Capítulo 7 - A História de Um Fugitivo

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Eu e os meus novos amigos voltamos para a pequena praça que estava novamente cheia de figuras falantes. Se ninguém me tivesse dito que aquelas criaturas se tratavam de espíritos e que aquele era um lugar reservado à entrada de mortos, eu nunca teria adivinhado por mim mesma, eram tão vivos quanto eu. Vestiam roupas, caminhavam, falavam, sorriam, cuidavam das duas crias. À vista, era como uma simplória aldeia inserida em uma floresta onde os troncos e as folhas brilham deslumbrantes.  O espírito do homem de chifres rechonchudo, o qual eu ainda não sabia o nome ou se sequer tinha um, fez todo o percurso de volta a praça rindo ironicamente e perguntando vezes sem conta se eu realmente iria me sacrificar em uma viagem para Silvershine, aparentemente, duvidava da minha capacidade ou possibilidade de lá chegar. Os outros três -o professor, Janith e o homem sem rosto- ignoravam-no por completo, imersos em um assunto que lhes despertava mais interesse e preocupados com a minha partida e o percurso no lado de fora da segurança do refúgio. Chegando no extremo da praça o professor voltou a me alertar sobre os perigos que eu poderia encontrar no caminho, e com ternura, mais uma vez me deu a certeza de que nos encontraríamos dentro de algum tempo.

_Eu tenho a sorte de ser livre para transitar sem ser visto, e por isso, posso ir para onde quer que você vá sem ter quaisquer problemas. _disse ele_ vamos nos ver ainda muitas vezes e muito em breve e então, nesse tempo, eu lhe posso explicar melhor as coisas. Se eu ousar lhe contar tudo agora pode fundir o teu cérebro jovem. Vá. Vá em segurança!

Aquela pareceu mais uma despedida entre um avó e sua neta. O professor segurava firme a sua bengala com uma mão e tremia ligeiramente a outra, sem contar que piscava os olhos ainda mais do que quando conversámos na mesa, parecia inseguro e aflito quanto à minha partida. Se eu era realmente a única capaz de salvar Gautama, seja lá como for, ele tinha razão para sentir a inquietação excessiva. 

A criatura sem rosto voltou a me convidar com um "por aqui" e acenando na direção com a cabeça. Dei um último aceno para o professor e para Janith, que iriam ficar, e ambos retribuíram com sorrisos nervosos. O professor, de longe, ainda conseguiu me relembrar algumas coisas como "lembre-se que tens ir para Silvershine" e "procure pelo Lee Jinki ou pelo Kibum" ou ainda "não tome decisões imprudentes".

Muito dentro da floresta, onde não havia outros espíritos e já não se ouvia os avisos do professor, Por onde eu passava, deixava as marcas dos meus pequenos pés no chão. Era possível ver todo o meu percurso em pegada azuis que se destacavam sobre o chão de pedrinhas pretas. Notei outra vez um detalhe que me intrigava desde que eu ali estive. 

_Por que vocês não tem pegadas?

_O tempo de deixarmos nossa marca no mundo já se foi. _foi a resposta curta e significativa que recebi.

Apesar dessa criatura quase não falar ou dar sua opinião em qualquer assunto que fosse e agir de forma muito recatada e sóbria, eu passei a ter uma certa segurança na sua presença. Sua singular aparência - sem rosto - que ao primeiro encontro me deu um enorme susto e provocou medo, se tornou uma cara amiga, que eu gostaria de reencontrar muitas outras vezes. Se ele estivesse em um dos livros que meus pais me compravam ou em um dos que se empoeiravam no fundo da estante dos tios, sem dúvidas teria um nome misterioso e seria o vilão da história. E foi engraçado ver quem nem todas as histórias ou mundos são iguais.

Chegando no sufocante corredor por onde tinha descoberto a floresta, a criatura sem rosto parou e me deixou prosseguir sozinha com um desejo de "boa sorte". Me aproximei da parede fria até sentir uma corrente de ar que me sugou para fora como um aspirador. Para a minha surpresa, ainda era dia, o céu estava de um azul terno e o ambiente aquecido. Em uma ponta da estrada na encosta, olhando para o horizonte e com as orelhas eretas estava a raposa, sentada com a esbelta calda brilhando sobre a luz do dia e de vez em quando arrebitava o focinho e farejava o ar.

O Conto de Gautama: A Viagem de JaimeWhere stories live. Discover now