A beira do abismo (25)

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Agora estou aqui junto da dona Norma, voltando para sua casa, já passaram-se duas semanas, estamos retornando do ortopedista, por fim me livrei definitivamente das muletas, aproveitamos para visitar minha mãe que ainda continua igual, em coma. Hoje o dia não estava bonito, estava escuro, o céu bem fechado, poucas pessoas nas ruas. Um dia sombrio!

— Quer tomar um sorvete, Ayla?

— Se a senhora quiser. — proferi sem muito ânimo, deixando claro que a escolha era dela.

— Acho que poderíamos, para comemorar que por fim você se livrou das muletas, o que acha? — ela sugeriu sorridente.

Ofereci para ela um sorriso sem muito entusiasmo. Poucos minutos depois ela parou em uma sorveteria com a sacada verde escuro, não era grande, mas era notório que era frequentada pela classe alta da cidade. Sentamos no canto esquerdo do recinto, pela janela vidro dava de ver tudo lá fora, principalmente as árvores sendo balançadas pelo forte vento. Escolhi o mais barato do cardápio, dona Norma arqueou uma das sobrancelhas me questionando silenciosamente a escolha, para logo me oferecer uma outra opção, aceitei sem retrucar nada, dona Norma estava tão mais calma comigo nesses últimos dias que eu tinha medo de estragar alguma coisa, como sempre faço. Tomei o sorvete calada, apenas ouvindo o quanto ela adorava aquele lugar, que frequentava ele desde pequena, para logo depois delicadamente segurar em uma das minhas mãos e dizer que a consulta com o ginecologista estava marcada para amanhã, senti uma corrente elétrica invadir meu corpo e se alojar em meu estômago, parecendo que estava corroendo tudo dentro de mim, meu ar parecia que estava faltando, meu coração errando as batidas, eu sabia que aquilo se tratava de uma crise de ansiedade, mesmo sentindo aquele turbilhão de sensações assustadoras dentro de mim, por fora parecia que estava tudo normal, balancei a cabeça em concordância, disse para ela que o sorvete era muito e já estava satisfeita, a primeira coisa que acontecia em mim quando a ansiedade atacava era bloquear a minha garganta, eu não conseguia comer nada, e se eu insistisse, sentia entrar com dificuldades para logo meu estômago bloquear. Aguardei ela terminar o seu sorvete enquanto me questionava se eu havia gostado do lugar e que sempre que eu quisesse poderíamos pelo menos uma vez na semana voltar, sorri.

Já em sua casa, pedi licença, subi para o meu quarto, encostei a porta e me deitei, não nada para fazer, apenas ficar vagando pela casa entediada, então optava por ficar deitada, tentando silenciar meus pensamentos para assim me deixar dormir.

— Estou indo para o escritório, Ayla, não me espere para jantar, Paula quer que eu vá para uma comemoração com ela e provavelmente termina tarde. — ouvi dona Norma dizer da porta.

Nada eu disse, ela encostou a porta e saiu, horas depois de tentar dormir e não conseguir, também pudera, não era nem meio-dia, levantei-me e segui para as escadas, entrei no escritório da dona Norma, era tudo tão organizado, tantos livros, sentei-me em sua cadeira, peguei um folha de papel em branco e comecei a rabiscar, me distraindo um pouco, já que meus dias ali não eram nada proveitosos, ainda mais para mim que nunca ficou parada, era sempre trabalhando fora e quando chegava em casa ainda minha mãe para cuidar e uma casa para organizar, e agora estava literalmente de pernas para ar, pois dona Norma tinha empregada para tudo.

Não quis almoçar, e passei o dia todo no escritório rabiscando algumas folhas, sai já estava escuro, nem sequer havia notado que tinha chovido, fui até cozinha em busca de algo para comer, pelo horário os empregados já tinha ido embora. Fui para meu quarto tomar um banho, vesti meu babydoll e me aconcheguei na confortável cama, claro que demorei a pegar no sono, se não demorasse não seria eu, definitivamente morro de inveja dessas pessoas que dizem que vão dormir, deita e dorme, eu passo horas imaginando mil e uma coisa na esperança que o sono venha até mim, ainda sonolenta ouço uma voz me chamar calmante enquanto seu braço da a volta em minha cintura, viro-me e pela penumbra vejo que era dona Norma, esfrego meus olhos atordoada, pergunto se já era hora de ir ao médico, ela sorrir, dizendo que ainda era noite, me calo e lentamente tiro sua mão de cima de mim, ato esse que não passou despercebido por ela.

— Tem medo de mim? — Ela questiona me analisando.

— Um pouco. — Fui sincera.

— Não precisa ter medo de mim, Ayla.

— Tenho medo de acabar misturando as coisas novamente dona Norma. E-eu talvez não saiba lidar quando alguém é bom, tenho medo de errar e a sua bondade para comigo acabar novamente.

Ela não disse nada, ficou me observando por alguns longos minutos, colocou uma mexa do meu cabelo atrás da minha orelha, e com as pontas dos dedos delicadamente fez carinho em minha face, seu toque era tão delicado, bom de sentir.

— Não sei o que acontece comigo quando estou com você, — ela sussurra ainda fazendo carinho em meu rosto — seu beijo mexeu muito comigo.

A palma de sua mão agora estava toda em meu rosto, sua mão era quente, macia, movimentou o polegar fazendo carinho na maçã do meu rosto, lentamente se aproximou de mim, seus lábios tocaram os meus, por um momento me desliguei de tudo e senti seu gosto, sua língua dentro da minha boca, não era rápido, mas era quente e intenso, ou eu quem estava com febre? Não sei, mais seu beijo era gostoso e tinha um leve sabor de bebida, depois de um tempo nos beijando, afastei com temor, ela se aproximou novamente de mim e me deu um selinho, querendo iniciar um novo beijo, mas, girei minha cabeça para o lado, ela subiu em cima de mim, beijando delicadamente meu pescoço, ora subia até minha orelha e a mordiscava, começando lentamente a se mover em cima de mim.

— Dona Norma, por favor, para.

— Você não me quer, Ayla? — Ela sussurrou em meu ouvido, passando lentamente sua língua, me causando um arrepio desconhecido.

— Por favor, dona Norma. — A empurrei, conseguindo sair de baixo dela.

Como a luz estava apagada, não consegui ver bem sua reação, mas eu sabia que não tinha sido das melhores, trêmula pedi desculpa para ela pelo empurrão, nada ela disse, levantou-se e saiu do meu quarto em silêncio.
Seria hipócrita em dizer que não queria aquele beijo, ou aquele toque, seria mais hipócrita ainda se dissesse que não sentia nada por ela, eu senti algo por ela desde quando a vi pela primeira vez na beira do abismo, e só foi crescendo, depois que ela começou a me tratar mal não morreu, estagnou, mas ainda estava dentro de mim, porém, eu tinha a absoluta certeza que corresponder algum ato dela sobre aquilo seria o mesmo que cavar a minha própria cova, porque no momento que algo desse errado na gravidez o sentimento dela por mim se transformaria em algo ruim para mim, ou depois da gestação, depois que o bebê nascesse, ela me colocaria para fora de sua casa e seguiria sua vida como se nada tivesse acontecido e eu não suportaria, ser rejeitada uma vez já fez um estrago enorme em mim, não quero isso de novo. Bem, ela estava bêbada, talvez ela nem quisesse nada, nem sabia o que estava fazendo. Pensei.

A beira do abismo Where stories live. Discover now