A ESCOLHA DO LÍDER

Benfeitor

Megan desce a escada, ao chegar à sala vê Leônidas, que evita olhá-la nos olhos, ela sorri e ele vira as costas saindo da casa.
- Não é nada fácil lidar com a rejeição, não é mesmo?
Megan se assusta com a voz e reconhece, Travel está na casa.
Ela caminha até Travel, que está na sacada e diz:
- Oi. Eu não sabia que estava aqui.
- Tenho evitado ser visto.
- Por quem?
- Olha só, eu não consigo me controlar quando estou diante de carne nova.
- Como?
- Eu estou lidando com um fardo muito pesado, cuidar de uma filha híbrida sozinho não é uma batalha simples. Manter minha dieta sempre em dias, manter minha mente sempre longe o bastante, me abster de ficar sozinho com minha filha e não pensar nela sendo esmagada pelas patas do meu lobo, não vê-la como uma presa, não vê-la como uma refeição, manter uma aproximação regada com a Frida, tudo isso me alucina. Eu consigo sentir o cheiro adocicado da pureza, estar perto demais, estar presente no mesmo ambiente e não poder tocar faz com que eu me sinta destroçado por dentro.
- Espere um pouco, está dizendo que você sente o desejo de matar sua filha?
Travel sustenta um sorriso de canto de boca e diz:
- Eu poderia matar você também. Eu posso fazer isso, mas só se eu quiser, Megan. E eu sinto que você quer uma demonstração, mas eu não consigo mais parar...
- Isso é loucura!
- Eu sou um predador. Mas eu não escolhi ser assim, é ajustado ao nosso corpo conforme o tempo. Não é como uma coisa que você tem poder para escolher, mas é uma coisa que nasce no DNA. Eu quis mudar isso, quis controlar esse sentimento o tempo todo, venho tentando me saciar, tento me afastar de tudo para não  machucar ninguém, mas então de repente você chega, os Tiranzuh sentem sua chegada e estigam esse desejo infernal aqui dentro.
- Caramba!
- Eu trago ela para cá, a Frida, porque sei que aqui é o melhor lugar para ela estar.
- Você não se importa com essa condição de vê-la com o Leônidas?
- Nem deveria. Ele é um cara bom, não poderia ser diferente. Ela vai crescer daqui a duas semanas... E, daqui a dois meses, ela já vai estar maior de idade e poderá ser livre.
- Trevon me contou sobre isso. É tão admirável ver o que ela pode fazer com...
- Ele deve ter contado sobe a mãe dela também.
- Ele disse que ela morreu depois do parto.
- É engraçado, não é?
- O quê?
- Eu sabia que poderia perdê-la, sempre soube desse risco, mas mesmo assim eu insisti...
Travel faz uma pausa e sustenta um novo sorriso soberbo no rosto.
- Eu não me controlo, Megan. Quando eu quero uma coisa, eu não desisto, não antes de dar tudo errado.
- Todo mundo já fez algo de errado na vida.
- Você já?
Megan se senta em uma poltrona ao canto.
Travel se debruça sobre o guarda-peito da sacada, dizendo:
- O tempo todo eu mantinha ela submissa a meus encantos, ela estava apaixonada, mas ela sabia o que aconteceria, sabia do perigo que correria, mas não foi embora. Algum tempo depois, os pais expulsaram ela de casa e ela veio morar comigo...
- Então ela teve escolha?
- Todas têm. Mas usei do meu dom de persuasão. Eu me sinto destruído, mas não sinto culpa, não consigo em momento algum sentir remorso, meu lobo está orgulhoso do que se tornou.
- E o quê ele se tornou?
- Benfeitor.
- E significa o quê?
- Significa que por ter caído na real do tamanho do estrago que fiz, por ter sido capaz de assumir uma híbrida como filha e sumir das províncias das terras da alcatéia por um tempo, eu passei a ter domínio próprio sobre minhas escolhas, sobre meus atos e tenho capacidade única para ser um subsídio do líder, mas Trevon não me daria esse privilégio.
- Subsídio?
- O sucessor por curto prazo.
- Entendi.
Travel espia Megan pelo canto do olho, perguntando:
- Ainda me acha atraente?
- O quê?!
- Eu percebi sua insegurança na noite anterior.
- Você é sempre convencido assim?
- Quando tenho tempo.
Megan sorri e caminha até ele.
Travel balança a cabeça e volta o olhar para a floresta, perguntando:
- O quê você está vendo?
- Nada.
- Você tem certeza? Olha mais fundo.
Megan o olha desnorteada e vê seus olhos brilharem, ela desvia o olhar à floresta.
Como num passo de mágica, as árvores passarem por ela em alta velocidade e como se ela estivesse voando entre elas, de repente tudo passa com mais calma, com em uma câmera lenta: Megan está vendo sua antiga casa, suas amigas Carla e Dina, entrarem no Mcdonald's, vê também Sonya e Toby saírem do clube de patinação. Ela tem a sensação de estar presente, mas sua visão é interrompida quando uma voz diz:
- Não vá tão longe!
Megan está paralisada, sem reação, Travel está ao seu lado e com as mãos apoiando seus ombros.
- Está se sentindo bem? Desculpe, não me contive.
- Você queria me matar?!
- Não era minha intenção.
- Isso foi incrível! Com faz? Como você conseguiu fazer isso, eu achei que os lobos não tinham poderes?
- Não temos. Alguns nascem com facilidades em praticar algum dom, mas nem todos ganham essa qualidade.
- Pode fazer de novo?
- É melhor não. O líder já deve estar chegando. Eu tenho que partir. Foi bom ver você, Megan.
- Espere. Consegue me levar até minha mãe?
- Depende da distância.
- Ela deve estar em algum hospital em Toronto.
- Preciso checar antes.
Megan sorri com a possibilidade.
Travel diz:
- Eu não vou poder fazer aqui. Trevon pode sentir, ele tem uma linha direta com seus pensamentos. Deveria tomar mais cuidado com o que pensa.
- Ele consegue me ouvir?
- Sim. É melhor controlar suas emoções.
- Eu não fazia ideia. Ele disse uma vez que não ouvia nada do que eu pensava, mas dizia que era porque alguma coisa o bloqueava.
- Ele mentiu.
- Como eu posso bloquear minha mente?
- Posso ajudar você, mas precisa ser longe daqui. Podemos nos encontrar na floresta, perto das terras do riacho.
- Estou proibida de ir até lá.
- Se quiser ver sua mãe, terá que correr o risco.
- Tá, está bem. Darei um jeito.
- Vou esperá-la amanhã, às cinco da tarde.
- Se alguém me ver...
- À essa hora estarão todos na excursão de caçadas.
- Tudo bem.
- Essa será sua única chance, Megan.
- Estarei lá.
Travel salta pela sacada e se transforma em um enorme lobo preto.