Café

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Escuro. Ecos. Chuva. Vento. Solidão. Claridade. Distância. Essas eram as coisas que eu poderia descrever daquele sonho, um mar de pesadelos. Mas não eram pesadelos de monstros e coisas do tipo. Era um pesadelo psicológico. Minha cabeça brincava com os meus sentimentos. Eu estava me prejudicando.
Eu estava em uma sala. Perdido? Não sei. Os meus sentidos estavam todos meio vagos. Era impossível saber onde eu estava. Se estava de cabeça para baixo, se estava em pé, deitado ou até mesmo amordaçado. Sensação de solidão dominava. Tentava andar. Mas como andar quando você não sabe nem em que posição está? Esse é o bom dos sonhos, somos capazes de tudo neles.

Acho que me sentei. Fico parado olhando fixo para algum lugar na minha frente. Não consigo visualizar muito bem, estava tudo escuro. Até que uma luz muito forte surge. Junto dela, eu apareço na minha frente. Sim, agora sou dois. Tenho uma cópia na minha frente. Tudo escurece de novo. Sinto um frio na espinha. Seria medo? Não é possível. Eu controlo meus sonhos. Controlo?

A luz volta, o meu outro eu está mais perto. Agora ele possui um objeto na mão. Aquilo era uma faca? Não consigo ver, a luz está muito forte. Ele da um passo na minha direção. Tento recuar, mas não consigo. A escuridão domina novamente. Dessa vez sinto algo gelado relando meus ombros nus. Eu estava sem minhas roupas. Como era possível? Não é. Estava chovendo. Entretanto, não era qualquer tipo de chuva. Havia gotas, e junto delas surgiam no ar vozes dizendo minhas inseguranças. A pior parte é que tudo isso ecoava naquele lugar.

A luz voltou. O meu outro eu estava com a faca no meu pescoço. Seria meu fim? Eu mesmo causaria meu fim? Eu teria coragem?

Tudo escurece mais uma vez. Foi a última. Minha cópia estava ainda naquele lugar. Porém, estava longe, muito longe. A distância tomou conta do lugar. Tudo parecia longe. Eu olhava meus braços e parecia que eles estavam distantes dos meus olhos. O chão pareci está a centenas de metros. Minha cabeça estava brincando comigo. Ela sempre faz isso. Gosta de pegadinhas. Eu não gosto. Tenho duas pessoas vivendo dentro de mim? Será que não temos todos? Não, impossível. Eu saberia. A gente se conhece. Será mesmo? O corpo humano é um organismo muito complexo. Talvez nunca saberemos o que acontece nele.

Eu desapareço. Sou ar agora. Sou o vento. Sou as partículas. Sou tudo.

Fazer parte de tudo, ao invés de trazer a sensação de pertencimento, traz solidão. Sou tudo, mas não sou nada. Sou cheio, mas estou vazio. Estou cercado, porém tão só. Sou muitos, mas sozinho. Essas frases começaram a me machucar. Pareciam facas. Me picavam. Cada uma delas, tirava um pouco da minha essência.

A chuva parou. O vento parou. Os ecos pararam. Tudo estava parado. Meu desejo se realizou. Mas la estava eu, novamente, perdido. A escuridão continuava presente, e junto dela a solidão.

Acordo assustado. Suando. Com medo.Ofegante. Quando abro meus olhos, ainda estou no escuro, mas aquela mão que reveste meu corpo, me traz segurança. Sei que com Júnior ali, nada poderia acontecer. Sinto os dedos deslizarem pela minha barriga. Dou uma contraída. Ele sente e percebe que acordei.

Está tudo bem?- Júnior perguntou
Sim- falo meio sonolento
Está melhor?- J disse
Do que?- tentei fazer de desentendido
Nada não. Dorme mais, vai fazer bem.- J disse

Peguei meu celular que estava ao lado da cama. Nossa, duas e vinte da manhã. Ainda tenho muito tempo. Da para dormir mais. Fecho meus olhos ainda com medo de ter as mesmas surpresas do sonho anterior, mas nada ocorre. Simplesmente dormi.

***
Acordo com o barulho do despertador. Júnior não estava mais perto de mim. Por isso que eu acho esse menino sensacional. Ele sempre está ali comigo, mesmo quando precisar ceder um pouco. Ele me faz bem.

Levanto, tomo um banho, me arrumo, vou para a cozinha, bebo um copo de leite. Sinto uma mão tocar meu ombro. Era Paulo. Ele é mais um dos meninos que mora comigo. Paulo é um cara simpático, elegante e muito bonito. Ele faz engenharia. Não sei qual. Nunca tive curiosidade. Não conversamos muito dos nossos cursos aqui em casa. Paulo, está no sexo semestre já. Nunca beijei ele, nem quando era solteiro. Aliás, ele namora o Renan. Não sei muita coisa desse último. Quanto menos sei das pessoas melhor. Paulo tem cabelo curto, quase raspado. Olhos pretos. Lábios carnudos. Ele faz Crossfit. Ele é muito "maromba". Parece o tópico gay padrão, só não é tão babaca quantos esses.

Paulo ja estava fumando. Não sei por que sempre olho com surpresa. Eu, as vezes, fumo cedo também. Nem sempre, mas um hábito que está tornando rotineiro.

Bom dia princesa- ele disse
Bom dia- respondo
Tem manteiga na geladeira?- Paulo pergunta.
Tem sim, comprei anteontem. Aliás, precisamos fazer compras. Está tudo quase acabando.- eu falo.
Sim, precisamos urgente- Paulo responde.

Junior aparece e entra na conversa.

Bom dia meus amores. Dormiram bem?- J fala.
Bom dia- eu e Paulo respondemos.
Paulo, preciso de carona hoje. Tem como eu ir com você hoje?- Júnior pergunta.
Preciso também- digo, aproveitando a oportunidade da carona.
Vish gente. Só tenho aula a tarde hoje. Só depois do meio dia.- Paulo fala.
Putz. Vou ter que pegar busão- Júnior retruca.
Nem me fala. Não estou afim.- eu digo.

Paulo sai da cozinha e vai para o quarto. Ele acena se despedindo, mas ninguém responde.

Manda mensagem para a Lorena. Vê se você consegue uma carona para nós.- Júnior diz olhando para mim.
Sim. Vou mandar.- digo.

Imediatamente mando a mensagem. Não posso perder aula hoje. Senti uma leve dor de cabeça. Deve ser da bebida de ontem. Tenho certeza que é.

Ela pode nos levar- falo.
Ufa.- Júnior diz, com uma cara de alívio.
Obrigado por ter ficado ontem comigo. Sério mesmo.- digo
Opa, não foi nada não "mor". Você sabe que pode contar comigo né?- Júnior fala, olhando para mim e esperando uma confirmação imediata.
Claro que sei. Só queria agradecer mesmo.- falo.

O silêncio toma conta da mesa. Eu preciso perguntar quem era aquele menino de ontem. Não resisto.

Quem era aquele serzinho ontem lá no seu quarto?- pergunto.
Ah. Era o Rafa. Ele brigou com o namorado e veio conversar comigo.- J responde.

E você consolou ele né? Foi o que eu pensei. Mas não disse isso. Seria chato e inconveniente. Não gosto de ser essa pessoa.

Ah, sim. Entendi. Fiquei curioso.- falo.
"Tá" com ciúmes?- J fala com uma cara de safado.
Ai vai cagar seu viadinho- eu falo.
Eu sei que você está. Desde ontem.- J diz.

Levanto da mesa com uma expressão brava no rosto. Mas por dentro estava doido para rir.

Estou quase entrando no meu quarto, quando ouço a seguinte frase vinda de Júnior: "Não fizemos nada. Não pego gente que namora. Não sou desse tipo. A hora que você entrou eu só estava trocando de roupa. O Rafa estava deitado na cama. Ele tava cansado. Passou o dia brigando com o namorado. Precisava descansar um pouco."
"Não precisa ficar se explicando não Júnior"- eu respondo

Meu Deus. Eu estava gostando dele. Ainda tive a capacidade de mandar mensagem para o meu professor por que eu fiquei com ciúmes. Muito o fundo do poço. Grande bosta o que eu fiz. Aliás, acho que preciso responder o Doutor Callizoto.

Peguei o celular e abri na conversa com ele. Tinha três novas mensagens. Uma mais surpreendente do que a outra.

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