•Acorda! Não é real•

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— Acorda! Não é real

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— Acorda! Não é real. — Depois de um tapa na orelha desperto do devaneio.

— Em que mundo você tava, Fausto? Pensei que tivesse morrido e esqueceu de cair duro.— Fábio, o qual trabalha aqui no turno anterior ao meu, brinca.

Bato nele com a flanela que eu estava usando para limpar as vitrines e ele ri em resposta, nesse momento senti minha alma voltando para o corpo e já não estava mais sonhando acordado. Olho para o relógio na parede, já deu a hora e logo o cinema vai começar a encher.

— Oloco bicho, olha a hora. São exatamente dezoito e sete, você vai se atrasar para a autoescola. — Apresso ele. Apesar de Fábio ser desleixado, sou bem atento à essas questões de pontualidade.

— Ei cara, calma. Acorda! Não é real. São só alguns minutinhos.

Ele tenta me dar um golpe, mas consigo desviar. Fico assistindo-o tirar o avental e sair pela porta de vidro me deixando totalmente sozinho para mais uma jornada de trabalho.

A solidão não dura muito. Logo começa a entrar os grupinhos de pessoas, vários casais e eu roboticamente vou entregando seus pedidos. Gosto de dias movimentados como hoje, fico sempre mexendo de um lado para o outro e não tenho tempo para ficar checando o relógio de minuto em minuto, como se o fim do turno fosse chegar mais rápido.

— Ei amigão, vou querer um combo de pipoca grande e dois refrigerantes. — Um homem alto e forte pede. Fico encarando-o por um tempo antes de ir preparar seu pedido. Ele estava acompanhado com uma loira muito atraente, com certeza fazia parte de um time de futebol e conseguia facilmente todas as garotas da escola.

— Bastardo sortudo.— Reclamo alto demais enquanto viro as costas.

— O que disse? — Ele pergunta tirando os olhos da carteira onde procurava seu cartão de crédito e eu começo a suar compulsivamente.

— Nada. Eu só perguntei se além do refri não quer um copo de suco.— Falei rápido demais, minha boca tentando acompanhar meu cérebro. O que é maior? A velocidade do som ou da luz? Nenhum, com certeza é a minha boca falando merda.

— Não. Só o que eu pedi. Se puder ir um pouco mais depressa, a sessão já vai começar.

Desajeitada e rapidamente me coloco a preparar logo o pedido. Minhas mãos estão atrapalhadas ainda pelo medo de apanhar. Quando enfim vou entregá-lo o combo meu crachá se solta do avental surrado e cai no balde de pipoca. Ótimo. Minha noite não poderia estar melhor.

— Me desculpe. Me perdoa. De verdade. Foi totalmente sem querer. Vou preparar outra agora, bem rapidinho por minha conta. — Fico mais nervoso, as palavras saem gaguejadas e sinto tanto suor sendo expelido que é capaz que eu fique desidratado. Tento pegar meu crachá de volta, mas ele é mais rápido. Lê meu nome no crachá e sorri.

— Calma cara. Sem neurose Fausto Silva, acorda! Não é real.— Ele dá um tapinha no meu rosto, paga a conta e sai com o balde de pipoca e os refrigerantes como se fosse o dono do mundo.

Após o imprevisto tento me acalmar,  já não sinto o ar tão rarefeito e depois de aumentar a velocidade do ventilador de teto decadente sinto meu corpo aos poucos voltando a temperatura normal. Definitivamente deveria ter vindo com uma camisa mais aberta.

Estou repondo as balas e chocolates na bomboniére quando vejo ela passar. Está estonteante mesmo vestindo apenas uma blusa de moletom cinza, shorts jeans e tênis; o cabelo que de tão preto reluz está preso em rabo no alto da cabeça. Em uma mão segura seu celular, mas o que está segurando na outra que me assusta e me deixa enfurecido.

Selena e eu estamos namorando há quase um ano, não acredito que em tão pouco tempo já tenha se cansado e está saindo com outros caras sem nem se dar ao trabalho de falar comigo antes. Não acredito que esteja me traindo. Não acredito. Não acredito. Dou um murro na parede e vejo os nós dos meus dedos sangrar.

— Não acredito que tenha a cara de pau de vir com ele no meu emprego.— Grito.

Mas eles nem se dão ao trabalho de olhar para trás para ver meu surto.

Claro que sempre achei a Selena demais para mim, e mesmo que não achasse os caras da escola sempre estavam ali para me lembrar. Viviam me enchendo e colocando coisas na minha cabeça, várias e várias vezes fui atrás dela em supostos encontros que ela teria segundo eles, porém dessa vez é ela quem coloca coisas na minha cabeça e é um baita de um chifre.

O ódio que sinto é anormal para mim, sempre fui um cara tranquilo, não sei o que me move se é a mágoa por ter sido trocado ou simplesmente o sentimento de estupidez por ter brigado tanto por ela e no fim todos da escola terem realmente razão.

Enfurecido, procuro algo que possa servir de arma. Não consigo me concentrar meu cérebro só pensa em sangue, vingança. Quero ver aquele homem sangrar até a morte. De súbito, me lembro da caixa de ferramentas, me abaixo até conseguir pegá-la, entretanto quando a abro não tem nada além de um papel escrito.

Meus olhos jorram lágrimas e com dificuldade consigo ler as letras emaranhadas.

"Acorda! Não é real."

Pressiono meus dentes uns sobre os outros com tanta força que é capaz de quebrá-los. Pego a caixa de ferramentas vazia e a arremesso para longe fazendo com que ela se choque com um pote de pirulitos.

Me aproximo dos estilhaços e pego um caco grande cortando superficialmente minha mão no processo. Não importa. Nada dói além da minha mente imaginando o que aquele cara está fazendo com ela naquela sala escura.

Aqui é o único cinema da cidade e tem apenas três salas, sendo que nesse horário só funciona uma para minha sorte. Passo pelo corredor escuro iluminado apenas pela placa indicando a saída de emergência e o telão onde já passava os traillers. Os dois estão sentados logo na segunda fileira, ele descansa os pés na poltrona da frente e o seu braço esquerdo estava sobre o ombro da Selena como se fosse seu dono. A imagem me deixa ainda mais nervoso, como se fosse possível. A cena que passava no telão era de um filme de ação e o som estava altíssimo mas nem de longe sobrepunha os vozes que gritavam dentro de mim. Não fico muito tempo encarando-os parto logo pra cima dele e vou golpeando-o com a mão onde segurava o pedaço de vidro. Não escutava nada, apenas sentia. O  sangue quente escorria do seu rosto e espirrava em mim a cada novo golpe. Sinto duas mãos leves e delicadas em mim, era Selena. Ela tenta desesperadamente me tirar de cima dele, mas é impossível, é como se eu não tivesse mais controle do meu próprio corpo. Meu braço age independentemente. Escuto um alarme alto e agonizante. Recuperei a audição.

ACORDA!! NÃO É REAL.— Selena berra por cima do alarme. Mas ainda não consigo parar. O alarme fica cada vez mais alto a ponto de sentir que meus tímpanos vão explodir. Sinto o caco e ainda com as mãos e a camisa encharcadas de sangue seguro meus ouvidos em uma tentativa de bloquear o som.

Selena me agarra forte me faz olhar nos seus olhos e pela última vez grita:

ACORDA!! NÃO É REAL.

A adrenalina vai aos poucos saindo do meu corpo e vou sentindo minhas pálpebras pesar. Não reluto deixou que elas fechem quando abro novamente estou na minha cama. Selena está ao meu lado, seus olhos transparecem preocupação, olho para mim mesmo e minha blusa está encharcada, mas não de sangue, de suor. Ela beija a minha testa e diz:

— Foi só um pesadelo. tudo bem.

E com aquelas palavras eu sabia que estava.

A GAROTA QUE SE PERDIA (CONTOS)Donde viven las historias. Descúbrelo ahora