VII

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"Não sei que tempo faz, nem se é noite ou se é dia. Não sinto onde é que estou, nem se estou. Não sei nada. Nem ódio, nem amor. Tédio? Melancolia.
— Existência parada. Existência acabada.

Nem se pode saber do que outrora existia. A cegueira no olhar. Toda a noite calada no ouvido. Presa a voz. Gesto vão. Boca fria. A alma, um deserto branco: — o luar triste na geada...

Silêncio. Eternidade. Infinito. Segredo. Onde, as almas irmãs? Onde, Deus? Que degredo! Ninguém... O ermo atrás do ermo: — é a paisagem daqui.

Tudo opaco... E sem luz... E sem treva... O ar absorto... Tudo em paz... Tudo só... Tudo irreal... Tudo morto... Por que foi que eu morri? Quando foi que eu morri?"

Meireles, Cecília. "Panorama Além."

A primeira noite que esteve velando a morrediça foi amaldiçoada pela penumbra fatigante do desconsolo

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A primeira noite que esteve velando a morrediça foi amaldiçoada pela penumbra fatigante do desconsolo. Em seu íntimo atônito, já havia se convencido do passamento iminente e nada mais poderia fazer. Somente olhava-a, pesaroso, da mesma forma letárgica e assombrosa de antes. Qualquer alma desgraçada que estivesse a observar aquela cena lúgubre e deplorável, se convenceria por meios próprios que o amante não perduraria após o último suspiro da figura langorosa, que permanecera prostrada em seu leito de padecimento.

A alvorada de mais um dia tíbio e funesto despontaria, conduzindo apenas um punhado de desenganos e angústias que caracterizam a vinda da morte. Phillipe seria incapaz de notar com justeza as horas que se passaram desde o fim da obscuridade, dissipada ao clarão diurno. Desejava avidamente que os tímidos raios solares que invadiam o cômodo pelas frestas da gelosia, trouxessem consigo uma solução verdadeiramente expressiva para a calamidade física de Marianne.
O doutor d'Aubigné voltara a vê-los, e honrando dignamente sua palavra ao juramento de Hipócrates, havia revisado uma boa parte de seus livros acadêmicos em busca de uma fórmula, um método científico eficiente para resgatar dos braços de Caronte a alma adoentada.

Conseguira preparar um antídoto, almejando o efeito da Panaceia Universal: a cura de "todos os males", buscada sem êxito pelos alquimistas decrépitos. Em verdade, o fármaco milagroso não possuiria o poder ilimitado da Panaceia, mas teria a sua valia generosa. Phillipe autorizara a indução da substância na paciente e assim foi feito. Por conseguinte, o doutor realizou a ação sem grandiosas aversões de Dawson, tendo em vista que o diagnóstico clínico não se tratava da tísica pulmonar. O abatimento foi supostamente explicado por a não ingestão recorrente de alimentos e a reclusão autoimposta, que abalou o equilíbrio de suas faculdades, sensibilizando os nervos que por fim sucumbiram aos excessos de sua histeria.

Os criados confirmaram relutantes ao fundo dos berros raivosos de Phillipe, que a senhorita Marianne estava muitíssimo nervosa nos dias anteriores ao seu declínio: ela chorava sem motivos relevantes e tremia copiosamente ao expressar suas ordens tirânicas para que a deixassem sozinha, pois, estava profundamente devastada e inconsolável. Não deixou que comunicassem sobre a fragilidade de seu estado de saúde a ninguém, com a ameaça de uma dispensa impiedosa após "arrancar-lhes a língua". Eles estavam certos de que ela fazia isto para chamar a atenção, dado ao histórico das atitudes extremamente afetadas, tolas e manhosas da mesma. Acaso possuíssem ciência que a ama realmente estava definhando, não teriam a deixado ultrapassar o limite de suas vontades irracionais, voluntariosas e destrutivas.

Dado a estas explicações, o doutor pode provar com maestria sua teoria central a respeito da enfermidade. A segunda missão mais difícil para ele, foi prestada ao auxílio de Lord Dawson, que assumiu um descontrole mental tão agravado quanto o da moribunda. O cavalheiro gritava com violência acerca de sua culpa, pois, ele também "ajudou a matá-la" e afirmava com toda a franqueza e incontrole, que daria a sua vida ao demônio se fosse necessário. Somente para que ela vivesse e assim, seria feliz novamente, estando livre do olhar culposo e melancólico de seu assassino infame! Estas heresias e sacrilégios, saiam descompassadas por conta de um choro agonizante e lamurioso que era demonstrado ao nível mais alto de sua loucura até o momento. Faltava apenas jogar-se contra ao chão, suplicando aos Santos ou ao próprio "excomungado" para que o matassem naquele exato momento.

Este acesso súbito de nervoso e disparates, exigiu muito do tempo e da paciência daqueles que estavam presentes. Qualquer alma desavisada que entrasse na residência, completamente a parte da situação, diria que Dawson estava possuído por um espírito imundo e a senhorita Marianne, era um dos anjos mais belos do Paraíso: descansado o sono eterno dos justos.

 Qualquer alma desavisada que entrasse na residência, completamente a parte da situação, diria que Dawson estava possuído por um espírito imundo e a senhorita Marianne, era um dos anjos mais belos do Paraíso: descansado o sono eterno dos justos

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caso encontrem alguma incoerência nesse capítulo, me digam, por favor! 🖤 basicamente o fiz "às pressas", então pode ter algo estranho. depois vou conferir os erros de português e quaisquer outros que tenham.

há uma parte onde cito o "juramento de Hipócrates", porém não tenho certeza se os médicos franceses também o fazem. mas, por enquanto, vamos fingir que sim. esse cap. ficou bem menor que o "normal", então, estou pensando em adicionar mais alguma coisa depois (não tenho certeza). antes que eu esqueça, o primeiro parágrafo diz respeito a noite de "ontem", que é o momento da chegada de lady lili à casa dos hall. acho que essa questão do tempo está um pouco confusa, mas espero que vocês entendam direitinho. qualquer coisa, mudo depois.

P.S.: não sei nada de medicina, muito menos da medicina dos anos 30 do século XIX. então né, vamos dar uma de "joão sem braço" e relevar algumas coisas (pelo bem da sanidade). aconselho que usem o meu método do "fingimento", bjos!

The Secrets of a Little LadyOnde as histórias ganham vida. Descobre agora