Retorno da escuridão

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Estava muito frio naquela manhã. Uma densa neblina cobria o parque municipal de Zalle. Haivan Drakeen caminhava lentamente para o ponto de encontro. Vestia um grosso casaco de couro preto e calças do mesmo material. Seu gorro de pelos cinzentos cobria as orelhas e a nuca. O cachecol de flanela xadrez de riscas azuis e amarelas envolvia o pescoço e tapava o rosto até o nariz. Um dos braços do casaco estava com enchimento e costurado a um dos bolsos para simular o membro que faltava. Sentia-se desconfortável usando roupas civis. Chegou até a ponte e só então pode ver destacar-se a silhueta do outro que já estava ali.

– Bom dia, Major – Oleksei o saudou com a voz rouca. Vestia-se como sempre, um sobretudo marrom, calças cinzentas e sapatos de couro marrom bem lustrados. O cachecol verde combinava com o gorro de lã com protetor de orelhas.

– Bom dia. Novidades, tão cedo? – Drakeen estava surpreso com evoluções no caso apenas em dois dias depois do último encontro.

– Sim, duas coisas. A primeira é que consegui falar com o Prof. Mikhail, chefe de Bremmen. Suspeitamos, apesar de faltarem provas, que ele seja membro da ordem dos caçadores.

– E?

– Ele afirma não ter contato com Bremmen há meses, mas consegui saber que os trabalhos de sua equipe, antes da guerra, ocorriam na região entre Nergorod e Vetrocrav. Ele garantiu as escavações estão interrompidas e que não ouve notícias do aluno há meses. Ou é um bom ator, ou ficou mesmo surpreso ao saber que Bremmen está foragido como desertor do exército.

Drakken franziu os lábios – Isso não ajuda muito... Não é?

– Não – concordou Oleksei acendendo um cigarro.

– Então, não foi por isso que me chamou...

– Verdade. Trouxe isto aqui para você – entregou-lhe um envelope.

– Não é nada muito secreto, mas imagino que não receberá notícias disto em seu departamento.

– O que é?

– É sobre um incidente ocorrido em sua antiga unidade na fronteira norte.

– O que houve?

– Algo terrível. Um ataque deixou a base destruída e não houve sobreviventes.

Drakken sentiu-se abalado. Tinha muitos amigos que ainda serviam lá.

– Os menodrols? Por que atacar um local tão remoto?

– Não penso que foram eles... Mas não sei ao certo quem foi. Dê uma olhada, como já esteve lá, talvez veja algo que não pude ver.

Drakeen teve dificuldades para abrir o envelope com uma só mão. Continha uma dúzia de fotos que Oleksei o ajudou a manusear. As imagens mostravam cômodos revirados e destruídos. Corpos destroçados e empilhados.

– Não há marcas de projéteis, ou queimaduras – constatou o major.

– Veja – indicou o agente. – Algumas destas lacerações parecem mordidas, ou arranhões. Talvez um dragão?

– Certamente que não! Conheço bem como ficam os corpos após um ataque de dragão. Além do mais, um dragão não caberia nesta área da base, tão pouco nesta. – Indicou duas das fotos.

– Veja as últimas – sugeriu Oleksei.

– O que é isso?

– É a cavidade torácica. Veja, a espinha foi removida. Os pulmões e o coração também. A perícia indicou que todos foram abertos pelas costas.

– Com mil demônios! – A face de Drakeen inflamou-se. Tremia todo, visivelmente transtornado.

– Desculpe minha falta de tato, eu não devia ter...

– Me poupe, Oleksei, é só que... Você já ouviu falar nos pergaminhos das estrelas?

O agente fez uma careta – Já, mas o que tem isso? São textos que mal fazem algum sentido.

– Eu os estudei muito. Há muito sentido neles. Mais que se supõe em geral.

Oleksei deu com os ombros. – Então?

– Há uma passagem que diz o seguinte:

"No tempo do prenúncio, o homem será o senhor de sua terra. O ferro cruzará as cidades e nenhum obstáculo ficará em seu caminho. O fogo de todos os lares será tomado. Os filhos da escuridão serão senhores dos sonhos. O sentimento que pulsa terá seus últimos dias, pois será devorado pela escuridão que retorna. Quando o último príncipe despertar, a sombra invisível irá se revelar e todos os reis terão sua sede por poder despertada. A guerra final virá do abismo voando com as asas do norte. O desejo do último príncipe irá se cumprir, mas ele ficará cego e surdo novamente. E todos irão cegar-se junto. A escuridão tomará o berço".

– Desculpe major, mas tudo isso não faz o menor sentido para mim.

– O sentimento pulsa será devorado pela escuridão. Esta passagem fala de corações sendo devorados. E sabe que tipo de criatura fazia isso, não é mesmo?

– Ora major, os Yrkun-Nasca estão extintos. Há de ser outra explicação.

– A escuridão que retorna! Eu e Argos vínhamos investigando sobre isso. Há um covil de Vorn-Nascas. Pensamos que eles buscaram recriar, ou então, despertar um Yrkun-Nasca.

Oleksei lembrou-se do depoimento de Gregorvich no desfecho do caso. Algo que o Vorn-Nasca havia dito. Uma ameaça. Todos sofreriam. Algo sobre o Chefe.

– Está acontecendo... – murmurou Drakeen. – Isso é muito sério, Agente Oleksei! Preciso de um grande favor seu.

– Mais um? – Oleksei coçou a cabeça.

– Sim. É sobre um novo membro do covil dos Vorn-Nasca. O caçador Patru Grachev. Sabe quem é?

– Está em nossos registros. Mas por que um caçador estaria envolvido com os Vorn-Nascas?

– É que ele está morto.

– Como assim?

– Há pouco tempo, seu corpo foi possuído por um furkenbolg.

– Essas coisas também não foram extintas?

– Certamente que não. Este covil está reunindo diversas criaturas da escuridão a seu redor. Estou convencido de que os líderes do Tentáculo são criaturas das trevas unidas em prol de algo sinistro.

– Está bem, mas o que quer que eu faça?

– Localize Patru Garchev. Siga seus passos. Ele pode ser a chave para localizarmos o covil.

– Não vou perguntar como você ficou sabendo dessas coisas Major, mas se estiver certo...

Drakeen apertou o braço de Oleksei com força — Estou! Apenas confie em mim.

A Queda de DurkheimWhere stories live. Discover now