30. Doces Lembranças

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– Ele está ótimo. – encerro o assunto sobre meu melhor amigo – E vocês? Como estão?

– Temos novidades – ela responde animadamente – em algumas semanas estaremos voltando para os Estados Unidos!

Eu abaixo o telefone e faço uma pequena comemoração silenciosa, com direito a pulinhos e alguns palavrões de felicidade. Pensei que demoraria um bom tempo para revê-los, fico grata por esse momento ter se antecipado.

– Quando virão? – pergunto avidamente e tiro um livro da prateleira, o espaço que é deixado na falta do livro me faz ter a visão de um casal se beijando selvagemente perto das estantes dos livros velhos de biologia.

– Não sabemos ao certo, estamos analisando... Seu pai sofreu um acidente e voltaremos para ele poder consultar um médico amigo dele especializado, parece que precisará de reabilitação.

Eu paro de andar de um lado para o outro.

Minha mãe começa a falar sobre o amigo do meu pai, o médico, mas eu não presto muita atenção. Meu pai tinha sofrido um acidente e minha mãe está me contando isso como se fosse a coisa mais normal de se acontecer.

– O que aconteceu? – a interrompo sentindo a pressão cair um pouco.

– Oh... Devo ter preocupado você agora, não é? Mas pode ficar tranquila, semana retrasada ele estava avaliando um projeto de um prédio, a estrutura era um pouco velha, iriam reconstruir para um orfanato decadente na vila em que estávamos, acabou que o chão cedeu e seu pai foi junto, ele me deu um belo de um susto, quebrou uma das pernas... Fiquei agoniada porque ele deu febre e estava com suspeita de infecção, mas de uns dias para cá ele vem apresentando uma melhora.

Minha mão treme quando os milhões de pensamentos rondam minha cabeça. Meu pai tinha sofrido um acidente, fico sabendo sobre tal fato semanas depois. Fico feliz em saber que ele está bem, mas saber que enquanto eu ia para a escola, estudando pensando que estava tudo bem com eles, seguros, meu pai estava deitado numa cama cheio de dores, a cena faz meu estômago revirar.

– Além do mais, parece que estamos com alguns problemas na empresa, na sede de Nova York – minha mãe continua – parece que um dos sócios está sob suspeita de ter desviado o dinheiro, acredita nisso?

– Então... – engulo o seco, sentindo as lágrimas vierem à tona por uma coisa tola – Outro motivo para estarem vindo para cá, é por causa da empresa?

Nesse momento, eu me permito sentir raiva dos meus pais. Posso estar sendo uma filha mimada, não reconhecendo o trabalho lindo que eles fazem, mas o fato do meu pai ter quebrado a porcaria da perna, tendo ciência do fato semanas depois e eles estarem voltando para o país por causa da empresa me faz repensar e me questionar o motivo deles inventarem de terem um filho.

Odeio me sentir assim, parece ser errado e muito infantil.

– Jackie, eu... – minha mãe começa após estranhar o meu silêncio – Eu queria dizer que...

– Mãe, eu preciso desligar agora, minha bateria está acabando. – minto sentindo a lágrima cair – Tem jeito de falar com meu pai?

– Ele está dormindo agora, tem usado boa parte do tempo para descansar.

– Tudo bem, eu entendo. – minto, tirando as lágrimas do meu rosto – Fala para ele que eu mandei melhoras e eu proíbo ele de ficar se arriscando demais.

– Prometo repassar o recado para ele, – ela responde – esse trabalho que fizemos aqui foi muito importante para nós, mandaremos o...

– Diário de viagem. – comento com ela, mantendo a voz firme e animada.

Teoria da Sincronicidade [CONCLUÍDO/REESCREVENDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora