A beira do abismo (14)

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Já passava das 16h e eu estava azul de fome, com a cabeça doendo por forçar tanto a vista, respirei fundo colocando as mãos na cabeça, logo deixando ela pousar em cima dos papéis. Por ter passado a noite no hospital dormindo mal e ainda ficar todo o dia sentada sem me levar praticamente para nada, apenas lendo aquela pilha de documento acabei cochilando. Ainda bem que não fui acordada pela Norma, e sim pela Jana que me alertou sobre como o humor da Norma estava péssimo para me pegar dormindo no horário de expediente.
Agradeci e voltei ao meu trabalho, minutos depois dona Norma apareceu dizendo que ia embora, e aos poucos fui assistindo cada um ir também, restando apenas eu e dona Paula em sua sala.

Uma hora depois dona Paula saiu da sua sala, perguntou porque eu ainda estava ali, expliquei para ela o que a dona Norma tinha mandado fazer, ela revirou os olhos e disse que aquilo era desnecessário, provavelmente seria uma retaliação pelo meu não.

— Então a senhora sabe? — perguntei com os olhos arregalados.

— Inclusive do beijo. — ela disse piscando para mim com um sorriso travesso.

Queria afundar minha cabeça no primeiro buraco que visse em minha frente de tanta vergonha, meu rosto rapidamente ficou vermelho. Passei as mãos nos cabelos e abaixei a cabeça, não sabia o que falar.

— Bem, estou indo. Até amanhã! — Paula ainda ficou por alguns longos segundos parada em minha frente.

Balancei a cabeça em concordância e ainda de cabeça baixa fiquei esperando ela se afastar, quando percebi que ela já não estava parada, olhei para ela, seu quadril movimentando, recordei da sua peça íntima, sua bunda redonda naquela saia sacial lápis, realmente dona Paula era linda de corpo, de rosto, de tudo...assim como dona Norma, parecia que ela estava em câmera lenta, continuei subindo meu olhar pelo seu corpo, só voltei em mim quando a vi virada para mim, me encarando com às duas sobrancelhas arqueadas, notei que eu estava de boca aberta e com cara de abobalhada, isso com certeza. Fechei a boca com rapidez, fazendo barulho com o coque dos dentes, sorri sem jeito e voltei a prestar atenção nos papéis em minha mesa visivelmente constrangida.

Era por volta das 21hr quando terminei de separar todos os papéis que a dona Norma havia pedido, o guardei onde ela tinha mandado e ás 21 h 30 sai do prédio exausta, dei boa noite para o vigia e sai em direção ao ponto de ônibus. Estava cansada e com muita fome, sem dinheiro para comprar sequer uma barrinha de chocolate, apenas contado para passagem do ônibus.

Duas horas depois estava na minha cidade, ou município, como muitos chamam, segui em direção ao hospital, minha mãe iria ser liberada às 19h e eu já estava cinco hora atrasada, provavelmente ela já estava em casa, mas não custava checar. Como pensei, minha mãe não estava mais lá, andei pelas ruas estreitas e escura com medo de algo de ruim me acontecer. Graças a Zeus nada me aconteceu.

Eram já uma da madrugada quando por fim cheguei em casa. Assim que abri a porta corri para cozinha, estava com muito fome mesmo. De lá ouvi minha mãe reclamar porquê que não fui buscar ela no hospital e para onde estava para chegar aquela hora, e enfatizou que eu estava com algum macho, mesmo explicando para ela que tinha ficado até tarde no trabalho.
Às vezes a forma que minha fala de mim me machuca, ela fala como se eu fosse uma qualquer, que não tivesse escrúpulo, que vivesse por aí em festas me drogando e fazendo sexo com o primeiro que sorrise para mim. Mesmo eu sempre dizendo para ela que sou virgem, que nunca bebi, bom, agora não vou mais poder falar que nunca bebi, já que tomei champanhe no jantar que fui com dona Norma... dona Norma, queria muito poder ajudar ela a realizar seu sonho, mas seria tão complicado para mim em todos os sentidos. Não tenho psicológico para aceitar gerar um bebê, logo eu, a menina que quase todos os dias pensa em se matar, a que chora todas as noites com crise de ansiedade, a que se esconde dentro do guarda-roupa sempre que tem ataque de pânico. Imagina como esse bebê nasceria? Já que tudo que a mãe sente ele também sente? E se não nascesse saudável, tivesse alguma anomalia, Norma ia querer o bebê? Eu acho que não.
E eu não dou conta nem de mim e da minha mãe.
A verdade é que estou aqui na cozinha com os olhos cheios de lágrimas ignorando mais uma vez minha mãe me chamar de peste ruim dos infernos enquanto penso no tanto que frustrei dona Norma.

Respirei fundo, fui até o quarto da minha mãe, dei boa noite, perguntei se ela queria água, se tinha tomado remédio direitinho, ignorando toda as grosserias dela e por fim pude ir para meu quarto. Me joguei na cama sem me importar em tirar a roupa ou tomar banho, estava cansada demais, e mesmo muito cansada não deixei de pensar em porque estava sentindo aqueles desejos por Norma e por que olhar para mulheres me atraia tanto... se bem que eu não olho para mulheres em geral, apenas para as mais velhas, especificamente para Norma.

Acordei sentindo meus olhos pesados, dormi nem 3 hrs, senti vontade de chorar, e foi isso que fiz enquanto tomava banho para me despertar, chorava por n's motivos, principalmente pelo medo de perder a amizade da dona Norma, ela gostava de mim e não queria que ela mudasse, queria continuar tendo sua atenção, queria continuar indo almoçar com ela, conversando trivialidades com ela, é a única pessoa que me faz sentir um pingo de alegria, ou entusiasmo.

Sai de casa já tomada um café reforçado, e deixando tudo pronto para quando minha mãe acordasse, segui para o ponto de ônibus, dessa vez não estava com roupas horríveis, estava com uma das muitas que dona Norma me deu, sorri ao sabe que pelo menos isso ela aprovaria.

Assim que cheguei no escritório organizei sua mesa, deixei a agenda do dia sobre sua mesa e quando faltava pouco minutos para ela chegar, fui providenciar seu cappuccino, assim que voltei ela já estava em sua mesa, respirei fundo e segui para sua sala, não havia pegado um para dona Paula, estava com vergonha.

— Bom dia dona Norma, trouxe seu cappuccino — adentrei o recinto e coloquei o copo em sua mesa.

Dona Norma literalmente me escaneou, parando em meu rosto assistindo ele ficar vermelho, ela estava sorrindo de canto e me olhando de uma forma que eu não saberia descrever.

— Incrível como você não consegue ficar bonita nem com as roupas que doei para você. — ela praticamente pausou cada palavra proferida a mim.

Abaixei o olhar desconfortável, queria sair dali correndo, respirei fundo tentando controlar as lágrimas que estava brotando em meus olhos, mordi as bochechas pelo lado interno é óbvio, olhei para ela e falhadamente perguntei se ela deseja alguma.

— Claro! — ela exclamou de forma ríspida, voltando o olhar para sua agenda.

Fiquei plantada por uns cinco minutos enquanto ela lia a agenda, e depois outros papéis para por fim dar ordens.

A beira do abismo Where stories live. Discover now