Isao inclinou o corpo para perto de Yutaka e tentou em vão fugir do raio de visão de Shimada, que tinha se voltado para Mamuro, às suas costas, com o cigarro preso no canto da boca e com a fumaça escapando por entre os dentes.
O capataz balançou a monstruosa foice para desenrolar o estandarte, como se ela fosse um mastro a chacoalhar no mar revolto, e saiu da formação para acompanhar seu senhor. Os dois seguiram até Ryota, que esperava tranquilo em seu cavalo, no centro do espaço vazio criado pelas duas tropas.
Lado a lado, Mamuro e Shimada pareciam duas montanhas intransponíveis em suas montarias. Uma menor, mas mais imponente, soberana em sua longevidade, como um vulcão milenar a cuspir cinzas antes de entrar em erupção. A outra, com quase o dobro de tamanho, mais rústica, revestida por escamas de metal que lembravam pedras enegrecidas e escorregadias, pronta para responder com uma avalanche a qualquer um que ousasse enfrentá-la.
E, de frente para elas, como um itinerante perdido em seus sopés, estava Ryota e seu inacreditável quimono azul-turquesa.
Assim que haviam alcançado a praça, duas coisas tinham saltado à vista de Isao. A primeira, era o exército de Uruma, espalhado ao redor de toda a praça, aparentar ser ao menos duas vezes mais numeroso do que o de Shimada, que se resumia a um pequeno e confuso grupo sob o pessegueiro-coração. A segunda, bem menos edificante, era o fato do líder da guarda ter se apresentado naquela maldita guerra completamente desprotegido, vestido como se fosse para uma das reuniões enfadonhas com o Kerai.
"O que Ryota espera conseguir com essa irresponsabilidade?", balançou a cabeça inconformado. "Uma morte mais rápida?"
Se ele pretendia evitar a batalha oferecendo algum tipo de acordo para Shimada, era melhor que Isao tomasse logo a iniciativa e enfiasse de uma vez por todas a espada de Yutaka na barriga para salvar o amigo pela segunda vez da morte. Seu tio só aceitaria uma conciliação se ela viesse acompanhada de todos os órgãos internos do samurai e de seu pai. No caso de Harushi, provavelmente cobraria também a pele, bem esfolada e curtida, para usá-la como tapete na sala de reuniões. Não ornaria com a madeira acobreada dos móveis, mas Isao quase podia desejar a vitória daqueles velhos senhores de Uruma, caso eles prometessem que amarrariam a língua daquele rato obeso travestido de Kerai em volta do próprio pescoço.
O cavalo resfolegou, inusitadamente incomodado, e um frio escorregou pela espinha de Isao quando ele se deparou com o filho perdido de Yomei, o Dragão Caveira, de pé, ao seu lado, acariciando sua montaria com um sorriso demoníaco no rosto.
Como se o olhar do líder dos mercenários tivesse o poder de sugar sua alma caso o fitasse por mais algum tempo, o sacerdote voltou-se aflito para os homens às suas costas, com a sensação de que eles também salivavam por sua carne. Para seu alívio, todos pareciam mais preocupados com a pequena conferência entre Shimada e Ryota, no centro do campo de batalha. Virou-se para a frente, rijo, fingindo não se incomodar com a proximidade do estranho mercenário e teve vontade de iniciar uma conversa qualquer com Yutaka. O velho, contudo, inclinava-se na direção de Tetsubo para ouvi-lo reclamar de mais alguma coisa.
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O Dragão de Uruma
FantasyUruma estava no extremo sul do continente. Um distrito célebre apenas por margear a implacável Floresta Sagrada, túmulo da outrora civilização dos nascidos de Galo, tão distante e modesto que seus habitantes alimentavam a esperança de que a mais dev...