Saí do hospital quase sem sentir as pernas, estava doendo tanto a perda dela que parecia que o mundo havia parado de girar. Comecei a caminhar sem rumo nas ruas, eu não sabia para onde estava indo naquela noite, só sabia que queria me afastar o quanto pudesse daquele hospital. Passei vários minutos caminhando até que alguma coisa me fez parar e sentar numa calçada. Fiquei observando o movimento de pessoas e veículos, até que um estalo veio em minha mente: perdi minha família!

Comecei a chorar descontroladamente ali, sentada numa calçada no meio da rua. Várias pessoas passaram por mim e eu senti o olhar de estranheza delas, deviam achar que eu estava bêbada ou drogada, mas eu não me importava com nada naquele momento, a dor era tão grande que chegava a me sufocar. Chorei por um bom tempo naquela calçada e continuaria lá se não fosse por uma pessoa que, dentre várias que passaram por mim, decidiu parar.

-Moça o que aconteceu? - perguntou uma mulher muito bonita de olhos castanhos e cabelos compridos.

Eu não conseguia responder, eu só conseguia chorar.

-Qual seu nome? - perguntou a mulher novamente.

Na minha cabeça eu estava respondendo todas as perguntas dela, mas o meu corpo não permitia que eu fizesse isso. O choro descontrolado e os soluços misturados com espasmos me impediam de falar qualquer coisa.

-Olha, eu sei que você não me conhece, mas agora eu vou abraçar você até você ficar mais calma e conseguir se comunicar comigo, tá bom? - falou a mulher tentando me ajudar.

Balancei a cabeça confirmando para ela e então ela me abraçou, me abraçou de verdade, forte e ficou lá comigo até que eu ficasse um pouco mais calma.

Quando finalmente consegui controlar meu choro, senti o cansaço da dor e o sofrimento em mim. A mulher me largou e perguntou:

-Qual seu nome?

-Ana - respondi baixo e com a voz rouca de tanto chorar.

-Certo Ana, consegue me dizer o que aconteceu? - perguntou ela 

-Eu perdi tudo o que eu tinha! - falei já soluçando e recomeçando a chorar

-Como assim? Você foi assaltada? Me explica. Como eu posso te ajudar? - perguntou mais uma vez a mulher.

-Eu perdi minha família. - falei olhando para ela entre os meus soluços e desabei novamente.

Quando disse isso, algo no olhar dela mudou, ela pegou meu rosto com suas duas mãos obrigando-me a olhar diretamente para ela e disse:

-Você vai ficar bem, eu vou te ajudar, tá bom? Você deixa? - perguntou

Eu estava sem forças para nada, eu não sabia quem era aquela mulher e nem o porquê de ela querer me ajudar, mas, naquele momento, nada mais fazia sentido na minha vida, então eu aceitei a sua ajuda.

E foi a melhor coisa que me aconteceu. Aquela mulher me ergueu e não me deixou desistir de tudo, ela me ajudou no momento mais difícil da minha vida e eu devo muito a ela.  

Hoje tenho a casa que minha mãe me deixou e que eu amo de paixão morar nela, mesmo após sua morte. E também tenho aquela mulher que se dispôs a sentar numa calçada suja e fria comigo e depois a levantar-me de lá com ela. Hoje, tenho Melissa como família, assim como ela também me tem como a sua.

Quando descobri que Melissa havia perdido todos que amava quase não acreditei, admirei a sua força e o seu empenho em tentar seguir em frente. Mesmo tendo conhecido ela dois anos após a morte da sua família, também presenciei momentos de recaídas dela, em que ela sofreu bastante.

Ela nunca me contou ao certo o que aconteceu com sua família, só sei que foi um acidente de carro, mas tem algo mais nessa história. Todos os dias 22 de cada mês Melissa visita os túmulos de seu familiares, pois foi o dia do acidente. Desde que a conheci eu a acompanho nas suas visitas, pois ela sempre sai muito abalada.

Sei que Melissa guarda alguma coisa que a machuca bastante sobre o acidente dos seus pais, pois ela sente culpa. Diversas vezes eu a ouvi dizer, quando chorava, que queria ter feito mais, que se sentia uma fraca. Então eu  acalmava ela e quando perguntava sobre aquilo ela fugia do assunto, desconversava.

Melissa é muito reservada quanto a sua família e eu respeito isso, tenho consciência de que ocorreu algo mais e que Melissa sabe o que é, mas respeito o seu espaço. Apesar de sermos muito próximas, Melissa também não revela muito do que fez nos dois anos após a morte da sua família, ela diz que é um assunto muito delicado e que é passado. Ela fala que quer superar e esquecer esse passado, mas sinto que tem algo que consome ela e eu vou sempre respeitar o seu silêncio quanto a isso, se algum dia ela quiser me contar eu estarei aqui.

E se ela também decidir nunca me contar, eu não vou me chatear, eu já tenho mais do que eu preciso dela, ela é minha parceira de todas as horas.

Saio dos meus pensamentos quando o despertador toca.

-Desliga esse troço! - acordou Melissa irritada com o barulho.

-Já estou desligando...

Bom, esqueci de dizer que ela é um pouco chata também!

Organizei-me e fui para o meu trabalho, deixando a chatinha dormindo lá. Sei que ela vai ficar puta da vida quando ver meu bilhete de "Lave a louça. Você não tem empregada!", mas, quem nunca se aproveitou de uma visitinha de seu familiar e colocou ele para fazer as SUAS atividades domésticas que atire a primeira pedra!

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CONTINUA…

Sábado, 04•01•20.

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Um bônus da história de Ana e de como conheceu a Mel. Espero que gostem.

E bom, eu já disse, mas vale reforçar: Melissa promete!!!

Beijos e boa leitura!❤️

Até o próximo capítulo...

APOLO FERRARIOnde as histórias ganham vida. Descobre agora