•Anjo da morte•

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Como agir depois de tudo ter perdido o sentido? O que fazer depois de incontáveis vezes ter feito de tudo para evitar certo desfecho, de ter agido diferente, mas ainda assim chegar ao mesmo resultado? Não existe uma luz no fim do túnel, há apenas ...

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Como agir depois de tudo ter perdido o sentido? O que fazer depois de incontáveis vezes ter feito de tudo para evitar certo desfecho, de ter agido diferente, mas ainda assim chegar ao mesmo resultado? Não existe uma luz no fim do túnel, há apenas o túnel e no fim, eu.

- Quero um copo de café com leite e duas rosquinhas para viagem.- Hans faz o mesmo pedido que fazia todos os dias há 5 anos.

A garçonete se vira para buscar o pedido que já tinha escutado tantas vezes. A conveniência estava movimentada devido apesae horário, o barulho de vozes e ecoavam no espaço, porém ele grita por cima das vozes para que ela escutasse:

- Não. Espere. Traz um café duplo. O mais forte que conseguir. - Tal escolha deixou a garçonete surpresa e até mesmo Hans, nunca ousou pedir algo além das suas duas rosquinhas e seu café com leite.

Enquanto o sininho soava indicando que ele saía da cafeteria algo floresceu dentro de mim. Talvez esse fosse um ponto de mutação, talvez o destino não fosse o esperado.

O caminho até o trabalho foi o mesmo, mas aquele homem calvo de meia idade estava mais cabisbaixo que o habitual. O pesadelo noturno que atormentou o cansado homem parecia ter se estendido até a manhã. Em seus sonhos via o rosto da mulher que havia atropelado na noite anterior, ela pedia socorro, e todas as vezes que fechava os olhos e tentava fazer algo diferente todo esforço era em vão. Em todas as tentativas ele dava ré no carro e seguia para casa por outra direção.

Durante o dia tentou focar seus pensamentos em outra coisa, ligou a tv e ficou vagueando pelos canais, sem nunca escolher um. Tentou sair para caminha, mas assim que chegou a esquina voltou e decidiu que não conseguiria encarar o dia.

Ele arruma o cinto de segurança e liga o motor pronto para sair do acostamento e ir para mais um dia de trabalho, no entanto, mesmo no espaço solitário daquele carro as vozes se faziam presentes. A vida toda acreditara que era um cidadão de bem, mas agora? Evitava pensar nisso, pois não sabia mais quem era. A mulher podia está morta uma hora dessa. Ele poderia ser um assassino.

Desligou mais uma vez o carro esperando que tomasse logo uma decisão. Precisava acabar logo com essa tortura, tinha que verificar se a mulher estava bem.

- Já estou saindo. Já estou saindo. - Ele sai de seu transe e responde às buzinas do carro que queria ocupar sua vaga.

Talvez fizesse isso pela manhã, agora segue seu caminho habitual, as mãos calejadas tremiam no volante, ele não sabia se era por medo de surgir outra pessoa em seu caminho ou se era pela quantidade exagerada de café. Ou ambos.

Os seres humanos são serem complexos, porém maleáveis. Passam boa parte da sua vida tentando mostrar-se superior aos animais de outras espécies até mesmo a sua, porém no fim são apenas robôs. Não constituem pensamento crítico, são massificados por estratégias tolas de marketing seja dos governantes, seja por uma marca, mas todos, sem exceção, conseguem um dia chegar ao apogeu do nível racional, consegue ponderam sobre sua existência, sobre o que é, para que veio e para onde está indo, mesmo que seja em seu leito de morte.

Hoje, Hans foi contemplado. Durante todo o trajeto ficou pensando sobre quem era, nem se deu conta quando chegou a sua vaga no estacionamento abarrotado de automóveis.

Em todas as cabeças que chegam a essa plenitude de querer saber quem é o próprio "eu", sempre passam mais de uma vez por essa palavra: "Deus".

- Grande Hans! - O colega de trabalho o cumprimenta batendo seus ombros e espalmando suas costas.

Estavam reunidos no pátio como todas as noites antes de começa mais uma jornada noturna, aspirando a fumaça de seus cigarros e vez ou outra entrando em assuntos importantes ou não.

- Por que está tão pensativo? Levou alguma cortesã para casa depois da cervejinha de ontem? - O amigo faz a piada e todos gargalham alto. Hans, por sua vez, estava alheio, preso em seu próprio drama.

- Deus. O que acham do Cara lá de cima? - Instintivamente todos ficaram sérios, em uma sociedade onde a marioria seguia fielmente sua religião, contestar o todo poderoso era uma coisa séria talvez o amigo precisasse de ajuda.

Aquela conversa estava ficando mais interessante do que todas as outras que tinham feito por anos. Me aproximei para escutar melhor. A árvore onde estava escorada chacoalhava forte devido ao vento, derrubando várias flores.

- O que tem para achar dele Hans? - Josef jogou a bituca do seu cigarro no chão e se aproximou mais. Não era um homem muito religioso, mas temia as forças divinas.

- Não sei, eu...- olha para seus próprios sapatos envergonhado. - Às vezes penso que Ele apenas não existe, que se realmente existisse eu não entenderia muitas coisas que acontecem.

- Por exemplo... - O colega o intigou.

Antes de começar a falar Hans olhou sua volta e achou tudo muito injusto como um dia poderia ter tanta cor, transparecer tanta alegria, se ontem morreu uma mulher inocente, se há várias pessoas amarradas em camas de hospitais, crianças jogadas ao léu.

- Tudo cara. - ele se exalta. - Porque Ele simplesmente cruza os braços enquanto pessoas cruéis fazem o que querem com pessoas inocentes? Deus tira férias? Porque se não, alguém me conta onde ele estava durante o Holocausto, cadê a punição das pessoas más?

Um dos homens do círculo parte para cima de Hans e o golpea no queixo. Josef se coloca entre os dois amigos, afim de impedir que fossem demitidos.

Hans esfrega o queixo onde levara o murro enquanto sorria. Parecia que o tempo todo queria isso: punição.

- Vamos. Hoje é um grande dia, se nossos testes derem certo pode ser que tenhamos nossos nomes estampados nos próximos jornais. - Josef guia os colegas para dentro da usina para iniciarem o expediente.

Josef estava certo, no dia seguinte saíra sim seus nomes nas manchetes, mas não da forma esperada.

Muitos temem a mim, a morte, muitos me culpam, mas no fim não tenho a menor culpa. Eu apenas estou lá para dar o golpe final e para recolher as almas.

Não fui eu quem matei Hans, ele tinha escolhido isso no momento em que pôs os pés para fora da cama para começar mais um dia. Ele escolheu que não merecia viver. Quando se aproximou do reator para o teste sabia de todos os riscos mas continuou decidido; olhou uma última vez para seus companheiros antes de iniciarem o teste. Talvez eles não morressem, ele pensou. Se Deus realmente existir irá poupá-los. Ou não. Desligaram os sistemas de segurança e a regulagem de energia e o projeto do reator começou a apresentar falhas, Hans já imagina que elas iriam vir e mesmo assim não advertiu os companheiros que apresentam certo choque em suas faces, o homem por sua vez continuou sereno.

Devido as falhas a água superaqueceu e entrou em ebulição em tempo recorde. Todos ali presente sabiam o que viria a seguir: uma explosão de vapor destroçadora. O barulho era ensurdecedor, os que estavam próximos não conseguiram se proteger, as pessoaa que estavam em outras áreas da usina se jogaram no chão por instinto e tamparam seus ouvidos. No fim da explosão Hans olhou para mim e antes de fechar os olhos sorriu.

A GAROTA QUE SE PERDIA (CONTOS)Where stories live. Discover now