Sentimentos Idênticos

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Com a mão frente os olhos cobria a luminosidade provinda da janela, já era dia e ainda dormia desconfortável sobre o sofá de seu antigo apartamento. Suas roupas estavam empreguinadas com o cheiro forte de bebida denunciando sua farra durante a noite, de fato estava tornando-se aquilo que nunca imaginou ser e hoje entendia o desespero de seu irmão por aquela fuga da realidade. A bebida era sua aliada naquela situação tão precária.
Cambaleante levantou-se do estofado e caminhou rumo a cozinha à qual buscou por algo entre os armários, a enxaqueca lhe causava tonturas quase fazendo-o cair sobre as próprias pernas. Quando por fim o analgésico fora encontrado, um copo qualquer sobre o balcão foi-lhe útil para depositar a água morna da torneira, engolir os comprimidos fora um custo afinal, eram amargos e horríveis.

Não fazia muitas horas que havia abdicado de seu posto como pai e marido, já era domingo e além de dores de cabeça estava um trapo. Era fato que amar uma mulher custava mais a um homem do que o preço para banca-la, céus!
Com o olhar vago seguiu seu caminho até o quarto pegando algumas roupas dentro do closet, rumou ao banheiro na esperança de que assim como a água que iria lhe molhar e desceria pelo ralo todos aqueles sentimentos fizessem o mesmo caminho. Não fez questão de se despir antes de adentrar abaixo da ducha gélida, sentou-se no chão do banheiro e com os olhos fechados apenas permitiu-se vagar por sentimentos e devaneios passados enquanto a água lhe molhava por enteiro. Do contrário de suas expectativas, aquela enxurrada de sentimentos estava alojada em seu coração impedindo que seu ar saísse pelos pulmões e algo lhe entalasse a garganta, mas aquilo era apenas o remorso por tê-la deixado, por não ter lutado pela mulher que amava e que causará esse seu estado de calamidade atual. Não a culpava, o errado da história era ele por deixá-la de antemão aos cuidados da Yamanaka, mas em seu íntimo sentia que de fato era necessário sua partida. Apesar de seu consciente negar sua ida, seu coração pelo contrário lhe deixava mais que claro as reais intenções por aquele ato mas a culpa o assolava naquele momento ao qual divagava em pensamentos.

ㅡ Repudiei as ações de meu tio anos antes... ㅡ Respirou profundamente enquanto fechava os olhos, sentia-se impotente perante àquela total situação, como desejava que nada disso de fato tivesse ocorrido ou ao menos que pudesse voltar atrás em suas decisões, mas como o tempo não retrocede era tarde para lamentar-se pelo que já havia decidido. ㅡ Que hoje lhe faço o mesmo mal que ele.

Apoiou a cabeça sobre as mãos que lhe cobriam a face, a respiração que prendia nos pulmões saíram entrecortada. Não choraria, tentaria ser forte com o peso de seus atos e o que eles futuramente gerariam mas entre as gotículas de água que escorriam por entre seus cabelos e rosto, as que viriam de seus olhos apenas iriam misturar-se com as do chuveiro e juntariam-se ao encanamento do prédio, não eram relevantes.

ㅡXㅡ

Já era horário de almoço quando os pequeninos decidiram parar de brincar no parquinho e correrem de encontro ao homem alto de cabelos cumpridos que lhes trazia duas casquinhas de sorvete, apesar da relutância de Madara fora obrigado pelos pequenos a comprar afinal, queria agrada-los e recompensa-los por sua ausência por longos anos. Mas não seria apenas um dia agradável e sorvetes para agradar o fruto do seu amor pela Haruno.

ㅡ Papai, por que o cabelo do senhor é tão grande? ㅡ Questionou o pequeno Kiashi direcionando suas orbes esverdeadas para o Uchiha que abaixou-se e entregou o sorvete a ambas crianças.
ㅡ Porque fico mais bonito com ele grande. ㅡ Gabou-se enquanto dava alguns paços curtos à frente das criancas. ㅡ Vamos sentar, venham.
ㅡ Deixarei meu cabelo crescer para ficar bonito como o senhor! ㅡ Disse sorridente o garotinho de madeixas róseas, seus pacinhos acompanharam o maior que aproximava-se do banco de madeira tingida em branco.

A tinta do assento já estava gasta pelo tempo de chuvas e dias ensolarados como aquele, que lhe corroia aos poucos, e com um divagar de pensamentos Madara comparou-se com àquele banco que sentava. Sua vida passava frente a seus olhos e via como havia sido um tolo, o tempo estava tornando-o velho e até o momento não havia aproveitado a felicidade da vida, a felicidade de uma família completa e feliz. Por momentos sentiu-se um tolo por ter priorizado coisas triviais como dinheiro e liberdade, nunca de fato fora livre e o dinheiro não lhe comprava o amor que poderia hoje ter. O destino poderia sim ser cruel com algumas pessoas, e com ele e Sakura não seria uma exceção.
Respirou profundamente retornando a realidade enquanto observava de relance quatro olhinhos lhe fixarem em interrogativa, havia esquecido da presença de seus filhos por um instante e martirisou-se por isso. Quando iria abrir a boca para falar algo com ambas pequenas criaturas as palavras lhe fizeram falta, não havia explicação para seu devaneio e mesmo que tentasse por ventura explicar algo aos menores diria o quê? Que comparou-se a um banco velho e gasto pelo tempo? Seria tachado de ridículo e de fato aquele pensamento era demasiadamente ridículo.

ㅡ Você gosta, papai? ㅡ A voz infantil do garotinho de cabelos rosados invadiu os ouvidos do Uchiha que lhe olhou interrogativo e pediu para que pudesse repetir a pergunta inventando a desculpa de que estava pensando onde os levaria para almoçar. ㅡ Da mamãe, você gosta dela?
ㅡ Ele não gosta, irmãozinho tolo. ㅡ Até então o pequeno de aparência idêntica a sua não havia pronunciado-se, e quando por fim decidiu a cara de descontentamento de Madara fora evidente a quilômetros por sua carranca ao ouvir tal chamado, não havia como negar. ㅡ Caso gostasse, não teria feito o que fez com a mamãe!

As palavras novamente se fizeram ausentes, e algo estava entalado em sua garganta impedindo-o de sequer respirar. Sabia como ninguém o que sentia naquele momento e sempre que pensou no tema abordado pelos pequenos seu subconsciente lhe fazia questão de relembrar a sensação de culpa por ter sido um homem covarde a anos atrás, por ter sido um tolo sem coração em pensar que ela não sentiria nada e que acima de tudo ele mesmo conseguiria superar as sensações vividas na última noite em que passaram juntos sobre uma cama quente e bem aconchegante, onde dormiram juntos até o amanhecer do dia onde decidiu partir e levar consigo o remorso e o preço de ser um moleque ao invés de um homem de verdade.

Sugar Daddy - ɴᴀ̃ᴏ ʀᴇᴠɪsᴀᴅᴏOnde histórias criam vida. Descubra agora