CAPÍTULO X - Parte 2

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Karin era o despertador oficial do grupo. Acordava sempre pouco após o nascer de Antares. Saiu da cama e já abriu as cortinas do quarto que estavam logo a sua frente. Lucius - na cama ao lado - cobriu os olhos com o antebraço e Sallah - que ficara na cama colada à parede - encolheu-se e escondeu o rosto no travesseiro. O jovem sentou-se contra a luz, de frente para a amiga que, ainda com muito esforço, saia de baixo das cobertas. Ela enfim sentou-se e Lucius a olhou com incredulidade, como quem pergunta "Você aguenta isso todo dia de manhã?" e Sallah, que pareceu ler os pensamentos dele, deu de ombros e sorriu. Quando acampavam a céu aberto nas viagens, era natural acordarem todos juntos com os primeiros raios de luz, mas sob um teto não precisavam despertar tão cedo.

Lucius saiu primeiro, dando licença para as duas se trocarem - essa tarde buscariam outro lugar, era impraticável permanecerem desse jeito. As moças saíram já com suas bagagens e o rapaz entrou para arrumar-se. Encontraram-se na recepção da hospedagem e pegaram os dois cavalos. Era uma boa hora para ir atrás do terceiro. Seguiram em busca de fazendas que criassem o animal.

Caranthir sempre foi uma montaria que chamava atenção devido seu tamanho fora do normal, mas em Selenthar o quadrúpede era o centro das atenções. Como fora dito em Tagmar, a cidade era o melhor local para compra de cavalos, então muitas ofertas surgiram em cima do animal de Lucius, que começava a se irritar com as insistências. Após alguns leves conflitos com outros cavaleiros, finalmente deixaram-os em paz.

O novo cavalo era para Sallah, então Lucius queria que a amiga o escolhesse. Mas a jovem não sabia qual seria um bom espécime, passando a responsabilidade para o rapaz - que no final das contas agradeceu aos Dragões pela decisão da Guardiã, uma vez que ela era inocente e facilmente influenciada pelos vendedores -. Eles procuravam um animal com três a cinco anos - Caranthir tinha quatro e o cavalo, Delilah, de Karin, seis.

Chegaram à uma fazenda em que, ao longe, via-se uma pessoa trabalhando a doma de um jovem cavalo branco em um redondel. Foram atendidos por um senhor de cinquenta e poucos anos e olhos miúdos que entregavam seu cansaço. Lucius explicou o que procuravam e o que podiam pagar e o velho de pele queimada por Antares foi buscar o solicitado. Sallah nesse tempo ficara a observar o filhote ao longe. Curiosa, saiu em direção ao espaço sem falar nada. Ela já estava no meio do caminho quando os amigos a perceberam longe. Conforme se aproximava, percebeu que aquele era o cavalo que gostaria. A beleza do puro branco do animal era hipnotizante.

Apoiou-se no cercado para admirar a montaria e logo Lucius e Karin a alcançaram. O homem que estava ao centro do redondel segurava a extremidade de uma corda presa ao cabresto do equídeo. Após um comando de voz, parou o cavalo e o tentou acariciá-lo quando se aproximou dele, mas o animal parecia arredio. Amarrou a corda a um pequeno tronco no centro do círculo e dirigiu-se a jovem com um sorriso no rosto - era tudo que a sombra de seu chapéu permitia ver. Saiu pela porteira logo ao lado. Quando chegou à frente da moça, educadamente retirou o acessório de sua cabeça e fazendo uma sutil reverência apresentou-se:

- Dan'han, muito prazer. - os cabelos eram curtos e loiros claríssimos, bagunçados pelo chapéu recém tirado - Em que posso aludá-la, senhorita...? - devolveu a peça de vestuário ao seu local e estendeu a mão a ela.

- Sallah. - sorriu e retribuiu o gesto. Teve sua mão levada até os lábios do homem, que galantemente a beijou. Os olhos azuis como o céu do rapaz estavam fixos nos dela. Ela encabulou-se.

Lucius pigarreou alto. Karin notou um pequeno ciúmes ali. Dan'han fingiu que não ouviu e então fez o mesmo com a outra jovem, que acabou cedendo-se ao cortejo, ficando também envergonhada - aquele era sem dúvida um dos homens mais bonitos que já vira -. Por fim, ele cumprimentou Lucius apenas com um meneio de cabeça. O Guardião estava prestes a falar algo quando o senhor apareceu com dois cavalos, um castanho escuro de crina negra, e outro castanho claro de crina creme.

Sallah se aproximou dos animais, sabia que tinha que escolher um deles, mas alguma coisa dentro dela dizia para escolher o branco do redondel - que desde que Dan'han suspendera o treinamento, mostrava-se agitado. Ela acariciou o mais claro e voltou-se novamente para o cercado, até que enfim perguntou:

- Tem algo de errado com ele? - referia-se ao corsel no espaço.

- Estou tentando domá-lo. Apesar de ter nascido aqui, não se dá muito bem com humanos... - o treinador explicou.

- Alguns animais não existem para serem domados... - falou baixo - Posso...? - a jovem estava a frente da porteira, querendo entrar.

- Não recomendo... - mesmo com a negativa, ela abriu uma fresta no portão e esgueirou-se vagarosamente para dentro. Ele fez menção de quem ia impedi-la, mas Lucius o parou pousando a mão no ombro dele.

- Ela tem um certo jeito com animais... - observava a amiga atentamente.

- Tsc. Jeito? Eu estou há mais de dois anos tentando! - olhou a jovem que aproximava-se devagar do cavalo com as mãos na altura do peito, como quem mostra que não está armado.

Lucius riu da subestimação de Dan'han em relação a Sallah:

- Se ela conseguir, nos dá um desconto nele?

- Se ela conseguir, eu dou ele! - ele rira da própria proposta, descrente.

O animal ainda mostrava-se inquieto, andando de um lado a outro. Sallah parecia sentir a ansiedade do corsel, sua aflição de estar confinado e seu medo. Ela tentava encontrar os olhos dele na sua agitação. Sempre que olhava Caranthir nos olhos sentia uma paz sem tamanho, e ela queria transmitir esse mesmo sentimento ao jovem cavalo. Com passos lentos e sem movimentos bruscos ela chegava cada vez mais perto do animal e quando seus olhares finalmente se cruzaram, o animal mudou de postura, se mostrando mais curioso do que arredio. A jovem parou. Agora tinha a atenção dele - e de todos os outros do lado de fora - e queria tentar algo: Lucius parecia conversar com Caranthir apenas com o olhar, então queria fazer o mesmo com o equídeo. Ela torcia para transmitir o que pensava: "está tudo bem" e "ninguém vai lhe machucar".

O belo cavalo finalmente pareceu mais tranquilo, e somente nesse momento Sallah voltou a se aproximar, ainda mostrando as mãos e em pacientes passos. Parou novamente a apenas um metro de distância do animal e esperou. Lucius sorria satisfeito com a incredulidade no olhar do homem ao seu lado. "Acho que você vai perder seu cavalo", falou baixo, mas Karin que estava ao lado lançou um "shh" para o amigo. Ela também estava atenta a todo movimento da amiga. O quadrúpede esticou o pescoço para cheirar a pessoa a sua frente. Cheirou-lhe as mãos e deu um passo à frente, cheirando-lhe os cabelos e o rosto. A jovem permanecia imóvel, mas com um sorriso no rosto. Fechou os olhos e riu de leve quando o acinzentado focinho macio do animal encontrou sua face. Ele afastou-se e bufou.

O cavalo estava mais calmo, mas Sallah não tentou se aproximar mais - queria mostrar a ele que seu espaço seria respeitado. Andou de costas até o portão, ainda sem movimentos bruscos. Estava a pouco mais de um metro e meio de distância do corsel quando ele começou a acompanhá-la. O redondel tinha vinte metros de diâmetro e, quando ela enfim chegou a porteira, o quadrúpede parou de segui-la. Ela saiu e ouviu palmas lentas - e um tanto sarcásticas - vindas de Dan'han.

- Nada mal... - ele disse estendendo a mão direita para cumprimentar o sucesso da jovem, que se aproximava do restante do grupo.

Ela o cumprimentou igualmente. Quando soltaram as mãos, o homem notou um leve brilho na orelha esquerda de Sallah e concentrou-se para identificá-lo. Sem sucesso, levou a mão em direção ao rosto dela. Lucius - não confiando no sujeito - rapidamente o interceptou, segurando-o antes que chegasse onde queria.

- Calma lá. - Dan'han ergueu a mão livre em sinal de rendição - Só quero ver o brinco da moça...

Lucius soltou ressabiadamente o braço do homem, que colocou a mecha do cabelo de Sallah que cobria o objeto para trás da orelha dela. A expressão dele mudou, e outros entenderam que ele já avistara o pingente de folha prateada antes.

- Que tal se ficarem para almoçar? Eu adoraria a companhia de duas belas mulheres à mesa... - ele olhou para as moças com um sorriso - Além de que acho que temos o que conversar... - finalizou puxando um cordão de dentro de sua camisa, revelando uma folha igual.

Lucius revirou os olhos, "Jura que esse cara é um Guardião?". Concordaram em ficar, afinal sabiam que precisavam reunir os Guardiões que encontrassem.

***

Silver Leaves - O Dragão Negro (COMPLETO - SEM REVISÃO)Where stories live. Discover now