CAPÍTULO IV - Parte 2

160 37 54
                                    

Sallah acordou com batidas à porta. Levantou-se e viu que suas roupas ainda estavam úmidas então enrolou-se na coberta da cama e foi atender o chamado. Era Alassiel com as vestes que Ariandar havia costurado.

- Vista-se e vamos comer. - a cianterana sorriu.

A jovem colocou o modelito feito pelo alfaiate, uma espécie de roupa de banho feita de couro de peixe, só que ainda possuía as negras escamas. O tecido era maleável, mas ao mesmo tempo a couraça era resistente. O "body" de gola alta - com fechamento nas costas em um fitilho de couro entre-cruzado até o meio dela - não lhe cobria completamente o torso. Havia um vão em seu colo, deixando à mostra a junta de seus seios, e outro que começava logo abaixo deles, que ia até a linha superior de seu quadril. Não estava se sentindo confortável com toda aquela pele exposta. Teve um pouco de trabalho para fechá-lo sozinha, mas nada que não se acostumasse.

Abriu a porta e Alassiel ainda a aguardava ali. Foi então que Sallah reparou o padrão das escamas da mulher e a comparou com sua roupa. Tentou por um instante lembrar-se da cianterana que a ajudou naquele fatídico dia e percebeu que o velho havia seguido o biotipo das fêmeas de sua espécie para criar aquela vestimenta. Isso a deixou menos constrangida.

Elas seguiram até o salão de vidro. À mesa havia outros cianteranos se alimentando de um enorme banquete: peixes de vários tipos e cores, servido de maneiras diferentes; plantas de todas as formas e texturas; e até alguns frutos, que com certeza eram todos marinhos, porque Sallah nunca tinha visto nenhum deles antes. A jovem estava se sentindo o peixe fora d'água, ou no caso, a humana dentro d'água. E achou certa graça nesse pensamento. Neste momento entendeu o que era o aperto no peito da hora que deitou-se para dormir, pois sentiu saudade de Lucius. Sentiu falta do amigo com quem poderia compartilhar a brincadeira. Todos eram extremamente educados e polidos ali embaixo. Tratavam-na muito bem, mas era impossível não notar os olhares curiosos e os cochichos entre alguns. Sentiu de novo o rebuliço no peito... Ganhara outra casa não tinha tanto tempo assim, mas já estava apegada a ela.

Mestre e aprendiz comeram tranquilamente e depois foram para a água. Deste vez, Sallah nadou por conta própria. Alassiel seguiu na frente, guiando-a e mantendo o ritmo da humana, mas não a auxiliou. O treinamento já havia começado. Elas chegaram a uma grande arena onde encontraram armaduras e muitas armas. A cianterana deu alguns minutos para a outra recobrar o fôlego e aproximou-se com duas anilhas e duas caneleiras:

- Isto vai mantê-la ao chão... - falou já prendendo os acessórios na humana.

Sallah afundou rapidamente com os três quilos extras presos a sua cintura e outros dois em suas pernas.

- Precisamos melhorar sua resistência e esse exercício, além de fazer isso, a deixará mais ágil.

- Certo... - a jovem logo percebeu que não seria fácil.

- A intenção é aumentar a carga conforme você for se acostumando a ela. - a mulher continuou com simplicidade. Aquilo fez a outra engolir em seco e, se estivesse na superfície, certamente estaria suando frio.

Após explicar como seria o treinamento, Alassiel deu espaço para que Sallah pudesse começar.

__________________________________

Uma semana passou-se somente com a corrida e treino para ganho de resistência naquele espaço. Os primeiros dois dias foram os mais difíceis. O corpo ficou extremamente dolorido e teve dificuldade para se adaptar. No terceiro dia, Alassiel subiu mais um quilo na carga de Sallah e no quinto dia, a Cianterana acreditou que a jovem estava pronta para iniciar outro tipo de treinamento.

A mulher entregou um longo bastão à moça e pegou um para si, girando-o para um lado e para o outro rapidamente. Resistência da água pareceu não existir, o que deixou Sallah boquiaberta por um segundo. A instrutora repetiu os movimentos, desta vez vagarosamente e explicando à aprendiz como fazer. Aqueles eram gestos apenas para alongamento e coordenação para a jovem acostumar-se com a nova arma. O equipamento não era muito leve, mas se movimentar embaixo d'água agora era mais simples. Sallah mantinha-se sempre com os pesos presos ao corpo, e sempre que Alassiel percebia que sua mobilidade estava fluida, adicionava mais um pouco de carga. A humana aprendeu com facilidade a lutar com o bastão.

Ela deveria estar ali há pelo menos trinta dias, não sabia muito bem contar o tempo nas profundezas, esperava apenas que os cianteranos tivessem um hábito de sono similar ao de sua espécie.

Arael tomou posse do treinamento por um tempo. Em uma sala grande, na área de Ciantera que não tinha água, com um piso levemente acolchoado, o cianterano acreditou que ensinar alguns movimentos de combate corpo-a-corpo e defesa pessoal não fariam mal à jovem. Sallah ainda usava as caneleiras e passou a usar munhequeiras com pouco peso fora d'água. As anilhas foram dispensadas. Era bom sentir seu corpo mais leve. Conforme a humana evoluía no seu treinamento, os cianteranos curiosos juntavam-se para assistir e alguns até aproveitavam para uma breve luta com a moça, que na maioria das vezes perdia. Lutar corpo-a-corpo com os cianteranos era difícil, eles tinham uma pele lisa e consideravelmente escorregadia, como a de um golfinho. O truque era segurá-los pelas áreas cobertas pelas placas escamosas, mas ainda sim tinha dificuldade.

Com os ensinamentos físicos bem desenvolvidos e os dias passando cada vez mais rápido, estava na hora de mostrar à humana como usar a ciantera, a pedra mágica do reino. Sallah não havia mexido na joia desde que chegaram à cidade submersa. Alassiel, Arael e a jovem saíram do castelo e foram a uma caverna. Foi a primeira vez que a moça nadou sem peso algum preso ao seu corpo. Estava mais veloz. Não se comparava a um cianterano, que possuíam uma longa cauda e barbatanas que os impulsionavam com força, mas estava mais rápida. Conforme adentravam a gruta, um brilho azul aumentava. Notou que a pedra na testa dos dois acompanhantes passou a brilhar, juntamente com a joia de seu avô que fora guardada numa pequena bolsa pendurada em sua cintura. Chegaram a um grande rochedo, com enormes cristais aflorando dele. Ali estava toda a fonte do minério mágico.

Alassiel posicionou Sallah bem no centro do salão:

- Você deve agora tentar sentir toda a energia deste lugar... Depois foque na sua pedra... - a mulher se afastou.

A jovem retirou o seixo da bolsa, segurou-o com as duas mãos, fechou os olhos e, inerte, concentrou-se.

Horas se passaram e a moça mantinha-se compenetrada no seu exercício.

- Aposto que ela leva pelo menos quinze dias para conseguir a conexão... - Arael sussurrou para a irmã.

- Dez dias... - a mulher discretamente estendeu a mão para que ele a apertasse.

Mais um tempo se passou e já estava na hora de se retirarem. Chamaram Sallah e retornaram para a cidade. Chegaram em tempo para sentar-se com muitos à mesa da cúpula de vidro e confraternizar um pouco.

A moça humana acabou fazendo amizade com seus dois treinadores e uma outra jovem cianterana, Alyndra, que foi a guerreira mais nova que estava junto de Aerandir e Arael no rio, no dia do resgate. Alassiel estava ao lado de seu parceiro, e comentava sobre a aposta dela e do gêmeo.

- Cinco dias. - Aerandir posicionou-se.

- Você realmente acredita nessa menina. - a mulher sorriu.

O charmoso cianterano sorriu de volta.

- Devo confessar que ela aprendeu coisas com mais facilidade que muito recruta nosso... - ela continuou.

- Provavelmente por também ser uma Guardiã. Não é a toa que você e seu irmão são os melhores soldados aqui... - ele passou a mão pela cintura dela e lhe deu um beijo na bochecha.

Após o jantar, os cianteranos se recolheram e Sallah estava em seu quarto, sentada em sua cama-concha, observando a pedra. Lembrou-se da noite em que chamou Aerandir usando a joia e de como Lucius falou para tentar com o coração. Dormiu com este pensamento.

Silver Leaves - O Dragão Negro (COMPLETO - SEM REVISÃO)Dove le storie prendono vita. Scoprilo ora