1.0 - Bem-vindo à Rua dos Cornos

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A Rua dos Cornos não mostra harmonia nem na aparência, porque embora tenha algumas casas bem feitinhas, também tem aquelas construídas uma em cima da outra que parecem trabalhos em grupo quando cada integrante faz sua própria parte e junta tudo depois: uma verdadeira bagunça. Ainda bem que poluição visual não é crime (ou será que é?). Bom, de qualquer forma a justiça mal chega nessa rua quando acontece coisa pior.

Agora falando dos moradores, esses sim têm menos estrutura que as casas, pois a maioria é gente desequilibrada, barraqueira e fofoqueira que diariamente causa desavença por aí. Muitos ficam tranquilos quando estão se divertindo em algum cabaré. Porém, às vezes nem assim, porque alguém acaba descobrindo que levou chifre e começa uma briga fora do comum.

Em meio a tudo isso, há uma moradora peculiar conhecida pelo seu estresse excessivo e rejeição total a cabarés. Ela mora numa simples casinha amarela semelhante àquele desenho padrão de casa meio de lado que fazemos durante nossa infância, o que já se pode considerar uma mansão se levarmos em conta as outras residências.

Ao longo da sua vida, ela ganhou vários apelidos, a exemplo de: cria de Satanás, causadora de todo o mal, abominável, anticristo, endiabrada e Leviatã, mas na verdade mesmo se chama Dídala. Quem conhece não só não esquece como também pode se arrepender, afinal, ela não tem paciência nenhuma com pessoas lentas, melosas, sensíveis e dramáticas (isto é, muita gente). Para seu azar, casou-se com um rapaz dotado de todas essas características, o que a fez ter mais raiva de emoções. Até porque, mesmo com os defeitos do companheiro, ela se deixou levar pelo lado emocional e, quando percebeu, já tinha feito um filho.

Neste momento, a impaciente está varrendo a sala da sua casa e mesmo assim deixou o ventilador ligado devido às temperaturas vulcânicas que já são motivo suficiente para deixá-la bastante estressada. E ainda que esteja usando o aparelho da Arno, a mulher continua uma pilha de nervos, já que o suor não para de escorrer pelas suas mechas ruivas e assim alguns fios ficam grudados na testa ou pelo pescoço, tendo ela que sempre retirá-los pela agonia que lhe causam.

O clima infernal tem a capacidade de deixá-la vermelha como um camarão, de modo que isso somado ao seu cabelo alaranjado e sua blusa de um vermelho fortíssimo faz com que ela tenha um grande contraste em relação aos tons de azul e amarelo pastel das paredes da casa.

Para irritá-la tanto quanto o calor insuportável, de repente chega em frente à residência o seu marido Fábio que logo começa a bater à porta e berrar como quem foge de um cão raivoso:

— Amor, vem aqui fora!

Lá de dentro, Dídala revira os olhos num extremo oposto das expressões que fazia quando ia encontrá-lo no início do namoro e então pergunta em tom de ignorância:

— Por quê?!

— Vem logo! — Fábio insiste com uma série de batidas desesperadas.

— Primeiro diga o motivo! — ordena ela, com a sua voz incisiva e imperiosa.

— Não dá tempo explicar! — Ele, por sua vez, mesmo em tom de exclamação, fala de uma maneira que denota ingenuidade e burrice. — Chega, rápido!

— Esse idiota vive trazendo problema... — murmura nervosa enquanto corre, fazendo com que seu salto preto emita um som satisfatório no piso de madeira.

Com a sua pressa desenfreada, a dona de casa mal olha para baixo e acaba tropeçando no fio do ventilador. Porém, por sorte seus seios amortecem a queda, o que a faz dar um mortal de 360 graus e cair em pé de frente para a entrada de sua residência. Feita essa proeza e girada a maçaneta, ela pergunta de modo que é como se o oxigênio lhe faltasse:

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