•Margarida•

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- Olha a água, olha o picolé! -gritava de longe o vendedor enquanto ele arduamente empurrava seu carrinho entre as últimas pessoas na praia

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- Olha a água, olha o picolé! -gritava de longe o vendedor enquanto ele arduamente empurrava seu carrinho entre as últimas pessoas na praia.

Sento-me na macia areia pálida, com o violão no colo começo a dedilhar uma canção. As ondas vão e vêm, assim como o nó em minha garganta, não posso permitir que as lágrimas escorreguem dos meu olhos.

Você é a coisa mais linda que já me permiti amar
Amo como se enrosca no meu pescoço
Desculpa se estou nervoso
Só não estou preparado para te deixar

O sol já começa a se deitar e a visão me traz lembranças que me forço a esquecer...

- Vai um picolé ai, doutor?- interrompe meus pensamentos. Talvez eu precisse de uma companhia, de um conselho.

- Sente-se aqui uns instante.- Deixo meu violão de lado e peço.

Ele nem sequer pensa e já aceita meu convite, o sorriso, faltando alguns dentes provavelmente consequência do tabaco, nunca sai de sua boca, o que me faz pensar no que o motivava tanto.

- Manda, doutor.

- O senhor já se apaixonou, quero dizer... por alguma que não estava desempedida?- Pergunto tímido, nunca falei sobre isso com ninguém.

- Quer dizer alguma casada? Tá brincando!Mas é claro, essas dondoncas são um perigo.

Após essa resposta me mantenho calado. É claro que todos já tinham passado por algo assim, por que me sentia especial? Por que me achava único? Nunca fui exclusivo, nem quando passava as noites com Margarida, tampouco agora que ela me deixou, não sou o único abandonado nesse mundo enorme, que gira, gira e agora sinto as consequências da voltas, estou totalmente zonzo, aterrorizantemente perdido.

- Ela te deixou e voltou com o marido, foi? - Ele pergunta desconfortável com meu silêncio.

Creio que ele já sabia a resposta. Claro que tinha me abandonado pelo homem que casou, óbvio que tinha feito, todas não o fazem?

- Ela vai voltar para o senhor.- Ele bate no meu ombro já se levantando, me dá o mais sincero dos sorrisos e se vai. Ele também se vai.

- Olha o picolé...- Sua voz vai sumindo na tarde fresca, com um vento dançante.

Me viro para o lado, pronto para pegar novamente meu violão, mas quando o vejo fico estático. Ela corria pela areia desajeitamente, pelo fato da mala que tinha nas mão pesar seu corpo para um lado.

O vestido azul voava com o vento e nesse instante a amei mais ainda, como se possível. A roupa que trajava me possibilitava deslumbrar de sua pele bronzeada, sem marca alguma; o suor lubrificava e a fazia mais brilhante ainda. Estava de saltos, mas o sapato atrapalha seu trote, dessa forma, parou por alguns segundos, despiu deles e os deixou ali jogados na areia. Assim como eu.

Sorria, sorria muito e também chorava. Quando estava mais próxima era possível notar que o brilho em seus olhos azuis era por parte causado pelas lágrimas. Chorava de felicidade, de liberdade e eu chorava junto, por ela. Ele estava certo, ela voltou.

Passou por mim, ainda correndo, não me notou, não me viu. A rapidez de seus passos, assim como o vento resultou em uma chuva de areia em mim, impossível descrever meu sentimento nesse instante, meu mundo outra vez desabou. Continuei seguindo-a com os olhos, como em uma hipnose, o azul dos olhos, o azul dos seus vestidos em direção ao mar me chamavam; sentia que se despregasse dela meus olhos por um segundo, morreria.

- Margaridaaaa, estou aqui.- Me levantei da areia e sacudi os braços altos para que ela me visse.

Não escutou. E só parou quando chegou ao seu destino. Jogou sua mala no chão e se jogou no colo de um moreno forte. Ele a agarrou e a abraçou com força.

- Solta, solta minha Margarida.- Sussurro.

Estava errado. Ela não tinha me abandonado pelo marido. Essa era Margarida, sempre se embarcando em amores rasos, amores perigosos.

Ela deu as mãos para seu novo par. Andaram juntos pelo cais, ele a olhava, como se ela fosse dele por direito. Mas não era, ela é minha Margarida. Entraram em um barco e desapareceram no vasto azul no mar que facilmente se misturava com a quantidade de água que saia dos meus olhos.

Eu tremo, não consigo para em pé e a única coisa que posso pensar nesse momento é:

- Eu odeio a cor azul.

Lá vai Margarida, bela e sem desespero
Deixando aqui um coração retalhado
Assim como seu sapato, largado
Ah, que sorte tem aquele marinheiro

A GAROTA QUE SE PERDIA (CONTOS)Where stories live. Discover now