Futuro sombrio

12 0 0
                                    

Pela terceira vez naquela viagem arrastada foram forçados a acampar e aguardar o fim da nevasca. As barracas de lona grossa e os aquecedores manóticos impediam que morressem congelados. Ilya preocupou-se ao notar que as baterias já estavam com menos que metade de sua carga. A possibilidade de morrerem no meio das montanhas geladas crescia na medida em que o mau tempo persistia. A parada anterior durou três dias e era possível que aquela durasse ainda mais. Ilya estava cansado, mas se esforçava para ficar acordado. À medida em que se aproximavam da velha Kaleor, tinha pesadelos terríveis. Urguda não conseguia sonhar naquela forma, mas podia espiar os sonhos do rapaz. Finalmente cedeu ao cansaço e logo estava sonhando.

Pisava numa plataforma metálica e vazada numa malha de padrões losangulares. Precisava de atenção para manter o equilíbrio, uma sensação semelhante a estar em um navio, mas a vista que tinha através dos janelões adiante diziam o contrário. Via-se o azul do mar fundindo-se com o azul do horizonte além de nuvens que passavam ao redor. Estava a bordo de uma aeronave e com ele, uma dúzia de pessoas uniformizadas. Os uniformes tinham duas tonalidades escarlates, casacos de couro tingido de um vermelho profundo e golas altas que cobriam os pescoços, com broches metálicos que indicavam patentes. Alguns eram homens, outros Menodrols. Estavam sentados e presos por cintos afivelados. 

A aeronave inclinou-se e Ilya teve que se segurar numa tubulação que passava acima de sua cabeça. Os Menodrols usavam máscaras com bicos agressivos de aves de rapina esmaltados de vermelho e tinham uma fenda horizontal longa na altura dos olhos. Ilya caminhou até seu assento na parte frontal da ponte. O painel diante de si era enorme, com uma centena de botões, chaves e alavancas. No centro, um globo de cristal mostrava centenas de pontos num espaço tridimensional que o ele manipulava girando duas longas alavancas. Suas mãos estavam manchadas e enrugadas. Estaria Ilya vendo um acontecimento do passado? Aquelas seriam suas mãos? Ao menos tinha cinco dedos, não eram mãos de Elkins, Wlegdars ou Menodrols. 

Pontos vermelhos indicavam suas aeronaves e os azuis, as inimigas. Ainda estavam distantes. Abaixo e adiante, surgia a grande cidade de Inax'Tonxa com sua compridas torres inclinadas. Uma luz azul piscou no painel. Ilya girou um botão fazendo sumir a visão tática que deu lugar ao rosto de um homem de barba hirsuta e que vestia grandes óculos espelhados com lentes circulares.

— Almirante — veio a voz do barbudo chiada através do aparelho — Aguardamos suas ordens.

— Para vanguarda, capitão, é hora de cobrirmos Inax'Tonxa numa chuva de fogo.

Ilya retornou o visor para o modo tático. Faltava pouco para o combate começar então concentrou-se para fazer simulações em sua mente. Escolheu um dos pontos e estabeleceu a comunicação. O globo passou a mostrar a cena sob outro ponto de vista. Ao seu lado e adiante, voavam uma centena de dragões negros que vestiam os elmos de telecontrole feitos de metal polido e reluzente. Ilya destravou do painel um capacete feito com a mesma liga e colocou sobre a cabeça. Um surto de energia o preencheu e sentiu-se caindo vertiginosamente até que estava novamente em seu saco de dormir. A barraca trepidava e os ventos gélidos uivavam lá fora.

A voz tênue de Urguda soou — Também sinto emanações malignas na medida em que nos aproximamos da cidadela.

Ilya limpou suor da testa. Teve uma dezena de sonhos naquela dia, muitos deles com batalhas e outras situações tensas. Mas quando acordava, as imagens se tornavam nubladas e se esvaíam.

— Estes sonhos... Irão se concretizar, como outros que tive?

— Espero que não. Vi coisas terríveis e que tentaremos evitar. Precisamos fortalecer nosso propósito de localizar e destruir o príncipe sombrio.

— Sabe, Urguda, sempre ouvi falar em príncipes entre os Wlegdar, mas nunca de um rei. Não havia alguém assim?

— Não meu jovem, ao menos não neste mundo.

— Seus ancestrais também vieram de outros mundos. Ainda guardam essa história? Ensinam sobre isso em Nanzigom'Ertax?

— Muito pouco. Alguns estudiosos que dedicam a vida toda isto sabem um pouco mais, mas ainda sim é difícil, pois nossa história vem de milhões de anos. É impossível para um indivíduo absorver tanto conhecimento, é como querer encerrar um oceano numa xícara.

— Entendo. Os Wlegdar são igualmente antigos, não é?

— Sim, no princípio formos como irmãos, mas os nossos caminhos se separaram há muitas eras. Eles desenvolveram a estranha noção de ter o direito possuir tudo: pessoas, cidades, mundos. Só há uma coisa maior que o desejo de posse deles.

— O que é?

— A imensidão e mistério do cosmo. São centenas de milhares de galáxias e o domínio Wlegdar sequer tocou metade de uma. E isto, meu jovem, ainda é muito.

— Sim sei, sou bom com números, lembra?

— A maior parte dos mundos dominados por eles é abandonada depois se sugam todos os recursos que lhes interessam. Me intriga que um príncipe tenha ficado para trás. O que poderia ainda querer com este mundo? Por que não partiu com os demais? Pensei muito nisso ao longo dos anos.

— E?

— Não sei...

— Talvez possamos perguntar a ele.

— Nem pensar, meu jovem! Conversar não é algo que queiramos fazer. Eles não tem respeito algum pela vida. Tudo que valorizam é a si próprios e o que podem vir a dominar. Minha esperança agora é cumprir a tarefa que deixei incompleta.

— O príncipe era o alvo do ataque?

— Sim, mas agora entendo, ele deixou que capturássemos seu general, Drogorn, e que acreditássemos que ele havia deixado este mundo. E nós, acreditamos ter vencido. Se ele se erguer novamente, temo não haver forças capazes de detê-lo. Ele é a raiz desta guerra e detêm domínio sobre os menodrols de Makluskey. E ainda há milhões esperando para despertar! É imperativo nosso êxito, caso contrário, uma nova era de trevas cobrirá o mundo.

A Queda de DurkheimWhere stories live. Discover now