzados, o sorriso bobo e...

— Amo você um tantão. Óbvio que amo.

Mas que diabos você poderia sair só um pouquinho porque meu coração está agindo como se você não fosse a Pandora de sempre e não está sabendo se comportar?

— É. Gênesis, eu... — Ela respira fundo.

— Você o quê?

Ela desvia o olhar para a caixa de tinta, mudando de assunto.

— Vai pintar de rosa?

— Eu não, você.

— Eu não vou pintar de rosa, não. Tá doida? Vai ficar horroroso — retruca, se afastando sofá. — Por que pintaria?

— Porque a Liliane pediu pra mandar uma foto sua de cabelo rosa. Vai, por favor.

Ela suspira, olha para a cor do rosa na caixa

— A sua sorte é que posso raspar, mas tenho condições. Tu que vai pintar e tudo mais.

— Só essa?

— As condições já estão impostas na frase — sorri de canto.

— Vestida?

— Isso eu não imponho nada. Você impõe algo pra mim?

Não.

É no banheiro de visitas que Pam lava o cabelo e me deixa passar a tinta cor-de-rosa em cada fio descolorido dele. Mas quando passa 30 minutos, é no banheiro dela. Ela já está sem camiseta ("pra não manchar"), mas parece um problemão quando ela tira o top com cuidado, por baixo, pra não sujar também. Eu deveria impor algo. Cruzo os braços. É a condição dela. Ela segura a corda do calção, como se estivesse brincando. Amarra. Ela amarra a corda. Eu estou em uma distância segura, observando o que parece ser uma avaliação mental da sua parte. De alguma coisa.

Eu queria desamarrar. Só pra saber a sensação. Mas se ela o tirasse, seria demais para mim.

— Não sei porque você gosta tanto de tomarmos banho juntas. Já falei que não somos crianças.

— Tu também gosta, topou sem pensar muito — retruca. — Procura uma roupa minha e veste. Vai molhar suas roupas de novo, não. Te espero lá.

Oi, Heloisa. Não é vermelho, mas rosa serve? 🤨 (Não tem como te dedicar porque esqueci seu user).

Oi, gente. É, nossa última atualização do ano. Espero que estejam todos bem, mesmo com essa vibe ruim do fim do ano. A história começou no comecinho do ano e conseguimos 36k mil avaliações, muitos gospels e eu tenho muito a agradecer.  Provavelmente o ano que vem vai ser diferente, mas estamos juntos, certo? Desejo toda a força e um ano melhor do que esse foi. Saúde, fundamental, né? Muito das coisas boas que aconteceram comigo foi por causa de vocês e eu desejo o quíntuplo de volta.

No mais: meu celular estragou, isso me impede de escrever e corrigir os capítulos, mas darei o meu melhor! Para as que estão ameaçando bater na porta da minha casa pra encher de porrada por cenas quentes: era aqui, tirei daqui e coloquei no próximo capítulo, rs. Se não tiver nesse, desistência pra vocês.


(Esqueci de dizer que, se tu não viu, tá rolando ideia de livro físico de Garotas de Pizza lá no Twitter! Se puderem ver, tá fixado no meu twitter @marysabade.)


Aliás, vamos de contagem regressiva? Faltam dois capítulos *piscadela*.

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