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Numa manhã tempestuosa em meados de novembro de 1830, se deu a chegada de Phillipe Dawson — um dos senhores mais jovens daquela linhagem a receber o condado de Dartmouth como seu — à Inglaterra. Junto de sua esposa, Lady Liliana Dawson, a atual condessa de Dartmouth, teriam o seu primeiro vislumbre da epopeica Londres e de suas diversões e encantamentos. Logo, instalaram-se em uma hospedaria aconchegante e de certo requinte. O que já era esperado com a consolidação das heranças familiares, que os proporcionou uma vida abastada, confortável e devidamente própria aos gastos e aos excessos do que bem quisessem desfrutar e fazer.

O matrimônio fora acertado entre as famílias desde o nascimento de ambos. Porventura, Lord Dawson aceitara a mão de sua noiva em enorme contragosto. Estando ele enamorado por outra dama, que em sua mente tola e fantasiosa, era repleta de encantos e isenta de imperfeições. Esta senhorita, dominava a arte do flerte como ninguém e possuía olhos tão belos e profundos, que se tornavam duplamente desconcertantes. Qualquer um que se submetesse a tamanha tentação, sucumbiria ao mero indício de tê-la para si. O que, de fato, aconteceu ao coração impiedoso do cavalheiro. No entanto, a falta de um título de nobreza, juntamente a um dote favorável aos anseios da parentela tendenciosa, — com fortes inclinações a insensatez — determinou o afastamento de sua companhia de um modo rápido e enérgico, tal qual se extrai o veneno de um animal peçonhento e traiçoeiro.

Ao despontar os primeiros raios solares do dia seguinte, partiram da velha Londres. Rumando ao encontro de sua nova realidade infortuna, nas imediações interioranas daquele condado. Lady Dawson estava tão indisposta e enfadada, que não pronunciou palavra alguma ao marido. Tentara com afinco estabelecer uma relação amigável no decorrer de dois meses de sua fria convivência, mas não obtivera nenhum resquício de êxito. Lord Dawson, ao seu lado, estava inenarravelmente taciturno e carrancudo, parecia agonizar em um lastimável desgosto, de puro tédio. Desprezava, de modo inegável, qualquer tipo de cortesia ao chamá-la apenas pelo primeiro nome, e ela não compreendia ao certo se era por desdém ou tratava-se de uma tentativa frustrada de exaltar a intimidade — inexistente — entre eles.

Fora penoso e consideravelmente desgastante o primeiro mês que Lady Dawson passou em sua nova morada, tendo o ímpeto aventureiro e cúpido ao conhecimento, reprimido por formalidades e distinções

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Fora penoso e consideravelmente desgastante o primeiro mês que Lady Dawson passou em sua nova morada, tendo o ímpeto aventureiro e cúpido ao conhecimento, reprimido por formalidades e distinções. Possuidora de uma personalidade pouco conflitante e uma mente brilhantemente astuta, nunca foi alvo de críticas e correções severas, muito pelo contrário. Em sua posição de filha única, sempre foi servida com afeto, sendo dificilmente contrariada. Isto, porém, não lhe provocou nenhum desvio de caráter, pois, não somente era servida como também sabia servir.

O pouco consolo encontrado por ela estava na belíssima biblioteca privativa que dispunha ao seu prazer. O cômodo era luminoso, aconchegante e trazia consigo uma atmosfera doce e silenciosa; um lugar de paz. Ela passara horas a fio, imersa em volumes dos mais diversos temas e interesses, o que era de fato um bálsamo silencioso, exprimido em cada página lida. Esta atividade, rotineira e solícita, ajudou-a a suportar as amofinações geradas com a ríspida rejeição de seu cônjuge. Ciente das responsabilidades atribuídas por meio do matrimônio, uma verdade de tom "inquestionável" era explícita para ela: a suposta estabilidade deste arranjo, somente se daria com a chegada de uma criança. Sendo esta, a mais nova herdeira da considerável fortuna d'Alembert-Dawson e de tudo que a convém.

Phillipe, por sua vez, parecia impassível a estes temores. Raramente tinha a bondade de se quer dialogar com a esposa, tampouco manter um relacionamento propício a concepção de um herdeiro. Viviam como estranhos sob o mesmo teto, mantendo apenas o indispensável ao que diz respeito às regras básicas de convivência. Tais atitudes grosseiras e gratuitas, foram por muito tempo a causa de uma gradativa melancolia, uma tristeza obscura no semblante de Lady Dawson. Que era, cuidadosamente, observada em oculto por sua governanta, a madame Lockwood. Esta senhora fora contratada por recomendações específicas dos progenitores do novo conde, pois faziam tamanho gosto de seus serviços para o casal, que custeariam o salário e todos os gastos posteriores da estadia.

Tal benevolência, sem nenhum motivo aparente, ocorreu em prol do seguinte acordo: Madame Lockwood estava incumbida de relatar tudo o que se passava entre Phillipe e Liliana aos seus generosos contratantes, que detinham um enorme interesse no sucesso da união. Assim, assegurariam o bom nome da família e os recursos financeiros, que estavam quase negativos. O único trunfo dos Dawson, anterior ao casório, fora o prestígio atribuído ao nome e a linhagem, pois, encontravam-se afundados em dívidas exorbitantes. Que até o momento, não haviam emergido dos confins remotos do Tártaro ao conhecimento íntimo das camadas de maior prestígio na sociedade.

Madame Lockwood tentara aos poucos aproximar-se da senhora da casa que, em seu julgamento, considerou ser mais vulnerável e receptiva do que o senhor. Ela almejava agradar a ama com alguns de seus elogios amáveis e mimos, sem exagerar na dosagem, mantendo a discrição acima de qualquer coisa. A princípio, não foi uma tarefa das mais fáceis. A ama estava enclausurada em seus próprios pensamentos e preferia não desfrutar da companhia de ninguém, mantendo-se silenciosa e pensativa. Os primeiros sinais de um prematuro progresso, floresceram por volta de um mês e meio, quase dois. Por fim, tomada de uma certa frustração ao unir os poucos relatos da ama e a sua incrível capacidade perceptiva, a madame começou a escrever o famigerado relatório a respeito da conduta de Lord e Lady Dawson.

Com a sua devida precisão, se deu o teor e o conteúdo da carta:

"Saúdo cordialmente Vossas Excelências e espero que estejam muitíssimos bem de saúde. Escrevo para comunicar-lhes, com urgência e veracidade, meus anseios e observações acerca do segundo mês de minha tutela para com o conde e a condessa de Dartmouth.

Gostaria de descrever em primeiro plano, as atitudes descuidadas e a vida boêmia que meu amo tem levado desde a sua chegada à Inglaterra. Ele sai pela manhã para cumprir os deveres de ofício, e constantemente retorna às altas horas da madrugada, próximo ao alvorecer. Sob o forte poder do álcool, arrasta-se (perdoem-me por tal alusão) feito um cachorrinho perdido a procura do caminho de casa, completamente desorientado e ébrio. Estas atitudes inconsequentes, não serão bem-vistas pela sociedade provinciana de Dartmouth, que não tardará na fermentação dos mais diversos rumores e questionamentos sobre a moral e a seriedade do cavalheiro.

Receio que ainda mantenha contato com aquele ser desprezível, que não merece ser nomeado. Tal criatura pode estar exercendo péssimas influências sobre ele. Não quero acreditar que estas atitudes estão sendo tomadas em forma de repúdio ao acordo matrimonial e para a afetação direta de Vossas Excelências.

Em verdade, a situação de minha ama também é preocupante. Lady Dawson desperdiça a maior parte do tempo reclusa na biblioteca ou em seus aposentos particulares: não fez nenhuma visita de cortesia ou aceitou o convite de uma boa dama para que a visite. Oh, como é caprichosa! Não conhece limites e deveres, tão pouco, as obrigações de uma senhora para com o esposo.

Sua beleza é incontestável, mas os modos simplórios e a pouca vivacidade demonstrada tem sido uma característica nociva de seu caráter, que não desperta nenhum interesse em vosso filho. Lord Dawson é indiferente aos caprichos dela e, ouso dizer, a qualquer coisa a seu respeito.

Sinto-me impotente e angustiada ao presenciar, dia a após dia, este cenário pouco favorável para ambos. Temo que minha ama seja acometida por alguma doença dos nervos, devido a sua constante tristeza e reclusão. Peço-lhes, encarecidamente, que escrevam uma carta de aconselhamento ao jovem conde. Tenho feito de tudo, no limite de minhas incumbências, para apaziguar os ânimos e manter a harmonia do lar, mas os efeitos são pouco satisfatórios ao meu entendimento.

Desde já, agradeço a compreensão e a paciência de vós. Despeço-me ansiando por uma resposta.

Com o dever de servi-los, somente com a verdade, madame Adelaine H. Lockwood."

The Secrets of a Little LadyOnde as histórias ganham vida. Descobre agora