A beira do abismo (2)

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Após ficar algumas horas no meu cantinho do pensamento, esperando cair do céu algum rumo que eu deveria tomar para minha vida, alguma dica, alguma seta pelo menos dizendo; “Ayla é para ali que você deve ir, ou Ayla vai pela esquerda que ali tem as soluções de todos seus problemas”. Eu por fim cai na real e me levantei, nada exatamente nada vinha em mente, me senti completamente vazia, apesar de tanta coisa em mente, e pelo visto, milagres não acontecem na minha vida. Limpei minha roupa após me levantar e segui a passos lentos observando as pessoas na rua, cada uma em seu universo particular, e aquilo era algo que eu gostava de observar. “Será que eu conseguiria a vaga de secretaria?” Pensei cá com meus botões, precisava urgentemente trazer dinheiro para casa, porém não era chamada para nenhuma entrevista, o desespero já estava tomando conta literalmente de todo o meu ser, a ponto de cogitar a possibilidade de tentar arriscar em enviar o meu currículo para o tal que aquela mulher disse, eu sequer perguntei seu nome, eu sou tão idiota. Talvez se tivesse pego seu contato, ela poderia ter consigo algo para mim, até um emprego de faxineira, ela com certeza deve ter vários. "Séria esse o sinal que o bambam lá de cima me mandou eu sou me liguei nisso depois?"
Revirei os olhos para mim mesma, às vezes eu penso cada coisa idiota, dissipei esse pensamentos da mente e resolvi andar por mais algumas lojas, restaurantes, entregando currículo e já quando estava começando a pingar, resolvi voltar para casa.

Norma:

Estava mais uma vez decidida em acabar com minha vida, mas é engraçado como somos tão apegados a tudo, ao mesmo tempo que eu queria morrer, eu queria viver para saber até onde vamos. Se um dia nossos desejos por fim serão realizados, ou talvez qual seria a mais nova decepção, porém, uma jovem atrapalhou qualquer tentativa minha. O mais estranho foi a forma como ela agiu, em nem um momento tentou impedir que eu fizesse algo, e eu estou sempre tão acostumada com todos me bajulando fiquei perplexa com o jeito dela, ao ponto de achar engraçada aquela atitude. Mesmo que seja por pura falsidade dos outros, todos fingem querer o meu bem. Digamos que achei interessante seu jeito, como estou precisando de uma secretaria, achei interessante sugerir a oportunidade de emprego, quero ver a reação dela ao me ver, ao ver que sou a pessoa que estar precisando de uma empregada, e que o escritório em grande é meu. Mas nisso tudo, algo me incomoda, ela me viu de um jeito que ninguém viu, me viu vulnerável, algo que apenas meu marido ver e olhe lá…

Os dias foram passando e várias meninas se candidataram a vaga para secretaria, porém, nenhuma delas, era a jovem que encontrei a dias atrás na beira do abismo, fiz questão de eu mesma pessoalmente entrevistar cada uma que enviava currículos e que tinha entre 21 e 22 anos, claro que dispensei todas, não sei porque, mas eu desejava muito ter aquela jovem como minha secretaria, ela tem um jeito inocente e ao menos tempo curioso, esperançoso talvez, e apesar ser mal cuidada, muito bonita, apesar dos cabelos opacos, das roupas visivelmente de péssima costura, tem um olhar diferente, ao mesmo tempo que transmite inocência, ele também me parece dissimulado, típico olhar de uma sapaku.

E mais uma semana se passou e nada dela, eu sequer perguntei o nome, será que ela conseguiu algum emprego? Suspiro fundo e afastei para o meio da mesa os processos que estava estudando, literalmente não estou com cabeça para resolver problemas dos outros, minhas têmporas estão prestes de estourar de tanta dor. — Priscila, você poderia trazer um copo d'água e um analgésico para mim, por favor?

A jovem morena balançou a cabeça em concordância e saiu para providenciar o meu pedido, sei que às vezes, ou quase sempre abuso da necessidade de estágio dela aqui, porém, como ainda estou sem secretaria, acabo por fazer ela fazer o que não seria serviço dela, mas enquanto aquela menina não aparece para vaga de emprego, não me sinto confortável para contratar qualquer outra pessoa.

— Aqui estar, dona Norma. — Ela falou baixo enquanto colocava a pílula na minha mão. — Voltando a sentar.

— Eu vou sair e não volto mais hoje, você pode continuar seguindo toda a agenda e se não for pedir muito, gostaria que fizesse um ressumo desses três primeiros processos que estão na minha mesa. — Peguei minha bolsa e segui para fora do prédio.

Achava interessante a forma como todos olhavam para mim ao ir em direção a saída, provavelmente todos pensam que eu tenho a vida mais perfeita do mundo e não tenho motivos para não ser feliz, além é claro, do fator de não poder ter filho, muitas vezes nos banheiros “da vida” eu ouço algumas “colegas” sussurrarem que eu sou o demônio por que sou frustrada, fracassei como mulher, já que não pude dar um filho para meu digníssimo esposo e os chifres que me coloca é em decorrer disso. Eu quase nunca me abalo com isso, porém, não tem como sempre estar com o filtro em dia, tem dia que ouvir que uma colega transou com ele, ou que viu ele com uma jovem loira me abalava bastante.

Peguei a estrada para a cidade vizinha, era perto, apenas duas horas, enquanto fazia meu percurso pensava no meu marido, nas traições e nas brigas, e o quanto meu casamento estava fracassado, nem vi a hora passar quando por fim cheguei naquele lugar o qual eu nunca tinha percebido antes, até a minha última vinda a cidade para uma audiência. Estacionei meu carro no mesmo lugar do outro lado da estrada, segui para o mesmo lugar de antes, por um momento me desliguei de tudo e só queria talvez conversar novamente com aquela garota, foi bom falar abertamente com alguém que você sabe que é completamente imparcial a tudo, que não sabe quem você é, e não tem segundas intenções, porém, ela não estava ali, e nem chegou horas depois. Fiquei cerca de quatro horas naquele lugar, na esperança de ela aparecer, sentia vontade de desabafar novamente com ela, e me recordo bem que ela disse que aquele lugar era o cantinho do pensamento, ou algo assim, mas ela não pareceu, voltei para meu carro e ainda dei uma volta na cidade, como era pequena, tinha uma chance de talvez eu reencontrá-la, infelizmente, não foi isso que aconteceu. Voltei para casa frustrada, ao entrar, procurei meu esposo, não o encontrei, tirei meus sapatos e descalço fui até o barzinho me servir uma dose de whisky, definitivamente aquele líquido era um dos meus favoritos, apesar da queda enorme por um dry martini. Sentei no sofá e fiquei ali pensando na vida, e em tudo que estava me acontecendo, passei horas e horas esperando meu marido, e nada dele chegar, provavelmente estava em mais uma "reunião". Acabei dormindo depois ir para meu quarto, só percebi quando fui acordada por ele entrando. Pela penumbra vejo ele tentando fazer o mínimo de ruído possível, chegava a ser patético.

— Jorge, eu preciso que assine os papéis do nosso divórcio. — Tento falar de forma calma, porém, o susto que ele levou foi inevitável.

— Como assim divórcio. Norma?

— Já está tudo feito, basta você assinar, e gostaria que você dormisse no quarto de hóspede, feche a porta quando sair. Boa noite!

A beira do abismo Where stories live. Discover now