A beira do abismo (6)

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— Fico muito feliz em saber que tu assimilaste o que disse, Ayla. — Estiquei minha mão para pegar o cappuccino.

— Pretendo não decepcionar a senhora, esse trabalho é tudo que eu precisava, dona Norma. — Ela murmurou ainda quase se escondendo no seu próprio corpo.

— Ayla, a assim que a estagiária chegar, ela vai te colocar a cônscio de como funciona às coisas por aqui. Qual número você calça?

Ela me olhou confusa, entre gaguejo confessou que calçava 36, uma pena, tenho tantos pares de sapatos que não uso há muito tempo. Preciso doar para os mais necessitados… — Certo! Na hora do almoço me lembre de sairmos para comprarmos sapatos para você, esse que está calçando, francamente, é lamentável.

Sorri ao ver seu rosto vermelho, ela estava com vergonha, apenas balançou a cabeça em concordância e saiu.

Ayla:

Assim que sai da sala da dona Norma, fui direto para o banheiro escovar pela quinta vez nessa manhã os meus dentes, ela havia achado eles bonitos, porém, amarelos, e eu realmente queria muito que ela aprovasse tudo em mim. Ao terminar, tirei da minha bolsa um batom um rosa suave, nada que chame atenção, detesto chamar a atenção.
Ainda me olhando no espelho do lavabo, assim que comecei a passar o batom, avistei uma mulher adentrar, ela me olhou e deu um sorriso sem mostrar os dentes, indo direto para uma das cabines. “Penso que nunca vi tanta mulher bonita em um só lugar.” Provavelmente sou o "patinho" feio do escritório.
Talvez eu tenha me desligado demais nos meus pensamentos, quando percebi, ela já estava ao meu lado, seu perfume era doce, uma mistura de rosas, violetas, amêndoas e jasmins, talvez...Um aroma delicioso.

Ela tirou de sua bolsa um batom com a embalagem dourada, atentamente começou a passar em seus lábios finos, enquanto os fios loiros de seu cabelos caíam para frente do ombro, seus olhos em uma turquesa intensa, o nariz tinha um leve desvio, algumas rugas em seu rosto não tirava sua beleza, ela era linda.

— Está tudo bem? — Ela me questionou sorrindo, tirando-me de meu transe.

Meu rosto imediatamente esquentou, estava olhando bastante tempo para ela, pedi desculpas e desviei meu olhar sem dizer mais nada. Simplesmente me congelei na frente do espelho, esperando que ela terminasse. Ela guardou seu batom na bolsa, sorriu auditivamente, me deu tchau e saiu, eu não consegui abrir a boca nem para dar tchau, provavelmente ela deve estar pensando que tenho algum retardo mental.

Respirei fundo e sai, já tinha passado tempo demais fora do alcance da dona Norma, não quero decepcioná-la, ainda mais no primeiro dia de trabalho. Assim que sai do banheiro o telefone de onde eu ficaria tocou, atendi imediatamente e era dona Norma, pendido para que providenciasse uma sala para a estagiária ficar, pois, ela não aguentava mais ficar sem privacidade e me lembrou de pedir a ela para me deixar a cônscio de tudo do escritório.

A manhã trespassou rápido e de forma tranquila, dona Norma sempre muito sorridente e simpática comigo, assim que deu o horário do almoço, perguntei se ela precisava de alguma coisa.
Estava envergonhada de recordar a ela sobre a ida para comprar sapatos para mim.
Não tinha dinheiro para pagar, e também não queria que ela comprasse para descontar no meu salário, pois precisava do dinheiro. Porém, ela não esqueceu, disse que almoçaríamos no shopping e aproveitaríamos para comprar os sapatos.

Quando estávamos indo em direção do elevador, dona Norma parou, me fazendo sem querer trombar com ela, já que ela estava indo na minha frente, e eu despercebida, não notei quando seus saltos pararam de fazer barulho. Ela me olhou como quem fosse me engolir com os olhos, mas, desfez a feição de reprovação e me ofereceu um sorriso, logo voltando a olhar em direção de onde antes sua atenção estava prendida.

— Paula, precisamos sentar para falarmos sobre o caso do Evaristo, me dê uma boa notícia e diz que ele aceitou fazer um acordo?

Ouvi a dona Norma questionar, quando olhei direção da pessoa que ela estava falando, minhas bochechas ficaram rubras, era a mesma mulher que eu havia encontrado mais cedo no banheiro. Ela sorridente se aproximou da dona Norma, ao olhar para mim, olhou para dona Norma, como quem questionasse quem eu era.

— Paula, essa é minha nova secretaria, Ayla.

A loira me sorriu e tocou em meus ombros, deixando-me mais tensa do que já estava, sorri para ela ainda com minhas bochechas rubras.

— Encontramos no banheiro. — Dona Paula respondeu simpática.

Olhei para dona Norma e ela estava com uma das sobrancelhas arqueadas, como quem questionasse em que momento foi isso. — Estou indo almoçar no shopping, vamos comigo e conversaremos enquanto almoçamos e compramos uns sapatos para ela. — Norma convidou Paula, apontando para mim. Me encolhi mais ainda.

— Vai chamando o elevador que só vou pegar minha bolsa e acompanho vocês.

Ótimo! Era tudo que eu precisava, duas mulheres lindas, altivas, imponentes me olhando comprar sapatos que eu nem saberia como pagar. “Ah! Meu deus, espero que a dona Norma não invente de escolher saltos, eu não sei andar de saltos.”

Só em pensar nessa possibilidade, meu rosto tomou um semblante de tensão, aproveitei enquanto a loira não vinha e disse para dona Norma que não precisa ela se preocupar com isso, que quando eu recebesse o primeiro salário, compraria sapatos novos, ela apenas revirou os olhos e disse que não queria funcionários dela desfilando com sapatilhas horríveis como a minha. Engoli a seco e não ousei mais abrir minha boca.

Dona Paula chegou, assim que entramos no elevador, elas começaram uma conversa... esquecendo completamente de mim, algo que me fez sentir aliviada. Chegamos ao shopping, e mais uma dúvida se instalou em minha mente, comeríamos fora e eu só tinha dinheiro para a passagem de ônibus de volta para casa. Até pensei em mentir, dizer que não sentia fome, porém, dona Norma quem escolheu meu prato, dizendo que iria adorar, e logo depois voltou ao diálogo com a Paula, eu interrompi às duas, e muito constrangida disse que não tinha dinheiro para pagar o meu almoço, Dona Norma segurou em minhas mãos e sorriu para mim, disse que tudo era por conta dela. Pedindo logo em seguida para que eu fosse buscar os pedidos, quando me levantei e ia em direção ao balcão, ainda consegui ouvir dona Paula questionar para dona Norma o porque que ela estava tão boazinha com uma funcionária como eu. Depois não consegui ouvir mais nada, já estava longe demais.

A beira do abismo Where stories live. Discover now