10. Arthur Kannenberg

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— Ela é maluca.

— Não fale assim — Amélia me repreende. Ela entrega ao garçom o cardápio e faz seu pedido, para logo depois voltar sua atenção a mim. — Ela está confusa, tem toda essa história de você ter flertado com a amiga dela. Não seja tão idiota.

— Talvez ser assim seja herança de família — resmungo.

— Então que bom que seu pai ainda está vivo e você não precisa herdar nada — ela sorri gentilmente.

— Teoricamente... — começo a falar, querendo dizer que pode estar no sangue e também ser algo genético, mas Amélia me lança um olhar duro o suficiente para que eu entenda o recado. — Tudo bem — suspiro vencido —, mas ela é maluca — digo rindo.

— Você precisa dar tempo ao tempo, talvez chamá-la para sair, só os dois, se conhecerem. Você por acaso sabe qual a cor favorita dela? Ou o nome dos pais? — neguei com a cabeça e deixei que ela continuasse. — Ela também não deve saber nada a seu respeito. Uma relação não pode ser baseada apenas em atração física, querido.

Como sempre, Amélia sabia exatamente o que dizer.

— Não sei como meu pai deixou você escapar — comento, sorrindo gentilmente para ela.

— Seu pai deixou muitas mulheres boas saírem da vida dele — ela desvia o olhar do meu e suspira. — Espero que você não siga os mesmos passos. Tem falado com a sua mãe?

— Não.

— Deveria.

Família era uma coisa bem complicada, principalmente a minha.

Meus pais haviam se divorciado há alguns anos e tudo ocorreu amigavelmente, até minha mãe mudar para a Europa e sumir do mapa por dez anos.

Na época do divórcio eu tinha cinco anos e as coisas não foram fáceis. Meu pai passou alguns anos afogando as mágoas pelos bares e boates da cidade, enquanto eu era deixado na casa de algum vizinho ou amigo.

Quando ela voltou, estava grávida, casada e feliz. Nunca soube ao certo os motivos de ter ido embora, mas suspeitava que sua volta tivesse mais a ver com a empresa do que com a família que deixara para trás.

Meus pais eram donos de uma gravadora, tinham contatos pelo mundo inteiro e ganhavam rios de dinheiro no ramo artístico. Nunca deixam de ser sócios nos negócios; ela abriu uma filial nos Estados Unidos e, enquanto ele cuidava das coisas por aqui, ela fazia sua parte por lá.

Desde que fora embora, nunca mais nos falamos, nem mesmo quando voltou.

Amélia foi a namorada que mais durou, cerca de seis anos. As outras tinham um prazo de validade mais curto, uma semana, no máximo um mês.

Aos vinte anos eu estava frustrado. Atormentado pelo fantasma de uma mãe ausente, de um pai indiferente e, para piorar, apaixonado pela única garota que parecia ser inalcançável.

— Seus problemas não vão se resolver sozinhos — Amélia comentou. — Você já é bem grandinho para achar uma solução — ela escreveu em um guardanapo um número de telefone e arrastou na mesa, largando o pedaço de papel na minha frente. — É o número da garota, não pergunte como eu consegui, apenas faça o certo.

Eu sorri em agradecimento e ela levantou, deixando um beijo na minha testa e se despedindo.

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O sistema solar desenhado no teto preto, com tinta fluorescente trazia uma nostalgia gostosa, lembrava a infância: época em que tudo era possível e nada parecia inalcançável. Meus olhos estavam fixos no desenho, sem de fato estar prestando atenção, deixando a mente vagar e lembrando-me do dia, tentando achar uma solução.

O guardanapo com o número de Luísa estava sobre a cama, junto com o celular. Perto o suficiente para que eu pudesse ligar, caso um lapso de coragem surgisse... Não que eu fosse tímido ou inseguro, não mesmo. Sempre fui cara de pau o suficiente para dar em cima de qualquer garota e pegar para mim aquilo que queria, mas com Luísa era diferente.

Ela não cederia fácil, mesmo que estivesse tão afim quanto eu estava. Luísa parecia ter princípios e eu suspeitava que nunca fosse colocar sua felicidade acima da dos outros, principalmente se tratando de Letícia.

Era um beco sem saída. Esfreguei as mãos no rosto, me sentindo extremamente frustrado por não conseguir resolver as coisas.

Ao meu lado, senti o celular vibrar e, como se estivesse esperando por ela, me coração disparou. No visor, o nome de Breno aparecia, fazendo com que a adrenalina e a esperança se esvaíssem.

— Cara, você precisa vir pra cá! — A música alta fazia com que eu mal ouvisse o que ele falava.

— Onde você está? — falei, sentando na cama.

Na casa do Felipe, todo mundo está aqui! — ele riu, falou alguma coisa com alguém e voltou à atenção ao celular. — Até a Letícia está aqui, chance perfeita para você terminar o que começou ouvi Breno rir e revirei os olhos.

Não esperei Breno falar mais nada. Se Letícia estava lá, provavelmente Luísa também estaria. Desliguei o telefone, troquei de roupa e sai do quarto. Talvez ainda houvesse esperanças de consertar as coisas.

Felipe morava duas ruas abaixo da minha, dentro do mesmo condomínio, portanto não demorou para que eu chegasse no local que, assim como Breno havia dito, estava lotado. Caminhei pela casa esbarrando em algumas pessoas e procurando por Luísa, mas não encontrava a garota em lugar nenhum.

— Se eu soubesse que era só falar na Letícia pra você aparecer, teria ligado antes! — ouvi Breno falar e virei na sua direção. — Ela está lá fora, perto da piscina.

— Ah! — exclamei, tentando parecer interessado na informação. — Ela veio sozinha?

— Acho que sim — ele deu de ombros — pelo menos quando chegou, estava... O que é uma pena, eu esperava ver a Luísa por aqui hoje. — Ele sorriu, cheio de malícia — você sabe... Terminar o que começamos.

Controlei a vontade de dar um soco no meio da cara do meu melhor amigo e sai de perto, sem me importar em responder sobre onde estava indo. 

Dez Vezes VocêOnde as histórias ganham vida. Descobre agora