Frustado

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— É impossível! Você entendeu errado! Não tem nada a ver! Não pode ser!
Eu fixava a distância, enjoada por uma descrença que se transformava rapidamente em horror.
Na manhã da véspera, eu tinha comido o último Twinkie lacerado no café da manhã.
À tarde, havia encontrado o pico duplo e virado novamente para o leste. Gabriel tinha me dado o que prometera ser a última formação a encontrar. Na noite passada, eu bebera o finzinho da água.
Era o quarto dia.
Esta manhã era uma memória nebulosa de sol de cegar e esperança desesperada. O
tempo estava acabando e eu vasculhava o horizonte em busca do último marco com um sentimento crescente de pânico. Eu não conseguia ver um só lugar onde ele pudesse se encaixar; a linha comprida e plana de um planalto escarpado flanqueado por picos pontiagudos de cada lado, como sentinelas. Uma coisa assim tomaria espaço, e as montanhas a Leste e ao Norte eram densas e com cumes elevados.
Não conseguia ver onde um planalto poderia esconder-se entre elas.
No meio da manhã — o sol ainda estava a leste, bem nos meus olhos — parei para
descansar. Estava me sentindo tão fraco que fiquei assustado. Cada músculo do meu corpo tinha começado a doer, mas não era por causa da caminhada.
Eu podia sentir a dor do exercício e também a dor de dormir no chão, mas essas dores eram diferentes da recente. Meu corpo estava secando, e a dor vinha dos músculos protestando contra a
tortura que era isso. Sabia que não poderia continuar andando muito mais tempo.
Virei as costas para o leste para tirar o sol do meu rosto um momento.
Foi quando vi. A linha comprida e plana da meseta, inconfundível com os picos nas
bordas. Lá estava, tão longe no oeste distante que parecia tremeluzir acima de uma miragem, flutuar, pairar sobre o deserto como uma nuvem escura. Cada passo que eu dera tinha sido na direção errada. O último marco estava mais longe a oeste do que o que tínhamos percorrido em toda a nossa jornada.
— Impossível — sussurrei de novo. Gabriel  estava paralisado em minha cabeça, embotado, estupefato, tentando
desesperadamente rejeitar a nova compreensão. Eu esperei por ele, meus olhos rastreando as formas inegavelmente familiares, até o peso súbito da aceitação e da aflição dele me jogar de joelhos. Seu silencioso lamento de derrota ecoou em minha mente e acrescentou mais uma camada à dor. Minha respiração tornou-se áspera — um soluço mudo e sem lágrimas. O sol se arrastou subindo às minhas costas; seu calor penetrou profundamente na escuridão de meus cabelos.
Minha sombra era um pequeno círculo sob mim quando recuperei o controle.
A duras penas, pus-me novamente de pé. Pedras pequeninas afiadas estavam incrustadas na pele de minha perna. Não me dei o trabalho de limpá-las. Por um tempo longo, quente, olhei fixamente a meseta flutuante zombar de mim lá do oeste.
E finalmente, sem saber ao certo por que o fiz, comecei a andar para a frente. Eu só
sabia de uma coisa: era eu quem me movia e ninguém mais. Gabriel estava muito
pequeno em meu cérebro — uma minúscula cápsula de dor embrulhada bem apertada em si mesmo. Não houve ajuda dele.
Meus passos produziam um lento crunche, crunche no chão quebradiço.
— Ele era apenas um velho lunático iludido, afinal — murmurei para mim mesmo.
Um tremor estranho agitou meu peito, e uma tosse áspera rompeu caminho
garganta acima. A torrente de tosses empedradas seguiu matraqueando, mas só quando senti meus olhos formigarem por lágrimas que não podiam vir, compreendi que eu estava rindo.
— Nunca houve... nada... jamais... aqui! — arquejei por entre espasmos de histeria.
E cambaleei adiante como se estivesse bêbado, minhas pegadas deixando um rastro irregular atrás de mim.
Não.
Gabriel soltou-se do seu sofrimento para defender a fé à qual ainda se
agarrava. Eu entendi mal ou algo assim. A culpa é minha.
Eu ria dele agora. O barulho foi levado pelo vento crestante.
Espere, espere, pensou ele, tentando tirar minha atenção do ridículo daquilo tudo. Eu não acho... quer dizer, você acha que é possível eles terem passado por isso?

Seu medo inesperado me pegou no meio de uma gargalhada. Sufoquei no ar quente,
o peito palpitando com meu acesso mórbido de histeria. Quando pude respirar novamente, todo traço de meu humor negro tinha desaparecido. Instintivamente, meus olhos varreram o vazio do deserto, procurando algum indício de que eu não era o primeira a jogar minha vida fora daquele jeito.
A planície era impossivelmente vasta,
mas eu não podia parar minha busca frenética por... vestígios.

Não, claro que não. Gabriel já se animava. Sam é inteligente demais para isso. Ele
jamais viria para cá despreparado como nós viemos. Ele jamais poria Jack em perigo.

--Tenho certeza de que você está certo. disse-lhe, esperando acreditar tanto nisso quanto ele. --Tenho certeza de que mais ninguém em todo o universo seria tão estúpido. Além disso,provavelmente ele não veio nem olhar. Ele provavelmente nem pensou nisso. Bem que eu queria
que você não tivesse pensado.

Meus pés continuavam andando. Eu mal tinha consciência do movimento.
Significava tão pouco em face das distâncias à frente. E mesmo se fôssemos
magicamente transportados até o pé da meseta, e daí? Era absolutamente positivo que lá não havia nada. Ninguém estava esperando na meseta para nos salvar.
— Nós vamos morrer — disse. Eu estava surpreso de que não houvesse medo em
minha voz rascante. Tratava-se apenas de um fato como qualquer outro. O sol está
quente. O deserto está seco. Nós vamos morrer.

Sim.
Ele, também estava calmo. Isso, a morte, era mais fácil de aceitar do que a
compreensão de que nossos esforços haviam sido guiados pela insanidade.
— Isso não o perturba?
Ele pensou um momento antes de responder.
Pelo menos morro tentando. E eu venci. Nunca desisti. Nunca os machuquei. Fiz o meu melhor para encontrá-los. Tentei manter a minha promessa... Morro por eles.

A Hospedeira/DestielWhere stories live. Discover now