•CANÇÃO DA NOITE•

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Se você mora em uma cidade pequena com certeza já ouviu uma lenda ou um mito. Em alguns casos isolados eles não são totalmente falsos, histórias inventadas; no entanto, esses boatos são passados por gerações e gerações e cada vez que uma pessoa os contam é aumentado uma vírgula, dessa forma, é muito difícil manter sua verdadeira essência.

Sweetland, pequena cidade interiorana, não era diferente das outras, repercutia várias histórias que os detalhes variavam de uma pessoa para outra. No verão de 2017, um dos mitos mais comentados da cidade foi elevado ao posto de história verídica e foi presenciado por um morador da cidade, este, para sua infelicidade foi rebaixado ao posto de louco.

- Não vamos mandá-la para lá, onde não vamos poder ficar olhando-a de perto. - Ele falava alto e não fazia ideia que dava para escutar dos outros cômodos.

- Aaron, ela já vai fazer dezoito anos, o melhor jeito dela se recuperar é interagindo com as pessoas da idade dela. - Rachel sacudia os braços em uma tentativa de convencer o marido.

- Voltar para a escola já é interagir com pessoas da idade dela.- Ele tira uma das mãos do bolso da calça e passa na testa.

- Não é suficiente, Aaron. Estella precisa se divertir, se não, ela vai entrar em uma depressão profunda.- ela parecia prestes a se desmanchar em soluços porém era forte e mantinha a postura.

- Você pode despacha-la para aquele acampamento ridículo, Rachel, mas se voltar acontecer, você se responsabilizará.- ele aponta o indicador na cara dela de forma acusadora.

- Já faz quatro meses que ela saiu da clínica, disseram que ela estava bem, e ela está mesmo se saindo bem. Não temos com que nos preocupar.

Brigas como aquela já tinham se tornado rotina desde que Estella havia voltado do "internato" que era mais um eufemismo para "hospício para jovens", e eram motivo para ela escapar durante a noite pela janela. As vezes ela fazia coisas simples como pegar o violão e ir tocar - apenas tocar, cantar nunca mais - na casa da árvore que tinha no quintal dos vizinhos. Outras ela se arriscava em boates, ou em clubes de lutas, rachas de carros, tudo para conseguir fazer todas as coisas ruins desvanecerem da sua cabeça.

Ao mesmo tempo que queria ir ao acampamento para se reaproximar dos amigos, receava ficar sozinha com alguém e voltar acontecer o que tomava conta de seus pesadelos todas as noites.

Essa noite ela estava deitada de barriga para cima olhando o teto de seu quarto. Lá em cima ela havia pintado em letras bordadas com tinta neon um trecho de sua música preferida

Same old song
Just a drop of water
In an endless sea
All we do
Crumbles to the ground
Though we refuse to see
Dust in the wind
All we are is dust in the wind

Ela não queria que um verso sequer saísse mais de sua garganta, no entanto, podia permitir que em sua mente tocasse as melhores melodias, principalmente em noites difíceis como aquela.

Não resistiu muito à vontade, vestiu um moletom, calçou seus tênis e mais uma vez saiu pela janela. Andou pelas ruas desertas de Sweetland, a brisa noturna beijava sua face em um acorde descompassado, teve vontade de estar descalça e correr por todo aquele caminho que mesmo sem ninguém parecia ter sempre uma sombra de olho. Talvez seja pela característica de uma cidade pequena onde as portas tem olhos e as paredes ouvidos.

A GAROTA QUE SE PERDIA (CONTOS)Where stories live. Discover now