Capítulo 8 - As Máscaras

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Passei toda a noite deitada na mesma posição, sobre o meu braço esquerdo, e motivo pelo qual este amanheceu dormente. Parecia que ele me faltava, não tinha força para o mover e nem dando dolorosos beliscões o conseguia sentir. A lebre, de apelido bifes e nome muito esquisito, igualmente faltava. Adormeci com uma lebre deitada desajeitadamente sobre os meus pés e acordei sozinha. O buraco cavado pelo animal, e que serviria como seu esconderijo pela noite, já não se fazia um escuro total. A luz do dia chegava lá dentro e não mostrava grande coisa, era apenas um buraco em terra seca. Tudo estava muito calmo, fazendo-se ouvir apenas o barulho assobio do vento. Eu sinceramente, sentia muito a falta do canto dos pássaros pela manhã na minha janela, e só nesse momento percebi como o mundo seria um silêncio vago e sombrio sem eles. Sabendo da existência de caçadores de humanos -ou caçadores de Jaime- fora da toca, decidi esperar que Larry, ou Jonghyun aparecessem. Nesse intervalo, pensei no que os tios estariam a fazer naquele momento. Estariam eles no trabalho, seguindo a vida normalmente, ou ainda procuravam por mim? Quais lugares teriam eles ido procurar por mim para além do cemitério e da minha antiga casa? Teria Yuri se lembrado do dia que me encontrou sentada no chão do corredor que fica escondido atrás do refeitório da escola?

Nessa época meus pais ainda não tinham morrido, eu tinha oito anos, Yuri era um ano mais velho. Eu fazia anotações no meu caderno e ele chegou com uma garrafa de água e vestido no uniforme de educação física. Tinha sempre o cabelo preso em um rabo de cavalo ou coque, seja na escola ou em casa. Yuri se sentou e encostou-se na parede oposta, ficando de frente para mim, não disse uma única palavra, sacou o telefone e ficámos assim até o horário da aula seguinte. Ele jogando e eu escrevendo. Eu gostava de ficar sozinha, mas naquele dia, naquele momento, aquela companhia silenciosa soube imensamente bem. Eu nunca cheguei a perguntar para Yuri o motivo da sua aparição ali, afinal, não era um lugar frequentado por alunos, as únicas pessoas que passavam naquele corredor eram as funcionárias da cozinha e da limpeza. Eu não sabia se ele estava à minha procura ou se costumava ir para ali como eu, para ficar sozinho. E seu eu acabasse por morrer em Gautama, nunca chegaria a saber.

Quando a palavra "morte" surgiu no meio dos meus pensamentos, eu aterrei de volta no buraco feito por Larry e no justo momento um vento entrou para dentro arrastando consigo pó de terra seca. Ouvi passos caminhando pela relva muito próximo da entrada. Tapei o nariz e boca e fechei os olhos, torcendo para não morrer sufocada ou ter um ataque de tosse.

_Jaime?

_Jonghyun?

Sem pensar duas vezes me arrastei até a saída.

_Está tudo bem consigo?

Confirmei e Jonghyun disse, em sussurros, que se tratava de uma urgência partirmos naquele instante. Sem mais perguntas, enfiei a cabeça pelo buraco e respirei o ar puro, e com dificuldade, consegui tirar o resto do meu corpo para fora. Sem me deixar perguntar se não iriamos esperar pelo Larry, Jonghyun me guiou mais adentro do Oeste. Seguimos na direção da ponte e chegamos lá mais rápido do que eu pensava que chegaríamos. O rio era bastante largo e a água cristalina. No fundo via-se pedras e corais, nenhum peixe. A ponte era apenas um amontoado de pedras cinzentas sobrepostas que ligavam uma margem à outra. Jonghyun saltou para a primeira pedra, ficou em cima dela um tempo tentando desvendar qualquer segredo, depois continuou o caminho. Quando estava perto do meio da travessia virou-se para trás e pediu para que eu o seguisse, com cuidado. Fiz o percurso até onde ele estava sem qualquer dificuldade e igualmente sem entender porque tanta desconfiança para travessar uns blocos de pedra que pareciam muito firmes sobre a água. O vento vindo de Este para Oeste nos atravessou fazendo meu cabelo esvoaçar e por um momento tapar a minha visão, quando voltei a ver o caminho, percebi que estávamos parados. Jonghyun parecia ter congelado olhando para a margem do rio que era o nosso destino. Estavam a chegar, ainda muito longe sendo figuras indistinguíveis, o que pareceram ser lobos.

O Conto de Gautama: A Viagem de JaimeKde žijí příběhy. Začni objevovat