• Trem das 7•

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Escuta-se as rodas da locomotiva entrar em atrito com os trilhos de metal, em áreas mais remotas o balanço fazia com que Jorge despregasse ligeiramente seu traseiro do assento, entretanto, ele sempre voltava a atenção a seu jornal a procura de not...

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Escuta-se as rodas da locomotiva entrar em atrito com os trilhos de metal, em áreas mais remotas o balanço fazia com que Jorge despregasse ligeiramente seu traseiro do assento, entretanto, ele sempre voltava a atenção a seu jornal a procura de notícias e diariamente encontrava o mesmo: tragédias.

Jorge é um homem atípico, não fuma, tampouco tem a bebida como vício , se alimenta apenas de alimentos orgânicos, não atravessa a rua sem antes se certificar que realmente é seguro. Sabe que a morte está escondida atrás de um muro, em qualquer esquina, dessa forma, prevê bem suas rotas para não dar de cara com ela, não tão cedo.

Tirou os olhos do jornal e contemplou a vista que corria vagarosamente pela janela do trem das 7, talvez essa seja a última vez que anda de trem, talvez o último jornal que tenha lido. Pensamentos como esse sempre se plantavam no jardim que era sua mente.

No fim do vagão ele nota uma mulher vestida com um negro vestido de cetim, já havia visto ela inúmeras vezes, mas sempre a evitava. Não que não gostasse de mulheres, isso não, as amava, desejava e ainda tinha esperança de se casar. Porém, aquela que insistia em persegui-lo não fazia seu tipo.

Vulgar. É exatamente essa palavra que usava para definir a morena. Estava sempre de preto e suas curvas eram sempre expostas por uma quantidade demasiada de decotes.

Para fugir dela e deixar claro sua falta de interesse, abandonou seu jornal, foi até um banco próximo e se sentou em frente a uma mulher. A moça tinha uma criança em seu colo e a amamentava, mas nem mesmo aquela cena, tão incomum para Jorge, fazia com que ele achasse a mulata feia. Quando ele se sentou ela nem mesmo levantou seu olhar, ignorou a presença do homem calvo.

- Prazer, me chamo Jorge. Jorge da Baixada, filho do finado Francisco.- Ele se apresenta da forma característica que os brasileiros interioranos fazem.

Nada.

A mulher continua com os olhos no bebê, mostrando os dentes com seu sorriso sem cor.

Passa uma outra mulher, empurrando um carrinho com comidas, seus quadris avantajados balançavam enquanto ela andava. Parou onde a mulher, o bebê e Jorge estavam sentados e ofereceu o que vendia.

- Aceita algo, senhora?- Ela pergunta com um sorriso.

Como resposta a vendedora recebe um balançar de cabeça. O homem levanta o dedo para pedir algo já que a barriga fazia barulhos por fome, mas a mulher segue como se não contasse com sua presença em momento algum.

Aquela outra morena, que sempre o observava de longe, se aproxima e se coloca ao seu lado. Seu rosto era impassível, sem expressões e sem cor, branco como papel.

- A quem quer enganar Jorge? Sabe que ela não te responderá.- Sua voz é suave e calma. Parecia seguir uma nota só.

- Por que não responderia?- Ele se coloca de pé, diminuindo a distância entre os dois. Aquele comentário fizera ele, tão contido, se enraivecer.

- Você está tentando me evitar há semanas, mas não tem mais jeito. Não há lugar para correr nesse trem em movimento.

O homem franze a testa sem saber onde exatamente a moça queria chegar, o que queria dizer com não conseguiria fugir?

Ela pega nas mãos de Jorge, estavam frias, o puxa e leva até o banco que ele estava sentado momentos antes e a visão que tinha o faz empalidecer.

- Ficou tão ocupado tentando fugir da morte, que ela chegou e você nem viu.

Ela foi até o corpo de Jorge que está estatístico com os olhos vidrados e a cabeça encostada no vidro da janela, passou a mão sobre suas pálpebras e fechou seus olhos pela última vez.

A GAROTA QUE SE PERDIA (CONTOS)Where stories live. Discover now