Capítulo 7: Flashback

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        Nós vivemos de passado, não interessa como, seja para contar uma pequena história do que nos aconteceu, seja para não repetir nossas ações e assim aprender com elas, falam que quem vive de passado é museu, então não somos nada mais que museus ambulantes, cada um com sua própria história a contar.
        Crescemos, crescemos fisicamente com o passar dos anos, aprendemos a engatinhar, a andar, depois estamos correndo, e os riscos feitos no batente da porta continuam a estar cada vez mais alto. Percebemos que crescemos de tamanho quando aquela roupa que você tanto gosta, já não te serve mais, ou quando aquele sapato que você achava tão estiloso já está apertado no seu pé. Mas como percebemos que crescemos mentalmente? Quando finalmente conseguimos ignorar aquela criança chata nos atormentando? Ou quando conseguimos seguir em frente quando a nossa vontade era de gritas, xingar e espernear? Será que crescer mentalmente é baixar a cabeça para a vida e simplesmente existir? 
        - No que você tanto pensa? Se arrependeu de sair comigo?
        Eu olhei para Lorenzo que me fitava com cautela.
        - Não.. não me arrependi.
        - O que você tanto pensa?
        - Ah, na vida, eu acho.
        - Então já que você pensa tanto na vida, por que não fala da sua um pouco para mim?
        - Porque essa, é a minha vida, nada demais.
        - Todos temos um passado Megan, seja ele bom, ou ruim.
        Quando ele terminou a frase eu tirei os olhos do pequeno guarda-chuva que se encontrava na minha bebida e olhei diretamente em seus olhos. Seria possível ele ler minha mente? Eu havia deixado muito na cara em que meus pensamentos se alternavam entre passado e crescimento?
        - Eu deixei meu passado para trás quando saí do Brasil, agora eu estou aqui, minha vida é essa aqui.
        - Não se deixa o passado para trás, você deixa o local, as pessoas, as coisas, mas nunca o passado, o passado é como uma sombra, está sempre junto a nós, mesmo quando não conseguimos ver. Mas se você não quiser falar, não tem problema. – Ele me olhava com uma cara, que era impossível dizer não a ele.
        - Acho que você tem razão.
        - Eu sempre tenho. – Disse ele com um sorriso presunçoso.
Peguei um guardanapo e fiz uma bolinha, joguei e acertei seu peito.
        - Você não vai querer começar uma guerra aqui, não é?
        - Não não não.
        - Eu morava com meu pai no Brasil, antes de vir para Waterfield.
         - E por que veio para cá?
         - Já já eu chego nessa parte. Enfim, meu pai e eu éramos muito ligados um ao outro, talvez pela ausência de uma figura materna, uma figura feminina. Eu ia aos jogos de futebol com ele, jogava vídeo game com ele, e assim fomos crescendo, quando fiz quatorze anos, minhas duas melhores amigas vieram para Waterfield, e eu fiquei sozinha no Brasil. Elas realmente eram minhas únicas amigas, além do meu pai.
        Fiz uma pausa e peguei uma batata frita, e ele aproveitou para perguntar.
        - Suas amigas vieram para Waterfield? Lara e Talía?
        Acenei em concordância com a cabeça.
         - Quando elas foram embora, eu me revoltei, me perguntava diariamente, “por que todo mundo vai embora da minha vida? ”, sério eu fiquei muito revoltada, foi o ano em que eu realmente decepcionei meu pai. Eu comecei a matar aula, comecei a fumar, quando eu fiz quinze anos, conheci um menino da minha turma, tão revoltado com a vida quanto eu, a gente virou amigo, ele ia lá em casa, meu pai até gostava dele, mas só porque ele não sabia como ele realmente era. – Lorenzo realmente estava interessado, não desviava sua atenção de mim nem quando a mulher da mesa ao lado quebrou uma taça. – Meu pai tentava quase todo dia fazer com que eu voltasse a ser a menininha dele, mas eu me recusava a voltar a ser como eu era, me divertia sendo outra pessoa, ignorando a dor e a vontade louca de chorar.
        - Vamos para o carro, eu paguei a conta antes de entrarmos, assim você termina de contar lá. Tudo bem?
        Não respondi, eu só levantei e fui andando em direção a saída. Entrei dentro do carro e esperei ele entrar também, sentia meus olhos lacrimejarem por conta da lembrança do meu pai.
        - Se, você quiser continuar, eu estou aqui para ouvir, quero te conhecer, mas se você achar que por hoje já deu, eu respeito.
        Balancei a cabeça que não, ele havia perguntado, e eu concordei em nos conhecermos. Então eu continuei.
        Comecei a namorar com esse menino – O que não foi uma decisão sensata. – Ainda bebíamos e fumávamos juntos, matávamos aula, na minha cabeça, aquilo era sinônimo de diversão. Um analgésico para minha dor. Um dia eu fui para a casa dele, e perdi minha virgindade, ele deu o pé na minha bunda, ele tinha conseguido o que ele queria e caiu fora. Eu peguei minhas coisas e pedi para o meu pai me encontrar no caminho. Meu pai pegou a moto e me buscou, a chuva começou a cair e meu pai derrapou com a moto e nós dois voamos no meio da rua, e ele morreu. Foi nesse dia que eu me senti culpada, eu não lembro de muita coisa. Minha vizinha Ana tentou cuidar de mim, mas eu me recusava. Fiquei 6 meses sozinha, na casa do meu pai, eu ia para a escola, e quando voltava, não comia nada, passava o resto das horas, o resto do dia, deitada na cama dele, eu emagreci muito, minha mãe não sabia de nada, nunca ninguém contou, até a escola ligar para ela, ela veio no outro dia para me buscar.
        Eu não havia percebido que eu chorava, minhas mãos estavam tremendo, e não era o frio. A dor é algo avassalador, se você baixar a guarda ela te derruba te deixando sem nada para se reerguer.
        - A primeira coisa que minha mãe me disse foi: “Sempre que você sentir saudade, e que ela doer tanto que você acha que não vai aguentar, olhe para o céu, você achará muitas estrelas, mas somente uma irá brilhar mais do que todas, e para você, ela será a única estrela no céu”

Única Estrela no CéuWhere stories live. Discover now