Guardado

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Quando recuperei a consciência, não havia nenhuma desorientação. Eu sabia exatamente onde estava, grosso modo, e mantive meus olhos fechados e a respiração regular. Tentei descobrir tanto quanto podia sobre a minha exata situação sem revelar o fato de que
estava consciente outra vez.
Eu estava com fome. Meu estômago dava nós, se contraía e fazia barulhos zangados.
Duvidei que aqueles sons pudessem me trair — tinha certeza de que ele tinha
gorgolejado e protestado enquanto dormia.
Minha cabeça doía furiosamente. Era impossível saber quanto da dor era cansaço e quanto era dos golpes que havia recebido.
Estava deitado numa superfície dura. Era áspera e... esburacada. Não era plana, mas estranhamente abaulada, como se eu estivesse deitada numa tigela rasa. Não era confortável. Minhas costas e meus quadris pulsavam de estarem dobrados naquela
posição. Provavelmente foi a dor que me acordou; eu estava longe de me sentir descansado.
Estava escuro — isso eu podia dizer sem abrir os olhos. Não estava escuro como breu, mas muito escuro.
O ar era ainda mais bolorento do que antes — úmido e consumido aos poucos por uma corrosão peculiarmente acre que parecia se agarrar ao fundo da minha garganta.
Atemperatura estava mais baixa que estivera no deserto, mas a umidade incongruente a tornava mais desconfortável. Eu estava suando novamente, a água que Bob tinha me
dado encontrando seu caminho para fora pelos meus poros.
Eu podia ouvir minha respiração ecoar de umas poucas dezenas de centímetros de distância. Podia ser que estivesse apenas perto de uma parede, mas achei que estava
num lugar muito pequeno. Concentrei a atenção tanto quanto pude e pareceu que minha respiração também ecoava do outro lado.
Sabendo que provavelmente eu continuava em algum lugar do sistema de cavernas para onde Bob me trouxera, eu estava razoavelmente segura do que veria quando abrisse
os olhos. Devia estar num pequeno buraco daquela rocha de um escuro castanho- arroxeado e crivada de buracos como um queijo suíço.
Tudo era silêncio, exceto pelos ruídos que meu corpo fazia. Com medo de abrir os olhos, confiei em meus ouvidos, concentrando-me mais e mais contra o silêncio. Não
dava para ouvir mais ninguém, e isso não fazia sentido. Eles não teriam me deixado sem um guarda, teriam? Tio Bob e sua espingarda onipresente, ou alguém menos solidário.
Deixar-me só... isto não estaria de acordo com a brutalidade deles, com seu medo e sua natural aversão pelo que sou.
A não ser que...
Tentei engolir, mas o pavor fechava a minha garganta. Eles não me deixariam sozinho.
A não ser que pensassem que eu estava morto ou que tivessem providenciado
para eu estar. A não ser que houvesse lugares nas cavernas de onde ninguém voltava.
A imagem que eu estivera formando do ambiente onde estava alterou-se
vertiginosamente em minha cabeça. Eu me vi no fundo de um poço profundo ou emparedado num túmulo apertado. Minha respiração acelerou, provando o ar em busca de rancidez, de algum sinal de que meu oxigênio estava acabando.
Os músculos em volta do meu pulmão se expandiram, enchendo-se de ar para o grito que estava a caminho. Cerrei os dentes para impedir que escapasse.
Nítido e próximo, algo raspou o chão ao lado de minha cabeça.
Dei um grito agudo, e o som foi lancinante no espaço apertado. Meus olhos se abriram. Saltei para longe do ruído sinistro, jogando-me contra uma parede denteada de pedra. Minhas mãos se levantaram para proteger o rosto enquanto minha cabeça
dava uma dolorosa pancada no teto baixo.
Uma luz tênue iluminava a saída perfeitamente redonda da minúscula bolha que era a caverna dentro da qual eu estava encolhida. O rosto de Sam estava parcialmente iluminado quando ele se inclinou na abertura, um braço se estendendo na minha
direção. Seus lábios estavam apertados de raiva. A veia em sua testa pulsava enquanto ele observava a minha reação apavorada.
Ele não se moveu; apenas olhou furiosamente enquanto meu coração retomava e minha respiração se regularizava. Eu o encarei, sustentando seu olhar, lembrando como
ele sempre tinha sido sereno — silencioso como um fantasma, quando queria.
Não era de admirar que eu não o tivesse ouvido montando guarda diante de minha cela.
Mas eu tinha ouvido uma coisa. No momento em que me lembrei, Sam enfiou seu braço esticado, e o ruído se repetiu. Olhei para baixo. A meus pés havia uma chapa de
plástico servindo de bandeja. E sobre ela...
Pulei sobre a garrafa d’água aberta. Mal tomei conhecimento de que a boca de Sam se retorceu de desgosto quando joguei a garrafa aos lábios. Tive certeza de que isso iria me incomodar depois, mas tudo o que me importava agora era a água. Eu me perguntei
se algum dia em minha vida eu consideraria aquele líquido corriqueiro outra vez.
Como a minha vida não estava com jeito de que fosse se prolongar, a resposta foi que
provavelmente não.
Sam desaparecera, recuando na entrada circular. Eu podia ver um pedaço da manga de sua camisa e nada mais. A luz tênue vinha de algum lugar ao lado dele. Era uma cor
azulada artificial.
Eu havia sorvido metade da água quando um cheiro novo chamou minha atenção, informando que a água não era o único presente. Olhei para a bandeja de novo.
Comida. Eles estavam me alimentando?
Foi do pão — um rolo escuro e de formato irregular — que senti primeiro o cheiro, mas também havia uma tigela com um líquido claro com cheiro forte de cebola.
Ao inclinar-me, pude ver nacos mais escuros ao fundo. Além disso, havia três tubos brancos curtos e largos. Imaginei que fossem legumes, mas não reconheci a variedade.
Levou só um segundo para eu fazer essas descobertas, mas mesmo nesse curto lapso, meu estômago quase saltou pela boca tentando alcançar a comida.
Ataquei o pão. Era muito denso, salpicado de sementes de cereais inteiras que se prenderam em meus dentes. A textura era composta de grãos, mas era admiravelmente
saboroso. Não pude me lembrar de nada que fosse mais delicioso para mim, nem mesmo os meus Twinkies amassados. Meus maxilares trabalharam tão rápido quanto
podiam, mas engoli a maior parte dos bocados do pão consistente parcialmente mastigados. Pude ouvir cada um deles chegar ao estômago com um gorgolejo. Não foi tão bom quanto achei que seria. Vazio há tempo demais, meu estômago reagiu à comida
com desconforto.
Eu o ignorei e passei ao líquido — era sopa. Desceu mais fácil. Além das cebolas de que eu havia sentido o cheiro, o gosto era moderado. Os nacos verdes eram tenros e esponjosos. Bebi diretamente da tigela e desejei que fosse mais funda. Virei-a
completamente para ter certeza de ter apanhado a última gota.
Os legumes brancos eram de textura crocante e gosto amadeirado. Alguma espécie de raiz. Não eram tão substanciosos quanto a sopa ou tão saborosos quanto o pão, mas
eu estava grata por seu volume. Não fiquei satisfeito — nem de longe — e
provavelmente teria atacado a bandeja em seguida se pensasse que fosse capaz de mastigá-la.
Não me ocorreu até eu acabar que eles não deviam estar me alimentando. A não ser que Sam tivesse perdido o confronto com o doutor. Mas se este fosse o caso, por que Sam seria meu guarda?
Empurrei a bandeja quando estava vazia, encolhendo-me com o barulho que fez.
Permaneci espremido contra a parede do fundo da minha bolha quando Jared estendeu o braço para pegá-la. Dessa vez ele não olhou para mim.
— Obrigado — murmurei quando ele desapareceu novamente. Ele não disse nada; não havia qualquer mudança em seu rosto. Nem mesmo o pedaço de camisa aparecia dessa vez, mas eu tinha certeza de que ele estava lá.

A Hospedeira/DestielWhere stories live. Discover now