•Memórias de uma promíscua•

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Esta história começou em 1904 e terminou no mesmo ano

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Esta história começou em 1904 e terminou no mesmo ano. Pensei em contá-la como Brás Cubas, em homenagem a Machado de Assis que viria morrer quatro anos depois, no entanto, em nada me assemelhava ao defunto-autor, salvo ambos morrermos solteiros.

Contar uma história de trás para frente é desafiador porém, nos tira o prazer de sozinhos descobrir o desfecho. O dessa história, sem delongas nem sigilo, conto aqui: Eu morro. Assim como muitas outras pessoas naquele ano.

Calma, vou lhe mostrar que descobrir a conclusão de uma história pode não ser a única coisa que leva a êxtase, ainda mais que nesse enredo contaremos com várias personalidades e um super cenário social e político: Rio de Janeiro em plena República Café com Leite.

Nesse mesmo ano fiz meus 30 anos, a idade bateu rápido em minha porta e não tive escolha senão abri-la. Não era bem vista no cortiço onde morava e meu pecado era ser mãe solteira. Em uma sociedade onde a família tradicional era contemplada, ter um filho bastardo era motivo e tanto para ser excluída das rodas sociais.

A boa notícia é que meu filho não sofre mais pelas más línguas e os olhares de reprovação, a má é que choro toda semana em seu túmulo.

Sua assassina foi a famosa varíola. Um minúsculo vírus foi capaz de derrubar uma criança de oito anos e consequentemente uma mãe de trinta também, ele foi responsável por dizimar grandes populações e o resto de sentimento que vagava dentro de mim.

Desde a sua morte, trabalho em uma taverna em uma parte abastada da cidade. Obviamente esse foi outro motivo para eu ir parar na boca do povão já que, o local era visitado apenas por boemios - mesmo que ricos e renomados - e prostitutas.

Ao menos os boatos tinham um fundo de verdade: eu havia me entregado a vida noturna. Mas não da forma como diziam, "vida fácil", eu não via assim. Ao contrário das outras cortesãs, eu não me deitava com os homens em troca do dinheiro. Eu dormia com eles para lhes arrancar informações, e essas informações valiam mais que um coito.

Conversar com barões, viscondes e ministros me rendeu uma boa fortuna e até participação em testamentos. Uma pena eu ter encontrado a morte sem ao menos gozar dela ou ter alguém com quem deixar.

Não me preocupei com essa parte porque não via a morte como parte do meu caminho, uma vez que sequer me sentia viva, e esse não é um pré-requisito para morrer?

O início da minha morte foi quando contamos com a presença do nosso então vice-presidente, Afonso Pena, que foi premiado com a trágica morte de Francisco Silvano.

O cara era uma figura pública e cuidava bem de sua reputação, até então, nunca havia aperecido desacompanhado em locais comprometedores assim.

- O senhor aceita whisky? - O encaro com um olhar intenso.

- Por favor. - Ele responde evitando o contato visual.

Entretanto, após meu bom atendimento e várias rodadas de whisky consegui destruir a barreira que ele insistia em deixar levantada e descobri que estava insatisfeito com sua esposa.
Casamentos por interesse ainda eram uma realidade, ainda mais no meio político.

A GAROTA QUE SE PERDIA (CONTOS)Where stories live. Discover now