Jogando com a verdade

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Um jantar demorado, cheio de descontração.
Megan aproveita que seus pais foram caminhar e que Chasee está em seu quarto se trocando para sair com Kay.
Megan começa a provocar Kay, usando seus jogos mentais:
- Então, Kay... Você tem uma boa memória, não é mesmo?
- Sim.
- Qual foi sua última refeição com seus pais?
- Não entendo o porquê desta pergunta.
- Curiosidade.
- Bom, não posso me lembrar com muita convicção, mas acho que deveria ser sushi com acompanhamento de outras iguarias típicas do Japão.
- Tá. E pode repetir com clareza o que me disse ontem?
- Megan, onde quer chegar?
- No ponto principal.
- Que seria?
- Jogar com a verdade.
- Como assim? Quer dizer o quê?
- Bom, eu quero que repita tudo que me disse ontem, exatamente como disse. Mas se não for capaz, eu entendo.
- Megan, nenhum ser em sã consciência conseguiria se lembrar do que vestiu no primeiro atentado à França, muito menos saber o quê houve quando o avião colidiu violentamente com as torres gêmeas, muito menos lembrar o nome da mãe do corcunda de Notre Dame, então não pode me pedir para repetir tudo que eu disse a você ontem, eu não me lembro nem o que conversamos durante o jantar.
Megan está sorrindo.
Kay pergunta:
- Qual é a graça?
- Achou mesmo que mentiria para mim no maior descaramento e eu não desconfiaria?
- Como assim?
Megan sorri novamente, Chasee desce a escada.
- E aí, Kay, vamos?
- Vamos. Espere um segundo.
Megan o encara presunçosa.
Kay olha para trás confirmando que estão sozinhos e diz:
- Eu vou com o Chasee, mas ainda não terminamos nossa conversa.
- Com certeza.
Kay se vira e sai da casa.
Megan continua lavando toda louça e guardando-a.
Algumas horas mais tarde, Chasee e Kay estão de volta, Megan está deitada ao sofá assistindo um filme qualquer, seus pais chegaram e foram para o quarto.
- O pai e a mãe chegaram?
Pergunta Chasee retirando o casaco.
Megan responde:
- Faz um tempo.
- Kay vai dormir aqui esta noite.
- Tá.
Kay e Chasee se sentam nas poltronas vagas e passam a assistir junto com Megan, que aguarda por um momento a sós com Kay.
Onze da noite, eles ainda assistem, Megan sempre apreensiva e Kay inquieto.
Ao se levantar e ir até a cozinha, Megan se pergunta por onde começar o interrogatório e quando Chasee vai os dar algum espaço.
Alguns instantes depois, Kay pergunta:
- Vou fazer um sanduba, quer um?
- Estou bem, cara. Valeu.
Ele se levanta e caminha até a cozinha, onde Megan está enchendo um copo com leite.
- Estarei pronto para começar quando quiser.
- Notei que sim.
Diz Megan bebendo um gole do líquido no copo.
Sequência de minutos e Chasee se encaminha até eles na cozinha, abre a geladeira e enche um copo com água.
- Estou indo dormir. Você vai dormir agora, Kay?
- Vou terminar uma parte da maratona com a Megan.
- Beleza. Você sabe o caminho.
- Boa noite, irmão.
Kay bate em seu ombro.
Chasee beija o rosto de Megan, dizendo:
- Boa noite, Meg.
- Durma bem.
Chasee os deixa sozinhos e sobe para o quarto.
Enquanto retornam à sala, Megan e Kay se sentam.
- E então? O quê você dizia mais cedo?
- Kay, vou ser bem exata com o quê vou dizer. Espero que seja comigo também.
- Vou ser.
Megan se ajeita no sofá de modo que fica de frente para Kay.
Ela o encara e pergunta:
- De onde tirou toda essa baboseira, Kay? Essa de cafetão, filha, iate?
- O quê?
Kay logo de imediato desvia a atenção para o copo de suco, bebendo-o.
Megan pergunta:
- Não quer que eu acredite em todo aquele drama, quer?
- Como?
- Não finja.
- Como soube?
- Fácil. Como você saberia o sexo do bebê, se perderam contato? Você disse com muita convicção que se tratava de uma menina, mas você não sabe se é uma menina, você prefere acreditar que é uma menina. E você também foi muito perfeccionista em tudo que disse. Você até conseguiu tomar uma ducha, mesmo estando sob pressão. E, ah, sua mãe... Ela nunca foi tão submissa assim, não a ponto de permitir tamanha façanha do seu pai. Você foi convincente, Kay. Parabéns!
- Você é incrível, Megan! Qualquer outro ser teria caído nesse papo todo.
- Eu presto bastante atenção em tudo que me dizem. Eu notei também algumas falhas no que dizia.
- Está falando como um detetive.
- Dentre elas, como você seria capaz de lembrar exatamente cada palavra do seu chefe? Estranho, não?
- Literalmente. Bom, Megan, a verdade é bem mais complicada.
- Me conta. Ainda é domingo. Temos tempo.
- oito anos... uma noite antes de viajar, eu saí para beber, quando certas horas da madrugada peguei à rodovia, totalmente embriagado, entrei em meu carro e comecei a dirigir em altíssima velocidade... Eu não via nada, a não ser tudo fora do lugar, eu me lembro de ver um caminhão com os faróis altos vindo na minha direção e eu saí da contramão, invadi o acostamento, me lembro de tudo girar rapidamente e eu apagar... Antes que o carro pudesse pegar fogo, senti algo me puxar para fora das ferragens, um par de mãos, então meus olhos cerraram.
- Um acidente? Por quê não houve nenhum noticiário?
- Sem corpo, sem vítima, sem notícia, arquivamento de caso. Nunca encontraram um corpo em si, encontraram restos no meio dos destroços, mas nunca o corpo do jovem inconsequente Kay.
- E seus pais?
- Meus pais? Eu não sei. Eu não os vi a partir do instante em que saíram da cidade seguidos pelo caminhão de mudança, talvez eles pensassem que eu pudesse ter desistido.
- Eles ficaram sabendo depois, não é?
- Ficaram. E eu fiquei em coma induzido por cinco meses, eu estava morto. Pelo menos, era o que diziam.
- Os médicos diziam?
- Não os médicos em si. Mas anjos. Anjos que me devolveram minha vida novamente.
- Anjos?
Megan agora está bem mais interessada em saber tudo, como também está convencida da verdade em tudo que Kay diz.
- Quando acordei, percebi que havia ganhado um novo corpo, eu era quente, mas ao mesmo tempo era frio. Eu estava lindo, eu estava duas vezes mais forte, parecia um verdadeiro galã de Hollywood...
- Foco, Kay!
- Eu estava vivo por um milagre. Então ouço vozes vinda do corredor: "Vocês não deveriam ter feito isso com ele, o transformaram em um monstro!" Eu me olhava. Eu procurava esse tal "monstro", mas eu não o via. Tudo que estava diante de mim era o reflexo de um rapaz maravilhoso, que eu não conseguia desviar os olhos.
- Quem eram essas pessoas?
- Meus pais, Megan. Eles foram levados até mim. Eles não queriam se aproximar, diziam que eu poderia os atacar, mas eu não via esse risco. Eles levaram um tempo, mas não quiseram ficar perto de mim nenhuma das vezes. Eu me perguntava do porquê estava sendo menosprezado por meus pais. Foi quando uma vez, parei diante do espelho de corpo, olhei minhas mãos e algumas faíscas saíam das pontas de meus dedos. Meu corpo todo começou a se acender sob minhas roupas, eu tirei minha camisa e me olhei, eu estava iluminado, mas não demorou muito até que uma queimação passou a suprir meu interior e eu caí no chão me contorcendo de dor, como se tivesse chamas ardentes me tomando por completo. Os anjos apareceram em seguida. Eles disseram que eu havia passado por uma transformação súbita. E que sofreria nos primeiros dias, mas valeria a pena. Eu seria intocável. Eu poderia renascer sempre que quisesse.
Megan pisca várias vezes e ergue as mãos, dizendo:
- Espere um pouco, Kay. Os seus olhos, eles têm um tom diferente e o Thom estava hipnotizado em você... Essa sua beleza surreal...
- Eu sou um ser de luz, Megan.
Megan se apoia no braço do sofá e diz:
- Você é ele.
- Quem?
- O ser de luz que vejo se contorcendo de dor e sua luz vai ficando fraca, de repente, tudo se apaga. Você era o enviado que a Loba disse.
Kay olha Megan se levantar e andar de um lado para o outro.
- Megan?
- Kay, eles me encontraram algumas semanas atrás, eu tinha pesadelos sobre uma rebelião entre seres de luz e uns animais medonhos. Então a mulher-lobo surgiu e falou comigo.
- Eu fui nomeado Guardião do poder da sabre sagrada.
- A Loba tinha me alertado sobre uma possível visita inesperada...
- Megan, talvez você ache que estou mentindo, mas agora eu falo a verdade.
- Eu sei que sim. Eu não entendi uma coisa. Algo se antecipou.
- Sua decisão. Sua aceitação mudou o rumo.
- É isso. Mas e agora?
- Esperamos.

A ESCOLHA DO LÍDERWhere stories live. Discover now