Capítulo 11 - A gente meio que começou com o pé esquerdo

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Mordo a ponta do lápis enquanto assisto Diogo corrigindo a última questão do nosso trabalho.

— E ai, como eu fui? – questiono, não aguentando mais esperar.

Ele abaixa a folha e me fita.

— Está certo. 

Um sorriso toma conta do meu rosto. Essa é a quinta questão que eu respondi sozinha hoje e (para minha total surpresa e felicidade) não errei nenhuma. Nunca senti tanto orgulho de mim mesma como nesse momento.

— Sério? – pergunto só para confirmar se ouvi direito. 

— Sério. 

"O esforço da noite valeu a pena", devaneio, sorrindo ainda mais.

— Ficou estudando durante a noite? – ele me encara com curiosidade, e só estão me dou conta que acabei falando em voz alta.

Eu tenho que parar com essa mania. Da última vez quase me dei muito mal.

— Quase a noite inteira. Mas também passei algumas horas fazendo o trabalho de português.

Ele franze a testa e seus óculos acabam escorregando pela ponte do nariz.

— Que trabalho? – indaga, ajeitando os óculos. 

— O que ela passou na terça-feira. – Ele faz uma cara ainda mais confusa. — Sobre a crônica – explico. 

— Ah… esse trabalho. Eu tinha me esquecido completamente dele – ele resmunga, nada animado. — Acho que eu vou indo nessa. 

— Não vai esperar sua carona? – pergunto, me referindo ao carro que o trouxe ontem e hoje mais cedo.

— Não. Meu tio está muito ocupado, corrigindo as tarefas dos seus alunos da faculdade. Então vou pegar um ônibus até em casa. 

Então foi seu tio que o trouxe, pondero.

— O seu tio, aquele que inventou o método que você usou para me ensinar?

— Esse mesmo.

— Ele deve ser um professor incrível – digo, voltando a sorrir. — Você não faz nem ideia da dificuldade que eu tenho em aprender os assuntos de química. E eu aprendi tão fácil com o método dele… – suspiro. — Não esqueça de agradecê-lo por mim. 

— Pode deixar. – Ele acena brevemente com a cabeça e começa a guardar as folhas de volta no meu classificador. 

— E obrigada a você também, por me ensinar – agradeço, mordendo o canto da boca para conter a timidez. 

— Não foi nada demais. – Ele dá de ombros e se levanta da cadeira, colocando a mochila nas costas. — Sabe onde fica o ponto de ônibus mais próximo? 

— Aham. Fica aqui pertinho – Olho o relógio na parede e vejo que faltam poucos minutos para o próximo passar. — O ônibus das 11 já deve estar chegando. Vem, eu te mostro onde é – digo, me levantando e já seguindo em direção a porta. Ele me acompanha logo atrás.

Saímos da livraria e começamos a andar lado a lado em direção ao ponto onde pego o ônibus para ir ao colégio toda manhã – quando não me atraso, claro.

— Você já terminou o trabalho de português? – Diogo quebra o silêncio. 

Estranho sua pergunta, mas não demoro a responder:

— Quase. Ainda faltam alguns ajustes.

Ele assente brevemente com a cabeça. 

— Você quer continuar as aulas? – Diogo pergunta e eu o encaro com a testa franzida, sem entender o que ele quis dizer. — As aulas de química – explica. — Já que você gostou tanto, posso continuar te ensinando o que sei.

— Sério? – pergunto incrédula. — É muito legal da sua parte, mas, infelizmente, no momento eu não posso pagar por aulas extras. – dispenso a oferta. 

Chegamos no ponto, onde já tem algumas pessoas aguardando.

— Minha ideia era fazermos um acordo – ele fala e para de frente para mim.

— Outro? – ironizo. 

— É – ele diz simplesmente. — Sabe, eu não sou muito bom nessa coisa de escrever crônicas. Ainda mais sobre uma cidade que eu mal conheço. 

— Então, você quer que eu faça o trabalho para você e, em troca, vai continuar me dando aulas? – chego a conclusão. 

— Exatamente. Eu te ajudo e você me ajuda. 

Me ajudar? 

— Por quê? – questiono, sem conseguir evitar de ficar desconfiada com sua atitude. 

— Eu já expliquei. Não gosto de escrever crônicas e…

— Essa parte eu entendi. Só quero saber o porquê de você estar sendo tão… sei lá – desabafo. — Em que momento passamos de pessoas que se provocam e nos tornamos colegas que querem se ajudar? 

— Acho que a gente meio que começou com o pé esquerdo – ele diz, dando de ombros. 

Eu diria que começamos com dois pés esquerdos, na verdade, penso. 

— E eu ainda estou me sentindo mal pelo episódio da foto – fala, passando a mão atrás da nuca, como se estivesse embaraçado. 

Meu rosto não demora a ficar quente. Por que ele foi tocar nesse assunto? 

O ônibus aparece na esquina e começa a se aproximar. Abençoada seja a pontualidade do seu Zeca, o motorista, que acabou de me tirar de um momento extremamente constrangedor.

— O que me diz? Aceita ou não? – ele volta a perguntar. 

— Eu… sim – respondo timidamente. Eu nunca rejeitaria uma oportunidade de aprender química. Ainda mais sendo de graça. — Mas como vai funcionar essas aulas? 

O ônibus estaciona próximo a calçada e as pessoas começam a subir. 

Diogo pega o celular do bolso e o estende na minha direção.

— Me passa seu número. Assim a gente combina tudo por mensagens.

Aceito a ideia e também entrego o meu celular para ele, ficando levemente constrangida com a tela rachada. Depois que trocamos nossos números, Diogo acena com a cabeça em despedida e passa por mim, entrando no ônibus. 

Enquanto o veículo dá a partida, eu me viro e começo a voltar para a livraria, ainda pensando na estranha conversa que acabamos de ter. 

Ultimamente está sendo um dia mais confuso que o outro.

Será efeito da bolada de terça?

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27/10/2020
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