6.3 - Vencida Pelo Cansaço

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Impressionada por ter visto um baú comer uma pessoa, e logo ainda sua arqui-inimiga, Dídala questiona:

— Como você fez isso, Sem Nome?!

— Usando o baú sobre o qual eu queria falar, mas você me ignorava — a menina responde séria.

— Eu vi que você usou o baú! — Dídala exibe cara de tédio. — Eu quero saber como ele funciona! Onde Valentina tá agora? — Volta a transparecer empolgação.

— O baú dimensional teletransporta pessoas para outras dimensões. No caso de Valentina, como eu não especifiquei o destino, ela foi pra alguma dimensão aleatória — Sem Nome explica, agora expressando mais alegria.

— E existem outras dimensões?! — Dídala indaga de cenho franzido.

— "Se não existe vida fora da Terra, então o universo é um grande desperdício de espaço". - Carl Sagan. — Sem Nome afirma de maneira semelhante à voz do Google.

— Até que faz sentido — Dídala pondera —, mas dar credibilidade ao que você fala me faz sentir como se eu tivesse doida.

— E daí? — a menina pergunta na inocência.

— Ai, sei lá! Não gosto! — Dídala opta por mudar de assunto. — Ei, onde você arranjou esse baú?

— Um extraterrestre me deu de presente...

— Tá, chega — Dídala interrompe. — Não quero mais saber.

— Mas eu quero contar! — A jovem entrelaça os dedos. — Foi uma experiência muito legal!

— Não vai. Cala a boca — a mais velha desconversa e vira a cara.

Fernando se desprende das raízes às quais estava preso após tanto tempo vegetando como uma planta e, ainda meio esverdeado, ele se manifesta:

— Mãe, minha namorada LITERALMENTE eliminou do planeta a pessoa que você mais odeia e além de não agradecer, você ainda trata a coitada desse jeito?

— Ei, por acaso essa menina fica dando uma de heroína só pra eu permitir o namoro de vocês? — Dídala questiona de sobrancelha arqueada e mãos na cintura.

— Não ajudo ninguém por interesse — diz Sem Nome sem esboçar nenhuma emoção. — Apenas sigo meu senso de justiça.

— Ah, tá! Porque não parece... — Dídala cruza os braços exalando desconfiança.

— O parecer é irrelevante, o que de fato importa é o ser — a menina retruca segurando uma mão com a outra na altura da cintura.

— Mulher, seja sincera. — Dídala franze o cenho e logo pergunta. — Se você fosse outra pessoa, você acreditaria em você?

— Claro! — Sem Nome responde animada. — E falo com propriedade, porque eu já fui outras pessoas!

— AI, JÁ DEU PRA MIM! — Dídala desfaz um X com os braços. — Podem namorar à vontade, vocês me venceram pelo cansaço! Parabéns! Eu vou é fazer um cuscuz pra me acalmar... Tchau! — A passos fortes, dirige-se à cozinha.

Sem mais ninguém na sala, o casal fica se olhando por alguns segundos. Até que Fernando põe as mãos na cintura de Sem Nome e ela, por sua vez, debruça os braços nos ombros do rapaz e assim, dão um beijo tão apaixonado que surge um enorme coração atrás deles como cenário.

Enquanto isso, na cozinha, Dídala procura pelo armário o alimento feito à base de milho, mas parece estar enfrentando dificuldades.

— Ai, mas será possível? Cadê o cuscuz?! — indaga após fechar uma portinha com força e logo abrir outra da parte superior do armário. — Que ódio, eu deixo tudo bagunçado e sempre sei onde tá cada coisa, aí vem Fábio organizar e a pessoa não acha nada! — resmunga ao mesmo tempo que revira vários pacotes na parte inferior onde estão os compartimentos maiores. Com zero paciência, começa a jogar os alimentos para fora, de modo que ficam espalhados pelo chão. — TAMBÉM NÃO TÁ AQUI, MAS QUE INFERNO!

Bufando não como um touro, mas sim como um dragão, Dídala se dirige ao seu quarto virada para a parede para não ver o casal localizado no sofá da sala.

Quando abre a porta do quarto, recebe uma inundação na cara. Fábio havia chorado tanto que o cômodo estava alagado até a metade da parede. Toda molhada, Dídala respira fundo e questiona com ênfase em cada palavra:

— Onde você deixou o cuscuz?

— Tá mais calma? — ele pergunta sentado na cama e encolhido com os braços abraçando os joelhos.

— Só cuscuz me deixaria calma agora — ela responde convicta.

— Eeerrr... — Fábio lembra que comeu o pacote inteiro e usa seu único neurônio para pensar em dizer o seguinte. — E se eu for o seu cuscuz? — sugere indo em direção à esposa.

— Hummm... — Dídala se anima enquanto recebe beijos na nuca. — Nossa, agora me veio à cabeça um prato de cuscuz bem quentinho misturado com ovo e salsicha... — Num pulo certeiro, ela agarra-se com o marido de modo que seus braços se entrelaçam nos ombros do rapaz, bem como suas pernas na cintura dele.

Assim, ambos caem juntos na cama aos beijos, dando início a um momento cuja classificação indicativa perpassa 18 anos, ou seja, hot.

Na sala, também se encontram juntinhos Fernando e Sem Nome sentados no sofá enquanto veem televisão, na qual o Jornal de Marcele está transmitindo uma reportagem sobre o falso show da própria Marcele. Na tela, observa-se o repórter Narizgran esperando aqueles segundos para então poder falar:

— Boa tarde, estamos aqui em frente ao cabaré de luxo onde seria o suposto evento. Acontece que foram vendidos ingressos falsos para um show não programado pela celebridade Marcele — ele noticia em meio a uma enorme multidão. — Como vocês podem ver, há milhares de fãs revoltados por aqui e eu gostaria de conversar... — Faz uma pausa para procurar alguém e entrevistar. — Com licença, moça. Poderia nos contar como está se sentindo por ter caído em um golpe? — Ele põe o microfone próximo à boca de uma certa preguiçosa.

— Olha, eu acho uma palhaçada — Rosa responde toda suada e descabelada —, porque além do dinheiro jogado fora, muitos de nós estávamos cheios de expectativa pra ver Marcele e o resultado foi esse: um monte de gente revoltada, criança chorando... Minha mãe tá passando mal, ela tem 17 doenças... — diz segurando Izolda com um braço e abanando-a com outro.

Reagindo da forma mais tranquila possível, Fernando e Sem Nome assistem à notícia. Quando de repente, o menino ouve ruídos estrondosos e pergunta à namorada:

— Que barulheira é essa, amor?

— Parece uma guerra! — Sem Nome responde enfática.

— Né! Acho que tá vindo do quarto dos meus pais — Fernando palpita.

— Bora lá! — A menina se levanta do sofá e faz gesto de chamamento com a mão.

Chegando em frente ao quarto dos adultos, o casal mais novo põe o ouvido na porta e ambos ficam olhando um para o outro. Embora seja meio difícil entender o que está acontecendo lá dentro, haja vista a semelhança sonora com um bombardeio, Fernando logo compreende e diz animado:

— No futuro vai ser a gente.  

ProblemáticosWhere stories live. Discover now