A beira do abismo (30)

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Lôbrega!
Essa era a palavra que me definia nesse exato momento ao terminar de ler o diário da Ayla.

Era quase (cinco) da manhã e ainda estava na mesma posição que me acomodei ao subir na cama, a diferença era que agora estava com os olhos inchados, corpo trêmulo, e sentindo muita dor em meu peito, como é possível? Como pude fazer tanta barbaridade com ela?

Meu coração estava em pedaços, uma agonia sem fim, sentia o tremor sair dos meus pulmões e percorrer pelo timo e seguir até meu estômago, sentindo uma descarga elétrica invadir meu estômago como se fosse explodir, como fui capaz?
Fui a primeira pessoa que ela sentiu vontade de beijar, fui a primeira pessoa por qual ela se apaixonou, e eu a tratei tão severamente a ponto dela ter medo de mim. Minha cabeça estava girando como uma esfera de cálcio a 600 milhões de rpm, só faltava mesmo era sumir, pois, já estava entrando em colapso, como pude ser tão cruel? Por que eu não cogitei o fator de que poderia ter sido correspondida? Por que eu não me permiti deixar ela entrar? Por que eu quis afastar ela de mim?
Meu Zeus! Agora ela tem medo... por isso que a cada toque, ela se afasta, não era apenas impressão minha, era real, ela se esquiva, ela tem medo que a machuque novamente. Fui sua maior decepção... uma menina que sofreu tanto, e mesmo assim era sempre tão doce, tão prestativa, uma menina que nunca soube o que era um amor de mãe, que se sente culpada pela morte do pai e da irmã, com tantos traumas e sofrimentos, e eu apenas ajudei ela a se afundar mais ainda nesse poço de solidão, humilhando-a, agredindo-a, porquê?
Porque eu sou covarde, porquê não queria aceitar que ela mexia comigo, que ela era diferente, me fazia pensar inconscientemente nele, porque eu não quis admitir que uma pessoa do mesmo sexo me despertasse algo e ainda quis camuflar isso pelo fato dela ter se negado a me dar um filho. Como eu pude ser tão homofobica dessa forma? Como pude bater, fazer comer resto de comida do chão apenas para camuflar o meu desejo e fazê-la me odiar para assim não correr o risco de eu ceder a tentação?

Ela não sente mais vontade de me beijar, não sente mais vontade de sentir meus toques acidentais, como li no começo da leitura do diário, nem tampouco está comigo, agora ela sente apenas medo.
De certa forma consegui chegar ao meu objetivo, mas agora eu quem quero tudo o que ela mais desejou, mesmo que isso seja contra todos os meus princípios, eu quero ter ela em meus braços, porque eu não cai na real antes?

Chorar! Era isso que me restava, continuar a chorar, assisti a aurora pela janela do meu quarto enquanto estava em prantos, não havia nem sequer fechado as cortinas de tanta ansiedade para continuar lendo seu diário, para quê? Para descobrir que eu seria correspondida caso permitisse que ela entrasse na minha vida, para ver que o seu amor por mim se transformou em pânico, para ver que ela era apenas uma garota maltratada pela vida e só precisava de alguém que desse um pouco de atenção a ela?
Oh! Como isso machuca, como me destroça.

Ouço movimento pelo corredor, levanto-me assustada, poderia ser ela, vou até a porta, suspiro aliviada, era uma das empregadas... que raios ela fazia ali tão cedo?
Olho para o relógio e me assusto, como pôde? Alguns minutos atrás não era nem cinco da manhã?
Respiro fundo tentando conter o choro, pego aquele maldito diário que me mostrou tantas malditas verdades e sigo em direção ao quarto de Ayla, guardo onde havia pegado, volto para meu quarto, tiro minha roupa e caminho em direção ao banheiro, não faço ideia quanto tempo fiquei ali, estava acabada fisicamente e mentalmente. Quando desci as escadas, Ayla já estava sentada no sofá.

— Bom dia! Por que não me esperou para te ajudar no banho? — Questionei ao notar que ela já havia feito sua higiene matinal, pois, estava com os cabelos molhados e com outra roupa.

— A senhora está bem? — Ela parecia preocupada.

Por que ela se preocuparia comigo? Isso é ridículo Norma, ela tem medo, senti meu coração apertar novamente, parecia que minhas costelas se contraiam até esmagar ele, meus olhos pareciam úmidos, engoli a vontade de chorar. Balancei a cabeça em concordância.

— Já tomou café? — Questionei respirando fundo para não chorar e afastar meus pensamentos.

— Estava esperando a senhora dizer se eu poderia. — sua voz era insegura.

Mordi minha bochecha internamente, Ayla estava de cabeça baixa, entrelaçando um dedo no outro, parecia nervosa. Estava com medo! Deduzi.
E mais uma vez meu peito palpitou de forma dolorosa. Me aproximei dela lentamente e conforme dava passos para frente, Ayla dava passos para trás, mais uma vez percebi o quanto ela tinha medo de mim. Suspirei.
Parei, evitando tentar me aproximar mais dela, tinha perdido a capacidade de agir naturalmente perto dela. Agora sabendo tudo que ela sentia, parecia que eu não sabia mais ser eu, mas em que momento eu fui eu, com ela? Talvez o momento em que eu a beijei? Ou quando me aproximei dela com a intenção de convencê-la a gerar um filho meu e acabei me interessando de outra maneira e só percebi quando ela me beijou?

— Ayla — falei suavemente, tentando transparecer calma — você pode comer a hora que quiser, sem esperar por mim, você pode estar grávida e está anêmica, precisa se alimentar bem.

Ela apenas balançou a cabeça em concordância, dando a entender que havia entendido, permaneceu exatamente na mesma posição de quando havia se levantado do sofá, às mãos uma na outra e a cabeça baixa, isso me partiu mais uma vez o coração.

— Vamos! — chamei, seguindo para mesa do café da manhã, já eram quase nove.

Sentei no meu lugar de sempre, Ayla sentou três cadeiras longe de mim, e em nenhum momento ousou levantar a cabeça, optou pelo básico apesar de ter varias opções, isso me fez cogitar que ela estava com medo de eu a repreendê-la.

— Sentiu alguma dor? — Questionei preocupada com a noite dela. Ela apenas balançou a cabeça em negação. — Algum incômodo?

Ela me olhou apreensiva, mais rapidamente desviou o olhar, meu coração dessa vez parou de bater por alguns segundos e a preocupação se fazer presente em minha face.

— Senti um tipo de ardência acho que no ventre, não sei, não era cólica, mas era algo incomum. — Ela sussurrou.

Levantei-me as pressas, peguei o telefone e busquei o número do médico, pedi para que ela comesse rápido, pois, retornariamos ao médico. Ela parou de comer imediatamente, disse que a hora que eu quisesse ir, ela iria, subi para pegar minha bolsa e fomos o mais rápido possível para a clínica, como não tínhamos agendado antecipadamente, tivemos que aguardar alguns minutos, assim que entramos contei nossa preocupação para o médico, ele sorriu, isso me deixou um pouco irritada, como ele podia rir no momento grave como esse?

— Isso é normal, não precisam se preocupar, são os raros "incômodos" pela inseminação.

Ao ouvir suas palavras, conseguir relaxar e soltar o ar que eu nem fazia ideia que estava prendendo.

— Doutor, eu posso tomar banho sozinha sem correr risco de prejudicar a inseminação? — Ayla questionou timidamente.

O médico olhou para mim e olhou para ela e sorriu mais uma vez, e olhando para mim disse que ela poderia seguir com a vida dela normalmente, apenas evitar extravagâncias, bem, não era muito diferente do que ela já havia dito antes.

— Pelo menos por esse três dias é bom ter mais cuidado, não é? — rebati para ela perceber que eu não estava exagerando.

— Claro que sim, mas às coisas básicas como tomar banho, pode fazer sem preocupações. — ele proferiu.

Me levantei e estendi a mão para ele em agradecimento, ele nos tranquilizou mais uma vez e lembrou que Ayla precisava se alimentar melhor, concordei com a cabeça e retornamos para casa, durante o percurso Ayla murmurou que tinha questionado isso para que eu visse que ela não tinha colocado nada a perder tomando banho sozinha e para que eu pudesse ficar mais calma.

Minha mente voltou nas linhas escritas do seu diário, olhei para ela por alguns segundos e sorri, ela não estava olhando para mim, estava atenta para a janela, toquei em seu joelho, mas ela retraiu, me fazendo tirar a mão rapidamente dali. "Ela tem medo de você Norma." Falei mentalmente sentindo um aperto no peito.

— Quer fazer alguma coisa?

— O que a senhora quiser. — Ela murmurou desanimada.

A beira do abismo Where stories live. Discover now