CAPÍTULO XI - Última Parte

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A dor era como a de um flecha atravessando sua cabeça - ou pelo menos era isso que imaginava -: aguda e incessante. Desejava que assim fosse, porque pelo menos teria um jeito de puxar para fora o que estava matando-a. Seu corpo ainda pulsava de maneira incômoda e o conjunto não deixava-a dormir. Se estava desse jeito com o treinamento em Ciantera, não conseguia pensar como estaria se não o tivesse feito. “Provavelmente se contorcendo e gritando…”. Levantou-se da cama com cuidado para não acordar a amiga, pegou sua capa para proteger-se da fria madrugada e saiu do quarto. 

Foi até a sala pensando em ficar num sofá, mas Dan’han não tinha um. Lembrou que não era esse tipo de visita que ele recebia em casa. As últimas três semanas no casarão foram ótimas para economizar e conhecer mais o novo companheiro - que, mesmo com hóspedes na casa, não deixou seus desejos de lado -. “Machista e mulherengo”, como disse Karin. No fundo era um cara legal que precisava de alguns corretivos, e a mencionada estava empenhada na tarefa. Saiu pela porta dos fundos - que ficava em direção ao estábulo - e ao fechá-la acabou fazendo pouco barulho. Torceu para não ter acordado ninguém. Sentou-se nos gelados degraus de pedra e ficou a observar o céu ainda estrelado. As noites estavam começando mais cedo por algum motivo desconhecido, e agora os dias começariam mais tarde por conta da Época de Mahina. 

A brisa gélida pareceu melhorar suas dores, ou talvez fosse só a distração de olhar os pontos brilhantes no véu negro ao alto. Se deitasse ali, certamente dormiria. Estava pronta para voltar para a cama quando ouviu relinchos vindo do estábulo. Além do barulho do animais, ela jurava sentir o medo que Renhvid sentia. Não pensou duas vezes e correu até o local. Quando chegou às baias, todos os cavalos pareciam agitados, especialmente o corsel branco. Ela entrou no recinto e tentou acalmar o quadrúpede. Dan’han apareceu pouco depois com um lampião em mãos, seguido por Lucius. Com os equídeos mais tranquilos, os dois Guardiões vasculharam o local. Não havia ninguém ali…

Sallah saia da baia quando eles voltaram ao encontro dela e ela notou uma poça ao chão, bem em frente ao espaço de Renhvid. Tomou o lampião da mão de Dan e abaixou-se. Era água. Olhou melhor a sua volta e viu respingos. Uma trilha deixada por alguém que entrara ali molhado. Não haviam pegadas, apenas manchas d’água. Mas não chovera naquela noite, então de onde teria aparecido alguém ensopado daquela maneira? Saíram os três do estábulo e dividiram-se para checar o perímetro. Nada… Dan’han desta vez trancou o grande portão de madeira do recinto e retornaram para a residência. Seja quem fosse que aparecera ali, já estava longe. 
   
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Após a grande insistência de Lucius para que ficasse e repousasse, Sallah cedeu e permaneceu na cama. Karin e Lucius saíram logo cedo para buscar os mantimentos necessários para seguirem viagem no dia seguinte e Dan fora até o estábulo dar mais uma checada no que poderia ter acontecido. Todos os animais estavam bem, sem machucados ou qualquer sinal de que tiveram suas baias invadidas. A trilha deixada estava quase seca, sobrando ainda parte da poça em frente Renhvid. Abaixou-se e molhou as pontas dos dedos naquela água, levando-os próximo ao nariz. Tinha um cheiro peculiar, “cheiro de bicho molhado”, concluiu. Conferiu os rastros novamente. Era difícil dizer agora se pertenciam a algum animal, mas explicaria o motivo de todos os cavalos terem ficado aflitos. Entretanto não explicava como a criatura teria aberto o portão fechado - sem o cadeado, que ele só colocou de madrugada -.
Voltou ao corsel branco. Na baia ao lado estava o enorme cavalo de Lucius e, por algum motivo, os comparou. Uma interrogação surgiu em sua cabeça. Correu buscar a sela que fizera para Renhvid e tentou colocá-la no equídeo. O animal já estava mais habituado a ele também então não teve qualquer dificuldade. Colocou a manta protetora sobre as costas do quadrúpede e veio em seguida com a sela. Como não tinha notado antes? Na verdade, como ninguém notara? O cavalo estava enorme! Quase tão grande quanto Caranthir. Cresceu tão aos poucos, mas ao mesmo tempo tão rapidamente em pouco tempo que ninguém havia percebido. Bufou silencioso, irritado por ter perdido a aposta - consequentemente o belo animal - e por ter percebido que teria que fazer outra selagem para Renhvid.

Sallah tentava dormir. Seu corpo já estava mais habituado ao novo poder, mas seus sentidos recém aguçados ainda lhe incomodavam. O farfalhar da grama era um som muito mais profundo que já fora, o aroma da brisa, o cheiro das montanhas, era diferente e ela conseguia distinguir as partículas de poeira pairando à sua frente. Era assim que os Guardiões viam o Mundo? Rolou na cama por algumas horas até que, enfim, foi vencida pelo cansaço.

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Lucius e Karin retornaram pouco antes de Antares se pôr. A viagem para Delëndíl seria a mais longa que fariam - tirando a viagem no barco de Hallam - então a quantidade de suprimentos era maior. Teriam que cruzar a enorme cordilheira pelas montanhas. Não havia passagem pelos vales. Karin ouvira em Mérwen que a outra cidade élfica ficava no meio de uma frondosa floresta, com árvores tão grandes quanto algumas montanhas. Estava ansiosa para chegar lá.

Partiriam assim que Antares nascesse. Lucius escolheu um outro cavalo para Sallah, que permanecia dormindo e assim a deixaram. Dan’han ficaria na fazenda com Renhvid para ver o quanto mais o animal cresceria para então tirar novas medidas. Combinaram em retornar à Selenthar com as informações que esperavam adquirir com os elfos e para que Dan os acompanhasse na jornada.

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Para compensar a burrice a pessoa, tá aí o capítulo pulado, de uma vez 🤦🏻‍♀️

"Ai que burrrra, dá zero pra ela"
😅😅😅

Silver Leaves - O Dragão Negro (COMPLETO - SEM REVISÃO)Where stories live. Discover now