61. A Cegueira do Homem [Isao]

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Um trovão estralou por cima da colina e Isao teve a impressão de que ele tinha irrompido do seu peito

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Um trovão estralou por cima da colina e Isao teve a impressão de que ele tinha irrompido do seu peito. Acariciou mais uma vez a crina macia do cavalo como se fosse o animal a precisar de calma e conferiu o céu nublado. Shao Hao, o majestoso Dragão Lua, usurpava mais cedo do irmão os Oito Reinos, trazendo uma tarde escura e úmida.

Cachorros latiram e as primeiras casas do centro surgiram ao longe e o sacerdote se perguntou como Ryota os receberia.

'Com flechas.', arriscou, imaginando todos eles entrando na praça com o tio na frente, ostentando com orgulho o brasão da família, enquanto uma enxurrada de flechas caía sobre suas cabeças.

Teriam uma morte rápida, ao menos.

Melhor seria se o samurai optasse por uma emboscada por terra, entocando seus homens pelas casas e ruelas do centro à espera de uma oportunidade para um ataque fulminante, por todos os lados.

Talvez Isao sobrevivesse, caso algum soldado o reconhecesse. Era possível também que a guarda já tivesse preparada para resgatá-lo.

'Improvável...', ponderou.

Ryota não abriria mão do elemento surpresa, da chance de vencer Shimada sem riscos, somente para poupar a vida de um amigo. Qualquer um, dotado de algum bom senso, optaria pelo caminho mais seguro. Um único movimento errado e o preço seria alto demais. Provavelmente o extermínio de toda a sua família.

'Maldita covardia!', bateu algumas vezes na própria cabeça, indignado por ela continuar a enumerar suas possíveis mortes, como se ele não planejasse se sacrificar.

Sentiu os dedos formigarem de tanto que apertava as rédeas e o suor frio escorrer pelas suas costas. Fechou os olhos e vasculhou sua mente em busca de Izanagi, do seu sorriso de quando livre das amarras, do seu olhar seguro de samurai. Encontrou o bosque iluminado pelo lampião, os caroços surgidos nos troncos das árvores. Os insetos e a morte o sobrevoando.

'A raposa!', percebeu de súbito.

Ainda não havia se dado conta da semelhança entre a raposa do sonho e a outra que havia aparecido no meio do festival. Ambas eram pequenas e espertas, com pelos brancos acinzentados, que ficavam a esvoaçar com o vento que rodeava seus corpos, e tinham olhos gélidos e marcantes, como se refletissem eternamente o brilho da Lua.

'As duas são uma só!', concluiu.

Uma obviedade que tinha passado despercebida pela sua cabeça distraída.

Compreendia também, naquele instante, que a lépida raposa só podia ser o espírito animal de Izanagi.

Havia sido ela a levar Isao ao Plano Espelho, que o guiara até a Floresta dos Ausentes para que encontrasse seu dono. Tamanha devoção por Izanagi, não podia ser à toa. Nem mesmo quando maltratada, a gentil raposa deixara de segui-lo como um dócil cão de guarda.

O Dragão de UrumaWhere stories live. Discover now