Capítulo 27: Não há como melhorar

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     Minha mãe chegou em casa à tarde, nos contando todos os detalhes do ocorrido. Disse que meu pai havia sido mesmo preso e ficaria detido até o dia do julgamento, que seria daqui dois meses. Eu fiquei triste mas tentei me manter forte, sabendo que no final disso tudo nós ficaríamos bem. O advogado irá cuidar disso, mas desde o início ele nos disse que há chances de que o meu pai seja condenado. Eu sabia dessa possibilidade, mas tentava sempre pensar que ele iria conseguir, que o juiz poderia entender a sua situação e o porquê dele ter cometido aqueles crimes no passado.
     Já a minha mãe estava desacreditada, cada vez mais ela se preocupava com o destino do meu pai. Dean nos ajudou como podia, tentando nos manter para cima no meio de todo esse estresse. E quando demos a notícia de que estávamos namorando para a minha mãe, pude notar em seu rosto um leve olhar de felicidade que eu não via há muito tempo. Ela ficou contente e nos parabenizou com um abraço, em seguida tomou um calmante e subiu para o seu quarto. Apesar de alguns instantes de alegria, os problemas sempre reinavam sobre ela e, eu só queria saber como ajudá-la.
     Dean passou o resto da tarde comigo, cada minuto ao lado dele era incrível e quando ele foi embora eu já pude sentir saudade. À noite eu me aconcheguei em meio ao meu edredom quentinho, enquanto me sentia péssima ao pensar que naquele momento o meu pai estava dormindo em uma cela gelada. Não poder fazer nada para ajudá-lo fazia eu me sentir inútil, mas agora a única coisa que eu poderia fazer era desejar que ele conseguisse passar por tudo isso logo. Então adormeci.

[...]

     Dois meses se passaram rápido, durante esse tempo minha mãe visitava meu pai sempre que podia e eu continuava com a fisioterapia, já não precisava mais usar as muletas. Também comecei a consultar uma psicóloga toda semana, como haviam me recomendado no hospital. Ter esse acompanhamento psicoterapêutico me ajudava a controlar as minhas emoções e aprender a lidar com os meus traumas. Mas não era como se isso passasse uma borracha em tudo o que eu vivi, não há como esquecer, não tem como melhorar, porque está tudo aqui, dentro da minha cabeça, para sempre. Me abrir com alguém não iria fazer amenizar tudo o que eu ainda sentia, mas eu sei que era preciso, que com o tempo me ajudaria a conviver melhor com essa situação.
     Meu relacionamento com Dean estava cada vez melhor, durante esses primeiros meses que estávamos namorando eu percebi o quão dedicado e amoroso ele era. Estar com ele me fazia esquecer por alguns instantes todos os meus problemas e eu só queria a sua companhia a cada minuto. Dean voltou a trabalhar no escritório e sempre vinha me ver, passava as suas folgas inteiras comigo, me enchendo de presentes mesmo eu dizendo que não precisava. Ele era incrível. Meu irmão ainda ia à escola, faltavam poucos meses para terminar o seu ano letivo e assim, chegar as férias de verão. Já eu ainda não tinha condições de voltar para a escola. Eu sabia que sentiria os olhares das pessoas sobre mim, olhares de pena ou até mesmo de julgamento e eu ainda não estava preparada para isso. Minha mãe havia conversado com o diretor e com os professores, buscando uma maneira para que eu não perdesse o meu último ano. Eles me dariam uma oportunidade para estudar em casa e assim eu conseguiria finalmente me formar.
     As minhas amigas também me visitavam frequentemente, estavam morrendo de saudade e disseram que o resto dos colegas de sala também sentiam a minha falta na escola. Mas eu expliquei a elas que não conseguiria voltar e elas entenderam, até vieram me ajudar com os deveres. Eu sabia que tinha amizades sinceras ao meu lado. Com o tempo eu voltava a minha rotina, não muito agitada, mas estar sempre ocupada me ajudava a aliviar os problemas. Nessas últimas semanas eu andava muito enjoada, as vezes quase não comia nada o dia inteiro, sentindo meu estômago embrulhar quando olhava para qualquer prato de comida. Minha mãe queria me levar ao médico, mas eu disse que não precisava se preocupar.
     Enfim, o dia da audiência chegou, hoje saberemos qual será o destino do meu pai. Se ele será condenado ou absolvido. Passamos a manhã inteira preocupados e ansiosos para saber qual será a decisão do juiz, minha mãe telefonava a cada cinco minutos para o advogado, enquanto meu irmão estava em completo silêncio no sofá. Partiríamos em meia hora, estávamos apenas esperando a chegada de Dean.
Ele queria muito estar conosco neste momento, para nos dar força em qualquer que seja a decisão do tribunal, depois ele teria que voltar ao trabalho. Eu esperava sentada no sofá, ao lado do meu irmão. Hoje havia acordado novamente com um mal estar insuportável, estava me sentindo meio zonza e enjoada. Minha mãe veio e se sentou comigo no sofá, ela me deu um sorriso enquanto passava a mão pelo meu cabelo.
     - Querida, você está meio pálida. - ela disse, em tom de preocupação. - Você tomou café da manhã?
     - Tomei, mãe. Não precisa ficar preocupada. - eu disse. - Vou pegar a minha bolsa que deixei no quarto.
     Ela concordou, então me levantei rapidamente e quando estava quase saindo da sala, senti uma ânsia subindo e fui apressadamente até o banheiro.
     - Elena? - minha mãe veio correndo atrás de mim.
     Quando entrei no banheiro fui correndo em direção ao vaso e me sentei no chão, vomitando o pouco que eu havia comido de manhã. Minha mãe apareceu rapidamente na porta e veio até mim.
     - Ah, meu Deus, querida! - ela exclamou, preocupada. - O que será que está causando esse enjoo?
     - Deve ser alguma coisa que eu comi e me fez mal. - eu disse.
     - Elena, você quase não come nada a dias, mal consegue olhar para a comida. E também não é de hoje que você vem sentindo esses enjoos, faz semanas. Vou te levar ao hospital.
     - Não, mãe! - eu disse. - Nós não podemos perder o julgamento do papai. Eu já estou me sentir melhor e se eu passar mal de novo aí você me leva ao hospital. Eu só quero poder ver o meu pai hoje...
     Ela assentiu.
     - Tudo bem, mas se você se sentir mal de novo nós voltaremos para casa e você vai ao médico, ouviu? Chega de ser teimosa!
     Ela me ajudou a levantar e eu escovei os dentes para tirar o gosto ruim da boca, depois ela me trouxe um remédio para o enjoo e assim voltamos para a sala. Alguns instantes depois a campainha soou, Dean havia chegado. Agora com a minha bolsa em mãos, nós poderíamos partir. O trajeto até o tribunal foi feito quase todo em silêncio, poucas vezes trocávamos algumas conversas dentro do carro. Chegamos ao local e entramos todos na sala do júri com alguns minutos de antecedência. Logo encontramos o nosso advogado que veio conversar conosco enquanto sentávamos no nosso lugar predestinado. Faltavam cinco minutos para o início da audiência, que não seria com mais espectadores além de nós e os determinados representantes da lei.
     Vi meu pai entrando na sala e se sentando ao lado do advogado, ele olhou para nós com seu semblante desconcertado e eu senti um aperto no coração. Então o juiz deu início ao julgamento e vários debates foram feitos. Minhas mãos tremiam e eu olhava para o relógio a todo instante, esperando o momento em que o juiz desse a sua decisão. Por um momento eu achei que meu pai seria absolvido, mas minha esperança se foi quando ouvi o acoar do martelo na tribuna do juiz.
     "De acordo com a Lei Penal Americana, o Tribunal de Justiça declara o réu: Afonso W. Gilbert... culpado por assalto a mão armada e por ocultar um foragido da justiça, logo como, também, acobertando e participando dos seus crimes. Ao réu culpado eu declaro uma pena de três anos de prisão, caso encerrado." O juiz pronunciou e se retirou da sala.
     Quando ouvi isso, uma lágrima desceu pela minha bochecha e eu só conseguia sussurrar um "não" baixinho, para mim mesma. Minha mãe então, já estava desesperada e nós fomos todos ao encontro do meu pai. Ele se levantou e se virou para nós, chorando e nos olhando com tristeza.
     - Pai! - eu o abracei.
     - Está tudo bem, querida! Eu fiz o que era certo e agora nós poderemos ser felizes de novo. - ele me disse com seu sorriso consolador. - Eu amo você!
     - Eu também te amo! Me promete que vai ficar bem? - eu perguntei.
     - Eu prometo, logo vamos nos juntar de novo.
     Então nos afastamos vagarosamente e foi a vez dele abraçar o meu irmão.
     - Não chore, campeão! Agora você vai ter que ser o homem da casa enquanto eu estiver fora, ouviu? - meu pai sorriu, enquanto limpava os olhos molhados de Jared.
     Agora era a minha mãe.
     - Ah, meu amor. - ele disse. - Você vai ficar bem, vai conseguir cuidar de tudo. Afinal, são apenas três anos. - ele conseguia soltar um sorriso, mesmo estando tão abalado. - Eu te amo! - então ele a deu um beijo demorado.
     - Eu também te amo! - minha mãe respondeu, choramingando.
     - Dean. - meu pai segurou nas mãos dele. - Cuide bem da minha filha por mim, eu confio em você.
     - Eu vou cuidar. - Dean disse o abraçando.
     Então meu pai terminou de se despedir e foi guiado por um policial para fora da sala. A partir daí, sendo transferido para um presídio. Nós ficamos todos tristes e desconcertados com a decisão do juiz, agora eu só pensava em tudo o que o meu pai enfrentaria naquela cadeia, em todos os apuros que ele poderia passar por lá. O nosso advogado, Dr. Edwards, nos pediu calma e disse que iria recorrer da decisão, nós confiamos isso a ele. Dean me levou para fora, para que eu pudesse respirar um ar puro e esfriar a cabeça.
     - Eu tenho medo do que possa acontecer com meu pai naquele lugar. - eu disse.
     - Não vai acontecer nada, ele vai ficar bem. - Dean me abraçou.
     Alguns minutos depois já estávamos voltando para casa, Dean voltou conosco e permaneceu lá até ter certeza de que estávamos bem e de que não precisaríamos de nada. Me fez prometer ligar para ele caso alguma coisa acontecesse, só assim ele conseguiria voltar tranquilo para o trabalho. Então se despediu de nós e foi embora. A partir desse momento o silêncio imperou na casa, não conseguíamos pronunciar nada que não fosse algo triste e melancólico. Minha mãe foi à cozinha preparar alguma coisa para bebermos, que nos relaxa-se. Eu fiquei sentada com os pés em cima do sofá, já sentindo a falta de ouvir as conversas e risadas do meu pai, que sempre ecoavam pela casa. Mas que agora ficaremos um tempo sem ouvi-las.
     Peguei meu celular e mandei uma mensagem para Dean, perguntando se ele havia chegado bem. Depois o guardei e voltei a olhar para o grande retrato de família pendurado na parede. Em vez de melhorar, parecia que cada vez mais a nossa vida ficava complicada, eu só esperava pelo momento em que as coisas fossem voltar ao normal. Então a minha mãe me chama na cozinha:
     - Elena, você pode me ajudar aqui?
     Eu digo que sim e me levanto para ir até lá. Quando entro na cozinha, sinto a minha cabeça girar e paro imediatamente no caminho.
     - Você está se sentindo bem? - minha mãe pergunta.
     - Não. - eu respondo.
     Sinto o enjoo voltar e quando vou dar um passo eu fico zonza e cambaleio, me apoiando no balcão.
     - Eu acho que vou vomitar! - eu exclamo.
     Minha mãe então se apavora e me leva até o banheiro. Depois de ter vomitado mais uma vez, agora não teria como fugir da insistência da minha mãe em me levar ao médico.
     - Nós vamos ao hospital, vou pegar minha bolsa! - ela exclama e sai correndo.
     Não tive como impedir e então fomos para o hospital. Quando chegamos, nós esperamos por alguns minutos até o Doutor nos chamar para a sua sala. Ele me fez algumas perguntas e também alguns exames que tiveram o resultado imediato.
     - Então, Doutor, o que eu tenho? - eu perguntei, ansiosa e insegura.
     - Bom, você está grávida. - ele respondeu, pausadamente.
     Ao escutar isso eu entro em um imenso conflito interno, a minha cabeça girava em sinônimo de confusão e desorientação. Isso não podia ser verdade, não! Olho para minha mãe que estava surpresa e desacreditada.
     - O que? - nós duas perguntamos ao mesmo tempo.
     - Isso mesmo, você está grávida de nove semanas.
     - Mas como isso é possível? - eu pergunto, indignada.
     O médico então respira e volta a falar:
     - Quando uma mulher sofre esse tipo abuso, ela é encaminhada para uma perícia e recebe medicamentos contra doenças sexualmente transmissíveis e anticoncepção de emergência, para o caso de uma possível gravidez. - ele explica. - Foi isso que fizemos com você. Não há como identificar se a vítima ficou grávida no exato momento em que o abuso acontece, por isso usamos a pílula do dia seguinte. Em alguns casos a pílula pode falhar, mas a taxa de erro é muito pequena. Quando ela é tomada no mesmo dia, é pouco provável que a mulher engravide, no entanto, essa possibilidade existe.
     - Então o senhor acha que foi isso que aconteceu com ela? - minha mãe perguntou.
     - Provavelmente ela está dentro dos casos que teve uma falha. - ele respondeu.
     Eu fiquei assustada e indignada, então me levantei e saí correndo do consultório, escutando minha mãe gritar o meu nome atrás de mim. Atravessei a porta e me sentei ali mesmo, no chão do corredor, agora chorando como uma criança. Minha mãe logo aparece e se senta comigo, me abraçando.
     - O que eu vou fazer agora, mãe? - eu pergunto desesperada.
     - Nós vamos cuidar disso, querida! Você vai ficar bem. - ela tenta me consolar.
     - Eu quero ir para casa. - eu digo, ainda chorando. - Não conta isso para ninguém, por favor! - eu suplico.
     - Tudo bem.
     Ela me levanta dali e me leva até o carro, volta para falar mais algumas coisas com o médico e em seguida fomos embora. Ela tentava dialogar comigo o caminho inteiro, mas eu estava tão inconformada que não tinha cabeça para pensar em nada do que responder a ela naquele momento. Assim que chegamos, eu desci do carro depressa e entrei em casa. Fui correndo até o meu quarto, entrei e tranquei a porta. Em seguida me atirei sobre a cama, soltando tudo que estava preso dentro mim. Escuto passos da minha mãe se aproximando do quarto e então ela bate na porta.
     - Elena, abre a porta. - ela disse. - Nós temos que conversar.
     Agora eu não tinha condições nenhuma de conversar.
     - Me deixa, mãe. - eu disse. - Eu preciso ficar sozinha, por favor!
     Então ela não insistiu mais e saiu da porta do quarto e, eu pude chorar a vontade. Eu estava confusa e com medo. Eu só me perguntavam até quando as coisas iriam piorar na minha vida. O que eu farei agora? Grávida! Como vou cuidar dessa criança? Não sabia. Como vou dar essa notícia ao meu pai? Como contarei isso a Dean e como isso afetaria a nossa relação? Eu estava com medo, com muito medo.
     Minha cabeça doía e então a lembrança daquele pesadelo me veio a mente:
     "- Isso é só um aviso: você nunca vai se esquecer de mim!"
     Foi o que Eldon me disse e agora fazia todo o sentido. Eu nunca poderei me esquecer dele porque agora dentro de mim havia uma criança, fruto do seu abuso, que me lembraria dele para o resto da vida. Então eu chorei, até adormecer sobre a cama.

Sozinha Com Um Psicopata Donde viven las historias. Descúbrelo ahora