19. A Velha Carroça [Isao]

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Resmungando, Isao amarrou a faixa com um nó desajeitado e esperou, combalido, o quimono escorregar por seu ombro e se desarrumar pela milésima vez

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Resmungando, Isao amarrou a faixa com um nó desajeitado e esperou, combalido, o quimono escorregar por seu ombro e se desarrumar pela milésima vez. Odiava-o, assim como não suportava todas as peças de seda. Eram extravagantes, lustrosas em demasia, e não se acertavam em seu corpo nem se grudadas com seiva de eucalipto. Só Hiromi para convencê-lo de vesti-lo. Insistiu que seria mais apropriado para ocasião, que ele deveria parar de usar roupas velhas e que era jovem demais para as manias dos nascidos de Boi, dados ao conforto e a avareza.

Aquela velha rabugenta era intragável quando queria.

Agachou-se para pegar as sandálias e se desequilibrou ao sentir fraqueza. Chamas relampejaram em seus olhos e gritos desesperados chegaram aos seus ouvidos. Sentou-se, fechando os olhos e procurando acalmar a própria respiração. Havia passado a noite acordado, atormentado pelas imagens do bandoleiro agonizando à sua frente e pelas lamúrias desesperadas da mãe ao morrer.

Alguém, velado pela escuridão de sua mente, divertia-se, sussurrando-lhe preces amaldiçoadas com um sorriso demoníaco.

Isao orou no pequeno altar até se recuperar por completo das tonturas. 'Talvez seja fome', iludiu-se. Não comia desde o dia anterior na casa de Akio e tinha passado a manhã toda trancado, recluso, sem nem mesmo ir à cozinha beliscar alguma coisa no almoço. Desanimado, terminou de se arrumar com má vontade e saiu da casa pelos fundos.

Do quintal, o tio já gritava seu nome.

Desceu da varanda e parou no último degrau procurando, com incomum preocupação, o caminho que deveria fazer para escapar das poças d'água até a carroça. A lembrança do dia anterior, do pé emergindo engolfado de lama, ainda lhe causava irritação.

– Pelo olho de Chigaro! Vamos, logo! Que lerdeza! – gritou Shimada, lutando, como sempre, para se acomodar na parte fronteiriça da carroça.

Quando ia ao centro, para cerimônias e festividades, Shimada preferia dispensar os serviçais e guiava ele mesmo a sua carroça de estimação. Evidenciava sua vicissitude, acreditava. O maior senhor de Uruma não precisava de nenhum amparo, nenhuma comodidade que lhe pusesse em dúvida sua virilidade, necessitava apenas de uma discreta ajudinha para que conseguisse encaixar as pernas, hoje, mais roliças que musculosas, e sua barriga, mais e mais protuberante, no espaço mínimo entre as barras que prendiam os cavalos e o encosto de madeira do condutor.

– Venha para frente! – ordenou o tio ao perceber que o sobrinho pretendia sentar na parte de trás do veículo, frustrando sua intenção de ter uma viagem sossegada e silenciosa. – Ajude-me aqui. Essa maldita carroça parece menor – resmungou, lutando para encontrar uma posição no acento, enquanto as escamas de sua armadura tintilavam de uma maneira irritante.

O velho tio também parecia achar importante, para reforçar sua hombridade, apresentar-se como um prestigiado veterano de guerra, pomposo por seus conflitos do passado, ainda que, em sua grande maioria, não tivessem sido mais que brigas de bar. Prendia os cabelos brancos em um rabo de cavalo alto com um laço de seda dourado como os Guardiões do Dragão, cobria-se com um peitoral quase grotesco, de entrelaçados de couro tingidos em tom terroso com presilhas em ônix negro, e ostentava em sua cintura a espada que dera o peculiar apelido de 'Rompedora do Céu', ainda que Isao pudesse apostar que se dependesse de seu uso, ela mal cortaria uma cenoura pela metade.

O Dragão de UrumaWhere stories live. Discover now