Há quatrocentos e setenta e dois anos

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Ilya estava no meio de uma grande batalha, mas algo completamente diferente do conflito que vivenciou na Boca do Inferno. Milhares de homens desciam uma colina como se alguém tivesse pisado num formigueiro. Do outro lado, o inimigo era parecido com o que havia visto: eram menodrols. Eles vestiam armaduras escuras e seus rostos estavam escondidos, pois todos usavam máscaras idênticas, feitas do mesmo molde. Um rosto metálico e sem expressão com uma fenda na altura dos olhos e outra sobre a boca. Todos tinham a mesma altura e mesma constituição física e lutavam como apenas um. Seus movimentos eram todos iguais e cuidadosamente executados.

No exército de Ilya os guerreiros vestiam armaduras de variados formatos e tipos. Algumas pesadas, outras mais leves. Ilya cavalgava na vanguarda escoltado por guerreiros matisseítas em suas montarias musculosas e de pescoço comprido. Não eram cavalos, mas uma espécie de cervo com córnos negros e enroscados. A tropa de maltisseítas usava martelos, foices e machados empunhados com as duas mãos, mas nenhum deles carregava espadas. Adiante, Ilya podia ver as muralhas escuras e angulosas de uma cidadela de arquitetura bizarra. Reconheceu imagens que havia visto em filmes e fotos na escola. Era uma cidadela wlegdar.

Quando um grupo grande de menodrols se chocou contra sua escolta, Ilya viu emergir de suas mãos raios púrpuras que se ramificaram velozes atingindo e fulminando grupos inteiros de menodrols. Aquela visão louca fazia pouco sentido. Mas ainda assim, avançavam. Notou que ele não era o único a disparar raios. Junto com usa comitiva havia alguns cavaleiros magros e que usavam poucas peças de armadura. Seus braços longos terminavam em quatro dedos alongados. Eram corados e cheios de vida. Eram elkins, mas não como os que Ilya conhecia, frágeis e de aparência doentia. Estes eram robustos, fortes e saudáveis.

A certo ponto, a confusão aumentou. Havia tanta gente lutando e magias variadas sendo convocadas que Ilya teve dificuldade de entender o que estava acontecendo. 

"Isso é um sonho..." Ele pensou. "Mas não é um sonho comum! Eu sei que estou sonhando, mas é como ver um filme". 

Sua atenção voltou-se para a batalha, pois tudo tremia agora. Era como um terremoto, mas este estava direcionado aos muros da cidadela. O muro alto e escuro rachou em vários pontos e começou a ruir. Após uma série de estrondos assustadores, uma nuvem de poeira ergueu-se e cobriu gradualmente todo o campo de visão. Os sons da batalha continuavam e Ilya imaginou que milhares de homens e menodrols se confrontavam dali para trás.

Após um estalo, penetrou num túnel de luzes e cores. Os sons da batalha soaram distantes e o local onde estavam era uma grande estrutura metálica que fez Ilya se lembrar da usina em Vetrocrav. Haviam ângulos e curvas que não faziam sentido. "Mas que lugar estranho..."

Um homem da etnia Karis, com bigodes alaranjados que terminavam formando pontas ao lado do rosto, vestia uma armadura reluzente que brilhava como se estivesse embevecida de energias mágicas. 

Aproximou-se e disse — Todos prontos? Este é o momento de obter sucesso, ou a derrota definitiva. Precisamos derrotá-lo para quebrar as ondas de comando aos exércitos, mas como sabemos, aqui em Kaleor, o General Drogorn está mais fortalecido do que nunca.

Um dos maltisseítas falou — Estamos com o senhor, meu duque, até o final!

O duque aproximou-se de Ilya e falou diretamente com ele — Mestre Urguda, estamos gratos a você. Está preparado?

Urguda suspirou e concordou com um aceno. Os outros magos elkin o rodearam e iniciaram um ritual. Ilya, que enxergava através dos olhos de Urguda, viu as mãos com quatro dedos delgados retirar de um frasco a criatura. Era da mesma espécie... A criatura que estava presa a seu pescoço e tórax.

Um cântico repetitivo foi entoado pelos magos elkin e Ilya sentiu um forte enjoo. Ele vomitou junto com Urguda. Ele sentiu como se ele e Urguda fossem um só ser.

Então, sua visão distorceu-se terrivelmente. As cores pareciam escorrer para fora dos objetos. O verde tornou-se azul, na verdade, todas as cores mudaram até que tudo pareceu esmaecido, quase branco e preto. As formas tinham nitidez ampliada, podia ver linhas luminosas pulsando à partir do coração de todos e centenas de fibras se espalhando pelo corpo. Conseguia ver a energia vital das pessoas como se agora fossem feitas de vidro. Ao seu lado, a criatura do frasco agora estava cinzenta, o que indicava que estava morta. Viu ao seu redor cresceram uma dúzia de pernas compridas e espinhosas que pulsavam com vida e magia. Os maltisseítas estavam envoltos num brilho alaranjado daqueles que tem vida, mas pouca magia. Já os magos elkin, tinham uma chama amarela no tórax e discos cintilantes verdes e azuis que fluíam da cabeça, pelos braços até chegar nas mãos. Eram imagens confusas, mas Ilya conseguia adivinhar seu sentido.

"Então, a criatura que me ferroou é o mestre elkin Urguda!" Com aquela compreensão alcançada a mente de Ilya se abriu e uma avalanche de outras memórias o atingiram. Tantas coisas vinham simultaneamente que seria impossível descrever. Urguda, por sua vez, absorveu as memórias de Ilya de forma que soube estar no ano de 1925, quatrocentos e setenta e dois anos após seu confronto com Drogorn. Como Ilya era um mau aluno de história, Urguda conseguiu entender muito pouco do que desenrolou desde que fora aprisionado junto a Drogorn. E o pior, o pouco que Ilya sabia de história se restringia apenas ao país dele, Durkheim. "O que teria acontecido no resto do mundo?" Urguda se perguntava.

"Quatrocentos e setenta e dois anos?" questionou Ilya.

"É muito tempo, não é mesmo rapaz?" retrucou o elkin.

E sem perceber, como se fosse algo natural ele estabeleceu um diálogo mental com Urguda. Mas foram interrompidos por uma torrente de memórias nas duas direções, nenhum dos dois habituados àquilo mergulharam num estado de confusão.

"Estou enlouquecendo!" gritou Ilya depois de alguns instantes.

"Acho que também estou!" retrucou Urguda.

A adaptação entre as duas mentes prosseguiu até que instintivamente ambos aprenderam como fechar suas mentes. Ao fazê-lo, sentiram grande alívio.

"Pronto!" transmitiu Urguda "Agora encontramos um ponto de equilíbrio. Suponho que seja uma boa hora para despertar, não é mesmo, Ilya?"

A Queda de DurkheimOnde as histórias ganham vida. Descobre agora