XIV

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O dejejum na residência dos Hall, foi evidenciado por um silêncio curioso, da parte de sua convidada de honra. John e Beatrice, não se atreveram a questionar coisa alguma, a respeito da missiva que Lady Dawson recebeu na noite anterior. O semblante de Liliana estava disperso, do mesmo modo que suas contemplações pareciam etéreas e um tantinho oníricas. Pouco comeu e, menos ainda, falou.

O Sr. Hall não demonstrava tamanho interesse nos acontecimentos; se comparado aos inquietantes olhares piedosos que a esposa lançava, insistentemente, sobre a amiga e a sua lassidão.

Em um dilema moral tão — ou mais — afiado que o da condessa, estava a senhora Beatrice. Se questionava com afinco, se deveria ou não, sanar a sua curiosidade perspicaz. Perguntando de modo pouco sutil, "o que diabos fora dito na carta?" e não menos importante, descobriria quem a escreveu. Seus palpites imaginários oscilavam em um ritmo contínuo e quase absurdo. Pensou em tantos indivíduos que poderia tê-la escrito, que a sua mente fantasiosa já beirava um acesso curto e descompensado de loucura. Sentia-se envolta em um de seus piores pesadelos, torturada e subjugada; tudo isto, para se manter uma boa educação. Que não a permitia o prazer imensurável de um bom mexerico.

— Lady Dawson, o que achas de fazermos o chá da tarde no jardim? — questionou ansiosa, quebrando de rompante o silêncio não familiar para ela.

— O que achares melhor, Sra. Beatrice, concordarei — sorriu, mas não demonstrou grandes animações.

— Certo — concordou em um tom menos festivo do que o habitual. — Conseguiras dormir bem esta noite?

— Infelizmente, não. Tive alguns contratempos em meu sono, mas peço-lhe para que não se preocupes. Não foi nada incomum.

— Caso esteja lhe faltando algum conforto, milady, não se intimides em nos comunicar — observou o Sr. Hall. — A madrugada de hoje foi muito gélida, por conta da chuva contínua que se prolongou até o alvorecer. Beatrice lhe dará cobertores mais quentes. Já pedi para que ela os separasse.

— Agradeço a preocupação, mas lhe afirmo não haver necessidade — garantiu, tranquilizando o interlocutor. — Estou muitíssimo satisfeita com tudo, Sr. Hall.

— Sendo assim... — demonstrou um olhar cordial, retornando ao deleite de seu chá fumegante.

Uma notável mudança de cenário no dia das damas, se deu após a saída do Sr. Hall para o Parlamento. O mordomo da residência, trouxe para a senhora da casa um pequeno bilhete da Sra. Caroline Belmont. Se tratava de um convite deveras entusiasmado para que a Sra. Hall e Lady Dawson, tivessem a honra e o prazer de visitar a sua bela propriedade, concedendo-lhe a estimada companhia na hora do chá. Beatrice comunicou a hóspede, que aceitou prontamente o convite. Pediu a um de seus lacaios que enviassem uma resposta favorável aos Belmont. Como já era conhecedora da falta de antecedência nos comunicados caprichosos da Sra. Caroline, respondeu seu chamado quanto antes. Pois, a "reunião" dela, ocorreria na mesma tarde.

As senhoras aproveitaram o restante da hora matinal para a finalização do bordado na toalha, que seria posta na mesinha de chá. Lady Dawson continuou pensativa, mas cedeu boa parte de sua atenção aos assuntos primorosos que a Sra. Beatrice, habilmente, pensara. A companhia de uma para a outra, era tão agradável e solícita, que desejavam que estes belos momentos se perdurassem por muitos anos a fio.

Por razões ligeiramente opostas, ambas passavam muito de seu tempo ocioso na vida doméstica; sozinhas e pouco falantes. O que era uma tristeza imensa para Beatrice! Que adorava compartilhar de seus ideais, gostos, aventuras, sonhos mirabolantes de sua juventude e também a moda. Com toda a sua humildade de espírito, não havia espaço para se gabar afetadamente e pedante, mas era evidente que ela possuía um gosto requintado, que se manifestava por todos os seus modelitos e pertences. As peças eram de muito bom-tom, esbanjando elegância e sensatez. Notava-se de longe que, a sua mente espirituosa, sempre intervia com ideias e apetrechos fantásticos. Abrilhantando com a devida propriedade o resultado final: magnífico e invejável.

The Secrets of a Little LadyOnde as histórias ganham vida. Descobre agora