O que você faria se um estranho descobrisse um segredo seu?
Heloísa nutre um amor platônico pelo mesmo garoto há quase três anos.
Ela nunca criou coragem para declarar seus sentimentos para Paulo, nem para contar sobre isso a ninguém.
Mas ela não...
Mordo a ponta do lápis enquanto assisto Diogo corrigindo a última questão do nosso trabalho.
— E ai, como eu fui? – questiono, não aguentando mais esperar.
Ele abaixa a folha e me fita.
— Está certo.
Um sorriso toma conta do meu rosto. Essa é a quinta questão que eu respondi sozinha hoje e (para minha total surpresa e felicidade) não errei nenhuma. Nunca senti tanto orgulho de mim mesma como nesse momento.
— Sério? – pergunto só para confirmar se ouvi direito.
— Sério.
"O esforço da noite valeu a pena", devaneio, sorrindo ainda mais.
— Ficou estudando durante a noite? – ele me encara com curiosidade, e só estão me dou conta que acabei falando em voz alta.
Eu tenho que parar com essa mania. Da última vez quase me dei muito mal.
— Quase a noite inteira. Mas também passei algumas horas fazendo o trabalho de português.
Ele franze a testa e seus óculos acabam escorregando pela ponte do nariz.
— Que trabalho? – indaga, ajeitando os óculos.
— O que ela passou na terça-feira. – Ele faz uma cara ainda mais confusa. — Sobre a crônica – explico.
— Ah… esse trabalho. Eu tinha me esquecido completamente dele – ele resmunga, nada animado. — Acho que eu vou indo nessa.
— Não vai esperar sua carona? – pergunto, me referindo ao carro que o trouxe ontem e hoje mais cedo.
— Não. Meu tio está muito ocupado, corrigindo as tarefas dos seus alunos da faculdade. Então vou pegar um ônibus até em casa.
Então foi seu tio que o trouxe, pondero.
— O seu tio, aquele que inventou o método que você usou para me ensinar?
— Esse mesmo.
— Ele deve ser um professor incrível – digo, voltando a sorrir. — Você não faz nem ideia da dificuldade que eu tenho em aprender os assuntos de química. E eu aprendi tão fácil com o método dele… – suspiro. — Não esqueça de agradecê-lo por mim.
— Pode deixar. – Ele acena brevemente com a cabeça e começa a guardar as folhas de volta no meu classificador.
— E obrigada a você também, por me ensinar – agradeço, mordendo o canto da boca para conter a timidez.
— Não foi nada demais. – Ele dá de ombros e se levanta da cadeira, colocando a mochila nas costas. — Sabe onde fica o ponto de ônibus mais próximo?
— Aham. Fica aqui pertinho – Olho o relógio na parede e vejo que faltam poucos minutos para o próximo passar. — O ônibus das 11 já deve estar chegando. Vem, eu te mostro onde é – digo, me levantando e já seguindo em direção a porta. Ele me acompanha logo atrás.
Saímos da livraria e começamos a andar lado a lado em direção ao ponto onde pego o ônibus para ir ao colégio toda manhã – quando não me atraso, claro.
— Você já terminou o trabalho de português? – Diogo quebra o silêncio.
Estranho sua pergunta, mas não demoro a responder:
— Quase. Ainda faltam alguns ajustes.
Ele assente brevemente com a cabeça.
— Você quer continuar as aulas? – Diogo pergunta e eu o encaro com a testa franzida, sem entender o que ele quis dizer. — As aulas de química – explica. — Já que você gostou tanto, posso continuar te ensinando o que sei.
— Sério? – pergunto incrédula. — É muito legal da sua parte, mas, infelizmente, no momento eu não posso pagar por aulas extras. – dispenso a oferta.
Chegamos no ponto, onde já tem algumas pessoas aguardando.
— Minha ideia era fazermos um acordo – ele fala e para de frente para mim.
— Outro? – ironizo.
— É – ele diz simplesmente. — Sabe, eu não sou muito bom nessa coisa de escrever crônicas. Ainda mais sobre uma cidade que eu mal conheço.
— Então, você quer que eu faça o trabalho para você e, em troca, vai continuar me dando aulas? – chego a conclusão.
— Exatamente. Eu te ajudo e você me ajuda.
Me ajudar?
— Por quê? – questiono, sem conseguir evitar de ficar desconfiada com sua atitude.
— Eu já expliquei. Não gosto de escrever crônicas e…
— Essa parte eu entendi. Só quero saber o porquê de você estar sendo tão… sei lá – desabafo. — Em que momento passamos de pessoas que se provocam e nos tornamos colegas que querem se ajudar?
— Acho que a gente meio que começou com o pé esquerdo – ele diz, dando de ombros.
Eu diria que começamos com dois pés esquerdos, na verdade, penso.
— E eu ainda estou me sentindo mal pelo episódio da foto – fala, passando a mão atrás da nuca, como se estivesse embaraçado.
Meu rosto não demora a ficar quente. Por que ele foi tocar nesse assunto?
O ônibus aparece na esquina e começa a se aproximar. Abençoada seja a pontualidade do seu Zeca, o motorista, que acabou de me tirar de um momento extremamente constrangedor.
— O que me diz? Aceita ou não? – ele volta a perguntar.
— Eu… sim – respondo timidamente. Eu nunca rejeitaria uma oportunidade de aprender química. Ainda mais sendo de graça. — Mas como vai funcionar essas aulas?
O ônibus estaciona próximo a calçada e as pessoas começam a subir.
Diogo pega o celular do bolso e o estende na minha direção.
— Me passa seu número. Assim a gente combina tudo por mensagens.
Aceito a ideia e também entrego o meu celular para ele, ficando levemente constrangida com a tela rachada. Depois que trocamos nossos números, Diogo acena com a cabeça em despedida e passa por mim, entrando no ônibus.
Enquanto o veículo dá a partida, eu me viro e começo a voltar para a livraria, ainda pensando na estranha conversa que acabamos de ter.
Ultimamente está sendo um dia mais confuso que o outro.
Será efeito da bolada de terça?
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