A beira do abismo (5)

3.5K 432 173
                                    

— Mãe, já cheguei, a senhora precisa de alguma coisa? — Perguntei eufórica, com várias sacolas em mãos.

Estava feliz, como há muito tempo não me sentia, o dia com a Norma foi incrível, ela é uma mulher maravilhosa.

Coloquei às sacolas no meu quarto e fui ver se minha mãe precisava de alguma coisa. Pela resposta dela notei logo que estava mau-humor. — Melhor deixar quieta.

Entrei novamente no meu quarto e fui olhar e experimentar novamente cada roupa que a dona Norma me deu. Sorri ao relembrar da minha vergonha em ter que experimentar as roupas em sua frente, provavelmente ela tenha notado.
Eu nunca fui uma pessoa satisfeita com meu corpo, e com o tempo tudo ficou pior, eu literalmente nunca tinha me trocado na frente de alguém.

Tirei um vestido social na cor (salmão) de dentro da sacola, levei até meu nariz, o aroma era tão bom, não havia o cheiro do perfume dela, é claro! Mas tinha uma fragrância boa, e extremamente macio o tecido, mesmo sendo diferente da olência dela, me fez lembrar dela, apesar de o seu perfume ser amadeirado e a roupa cheirar a rosas dos cosmos, precisamente as roxas. E, amo flores, poderia ficar cheirando as roupas o dia todo.

Tirei minha roupa e rapidamente deixei o tecido macio do vestido escorregar pelo meu corpo, com certa dificuldade e um bom molejo, consegui sozinha subir o zíper de trás. Fui até o espelho e sorri, eu estava aprovando o via, pela primeira vez eu estava gostando de olhar o que refletia ali, o vestido não tinha ficado tão perfeito, é óbvio, precisa de um ajuste no comprimento, e na lateral a baixo das axilas, mas mesmo assim, me senti distinta vestindo aquela peça que provavelmente era tão cara. Estava me sentindo uma cymbidium. Sorri!

Estava estranhamente feliz, a única explicação plausível era o tempo passado com a dona Norma. Retirei a peça e experimentei todas às outras novamente. Após anotar onde cada roupa precisava ser ajustada, peguei meu diário e comecei a escrever; “Querido diário…” estou brincando, já é infantil ter um diário, imagina começar escrevendo assim? Rsrs.

Apenas relatei tudo que tinha se passado no meu dia, com a dona Norma e o quanto ela é linda, imponente, altiva, entre outros adjetivos, definitivamente ela é a mulher mais linda e simpática que eu já conheci em toda minha vida, e de um coração enorme.

Voltei a pegar o vestido salmão, fui até a sala, puxei a máquina velha de costura que era da minha avó, passei o óleo nela, arrumei a linha, e assim rapidamente fiz o ajuste que o vestido precisava.
Sim! Sei costurar, a verdade é que quando se é pobre, você de um tudo aprende a fazer, como diz o ditado; “Quem não tem cão, caça com garfo.” Então aprendi, penso que com nove anos comecei a costurar, não lembro-me bem. Claro, a princípio eram coisas bobas, inclusive, muitas vezes escondida, depois fui aprimorando, e hoje, ganho uns trocados fazendo ajustes para fora. E graças a esses trocados que por muitas vezes não passamos fome.
Como ainda não era tão tarde, aproveitei para ajustar as outras peças que ficaram folgadas em mim, na tentativa de me distrair e enganar a ansiedade. Amanhã eu começaria a trabalhar, e em um escritório renomado, a responsabilidade depositada em mim, me era grande demais.

— Traga água para mim.

O grito da minha mãe ecoou pela casa, me tirando dos devaneios. Rapidamente fui até a cozinha e poucos minutos depois já estava em seu quarto entregando o copo com água. — O que a senhora está assistindo?

— Não é da sua conta, sai. — Ela me respondeu ríspida e impaciente.

É! Definitivamente minha mãe não estava no seu melhor humor. Deixei a jarra no criado-mudo ao lado de sua cama e sai do seu quarto, voltei para a costura, quando percebi já tinha arrumado todas as peças, me assustei com a hora, era tão tarde.

Norma:

Acordei me sentindo tão bem, como há muito tempo não me sentia. Leve. Sorri ao lembrar da Ayla, acho que nunca conheci uma pessoa tão tímida como ela.
Hoje será o seu primeiro dia como minha secretaria, espero realmente que ela seja esforçada, pois, já ficou claro que ela não experiência nenhuma como tal.

Ainda de hobby, fiquei parada em frente ao me closet, sorri ao lembrar dela com os olhos surpresos e admirada pelo tanto de roupas que eu tinha, ela mais parecia uma criança conhecendo a Disney pela primeira vez. Sorri, lembrar do seu jeito estava me fazendo sorrir como há muito eu não sorria, estava sendo interessante bancar a boa samaritana.

Fui até o final do closet, onde ficava a parte dos conjuntos, tirei um terno em risca de giz, no tom marinho, eu sempre ficava incrivelmente atraente com ele, valorizava minhas curvas e com uma blusa branca por dentro e um bom acessório, dava destaque para meu colo. Sim, eu queria ficar bonita e chamativa, como há muito tempo não me importava está.

Impressionante como nunca erro, em frente ao espelho, aprovei minha escolha. Puxei todo meu cabelo para trás, fiz um coque, puxei algumas mechas para fora e com o babyliss dei uma ondulada nelas. Agora sim eu estava perfeita.

Desci para tomar meu café, e inexplicavelmente estava me sentindo estranha?
Okay! Estranha porquê?
Revirei os olhos, não acreditando que eu estava ansiosa para chegar logo ao trabalho. Os anos vão passando e vamos literalmente ficando patéticas, essa é sina de nós mulheres.

Peguei meu celular buscando na agenda o número do meu advogado, sim, advogados também têm advogados, principalmente para resolver essas coisas simples que nos levam muito tempo, então ao invés de bater cabeça com burocracia, é melhor mandar outro fazer.
Não poderia esquecer, precisava que ele averiguasse e preparasse umas documentações muito importantes para mim e meu futuro já não tão distante.

Acabei de achar a explicação para meu sentimento de "estranheza", era isso, às coisas estavam dando certo e eu estava muito ansiosa.

Assim que cheguei na empresa, já me decepcionei, ela não estava lá, e ela sabia que a secretária tinha que está lá primeiro que eu, primeiro para arrumar minha sala, segundo, para ir preparando a agenda entre outras coisas.

Balancei a cabeça em negação, mas o que eu estava esperando? Contratar uma recruta de 21 anos, adolescente ainda... provavelmente com nada na cabeça, que queria se matar só por que é pobre e não pode comprar sequer um sapato da Carmen Steffens. — Onde estava com a cabeça? — Questionei ao sentar em minha cadeira.

Se bem que eu não trouxe ela para cá, apenas por precisar de uma secretaria, e sim porque ela me chamou a atenção em todos os sentidos, definitivamente ela é a garota perfeita.

— Bom dia, dona Norma, trouxe o seu café e umas correspondências que estava no hall. — Ela disse meio afobada.

Olhei ela dos pés a cabeça, ela estava linda com o meu vestido salmão, sua pele clara casava levemente com o tom do vestido, dando uma aura de inocência, linda. Aquela sapatilha barata, provavelmente comprada em uma liquidação que estava deixando a desejar, porém, mesmo assim ela estava deveras muito uva.

— Dona Norma?

Despertei dos meus devaneios com ela chamando por meu nome, e pelo seu semblante, não tinha sido a primeira chamada. — Chegando agora, Ayla?

— Não senhora, já fiz as primeiras coisas que a senhora me disse que eram para serem feitas, e como já tinha feito tudo, pensei que a senhora gostaria de chegar e ter um cappuccino para tomar, lembro-me que ontem a senhora disse que era o seu preferido. — Ela murmurou visivelmente nervosa enquanto cruzava os dedos e movimentava os polegares um no outro.

Confesso que fiquei surpresa, já estava decepcionada e no final do segundo tempo ela me aparece assim, mostrando que na verdade tinha assimilado mais do que eu imaginei, sorri para ela. Ela mordeu o lábio inferior e abaixou a cabeça.

A beira do abismo Where stories live. Discover now