•Fiz amizade com o monstro debaixo da minha cama•

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GATILHO: PEDOFILIA E VIOLÊNCIA

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GATILHO: PEDOFILIA E VIOLÊNCIA

Ouvi muito minha avó materna dizer que eu devia parar de querer crescer e que deveria aproveitar cada segundo da minha infância, pois seria a época mais fácil da minha vida. Mas como ela podia estar tão certa disso? Sem falar que ela sempre se contradizia, em um segundo dizia para eu aproveitar essa fase mágica da vida, no outro insistia para eu firmar os pés no chão e não ficar imaginando coisas. Só eu que não entendo os adultos ou você também se sente assim?

Passo pelo grande portão da escola depois do fim da aula, muito depois do fim, para ser sincera. Quando começo a descer a rua sem movimento, o sol já está se escondendo deixando o dia mais escuro. "Para que enrolar tanto para ir para casa?" Você deve está se perguntando, afinal, sou apenas uma garota de nove anos. Mas ao contrário do que muitos pensam, nem todas as casas são um porto seguro.

Você já se sentiu assim? Angustiado por ter que voltar para um lugar que te machuca? Sim, eu sei, crianças não deveriam ter pensamentos assim, mas nunca me ensinaram como fazer para pará-los. Minha cabeça é uma grande caixa de legos que não tenho ideia de como organizar.

Meus passos são lentos e o peso da mochila e da lancheira me incomodam um pouco, mas nada se compara ao peso da decisão que tomei hoje. Como é possível pensamentos pesaram tanto, caro leitor? Eu não sei. Só sei que eles não ficam mais leves, nem mesmo quando se transformam em lágrimas.

Viro uma esquina, depois outra e mais outra. Repito os mesmos passos que dou todos os dias, mas dessa vez esperançosa de que seja a última vez que a tristeza seja minha companheira de percurso. Você acha errado ter esperança? Minha avó dizia que se vivêssemos com base na imaginação  ficaríamos por aí flutuando, eu não queria virar um grande balão de gás hélio, mas acontece que se deixo a esperança partir, eu não gosto nada do que resta.

Pensei várias vezes em mudar o caminho e simplesmente não voltar, mas não gostaria de ferir minha mãe. Ela não tem culpa. Afinal, quem decide de quem é a culpa?

Depois de muitos passos e muito divagar chego em casa. Passo pela porta a dentro e vou direto pra cozinha com medo de desistir em algum momento. Quando minha mãe escuta a porta ranger me grita de onde estava:

— É você, querida?

— Sou eu, mãe. — Respondo de volta.

— Lave as mãos e faça a lição, depois pode descer para jantar.

Não concordei, da mesma forma que ela não precisava ter dito. Era essa a minha rotina diária, eu sabia o que tinha de fazer, mas hoje não seria assim.

Hoje não senti vontade de mordiscar a maçã na fruteira, meu estômago revirava, mas não era fome; antes de subir para o quarto vou até a gaveta de talheres e pego uma faca. Sim leitor, eu sei que cozinha não é lugar para crianças, sei que é perigoso manusear itens afiados. Porém, há muito mais coisas que crianças não deviam fazer que vem acontecendo, isso não é novidade.

Subo para meu quarto e deixo a mochila jogada em um lugar qualquer, tampouco me importo em tirar o uniforme, porém o objeto pontiagudo seguia firme nas minha mão mesmo com todo suor.

Me arrasto para baixo da minha cama, para aquele escuro que já estava habituada. Você acredita em lendas? Certa vez, quando mais nova, meu pai me disse que caso eu não me comportasse, o bicho que morava embaixo da minha cama viria a noite puxar meu pé. Naquela idade eu me assustei muito e fiquei com receio de dormir sozinha por algumas noites, mesmo não dando motivos para ele puxar meu pé.

Ali naquele breu começo a respirar ofegante com as mãos tremendo.

— Estou com medo. — Digo para o monstro.

Naturalmente ele não me respondeu. Você não achou que ele faria, achou? Embora ele não falasse, na minha cabeça ele tinha rosto e forma. Quando tudo ficava tão difícil eu tinha para quem recitar meu monólogo. Sim, eu sei que se minha avó descobre ela vai me repreender, porém há tanta coisa que minha vozinha não sabe...

Fico ali embaixo por minutos, talvez horas. Não sei. As grades da cama se movem na minha frente enquanto as lágrimas caíam do meu rosto. Eu não queria chorar, mas como fazê-las parar?

Até que escuto a maçaneta girar e fico sem reação. Eu sei o que está por vir, o monstro que vive embaixo da minha cama também, cada mobília aqui sabe.

— Cadê você? — Escuto a voz do meu pai retumbar pelo quarto e agarro a faca mais próxima a meu corpo.

Ele se abaixa e me vê, me agarra pela perna e me arrasta para fora dali; também sem muita cerimônia me joga na cama e começa a me alisar.

— Para, por favor. — Suplico. Ou não. Não tenho certeza se minha voz sai. Mas não deveria ser necessário, deveria? Ele não deveria está fazendo isso. Já se sentiu assim, leitor? Com uma voz berrando dentro do peito, mas sem conseguir proferir uma só palavra?

Por que estava acontecendo comigo? Eu não tinha sido uma boa garota? Por que eu? Antes de tudo, quero pedir desculpas a você leitor por ter que presenciar isso, eu tampouco queria estar no meu lugar. Mas essa é uma dor que sinto todos os dias e não estou mais disposta a sentir. Me perdoe, de verdade, eu só espero que um dia eu consiga o meu próprio perdão.

Ele começa a descer a minha calça, mas dessa vez eu não permito, levanto a faca, que agora parecia pesar mais, e o acerto diretamente no pescoço. Aquele homem, que já não via como meu pai, arregala os olhos e tenta levar a mão até onde ela está afincada, mas antes mesmo de conseguir, cai sem vida em cima de mim.

Nesse momento choro tanto que chego a ter espasmos, fico querendo tirar aquele homem pesado, pingando sangue de cima de mim, mas não consigo da mesma forma que dificilmente vou tirar essa cena da minha cabeça e todas aquelas outras que ele fez questão de martelar aqui.

No fim, o monstro não estava embaixo da minha cama, ele dormia toda noite no quarto ao lado e agora iria vagar eternamente pelas minha piores memórias.

Nota: Eu queria dizer que estou destruída com esse conto.

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⏰ Last updated: Mar 02, 2021 ⏰

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A GAROTA QUE SE PERDIA (CONTOS)Where stories live. Discover now