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Pegasus era uma das maiores boates da cidade, lá você podia encontrar alguns famosos e precisava deixar um rim para pagar a conta, caso fosse desprovido de dinheiro como éramos. Quando Breno falou na mensagem que a festa seria lá, formulei um ótimo pedido de desculpas, pois nem se eu trabalhasse o ano inteiro, não poderia pagar pela noitada, mas antes que eu pudesse enviar a mensagem, Letícia garantiu que não teria problema usar o cartão de crédito da sua mãe, que fora lhe dado apenas para emergências.

— Não é uma emergência — pontuei.

— Depende do ponto de vista — ela respondeu. — Esse garoto pode ser o meu futuro marido, pai dos meus filhos, você entende a gravidade da situação? E se eu não for e outra garota conquistar o seu coração? Vê o efeito que isso pode fazer em nossas vidas? — O choro era livre e ela era muito boa em ser dramática.

Dei de ombros. A mãe não era minha, o cartão não era meu e não seria eu a pessoa a ser xingada quando a fatura chegasse, então apenas deixei rolar e passei o endereço do nosso apartamento, localizado no centro da cidade, para que eles pudessem vir nos buscar.

Não demorou para que o interfone tocasse, indicando que nossa carona havia chegado. Descemos os três andares até o térreo pela escada, pois o elevador do prédio estava estragado desde que chegamos ao Rio de Janeiro e, aparentemente, não havia nem previsão de conserto.

Em frente ao nosso humilde edifício, localizado no centro da cidade em um bairro considerado de ''baixa renda'', estava estacionado um Range Rover Evoque de cor branca. O carro era tão bonito quando o sorriso do dono e com certeza um forte aliado na arte da conquista. Por um momento me senti mal; eu contava moedas para pegar ônibus no final do mês enquanto os dois garotos andavam em um carro que, se vendesse, pagaria as despesas da minha vida inteira.

— Que bom que comprei nossas roupas hoje cedo, se você saísse com aquele vestido preto seria um insulto a esse carro — Letícia sussurrou para que somente eu ouvisse e pela primeira vez concordei com ela.

Arthur estava no banco do motorista, com as mãos sobre o volante e olhando para o outro lado da calçada, provavelmente se questionando onde havia se metido. Breno estava escorado no carro e sorriu quando nos viu sair do edifício; ele prontamente abriu ambas as portas da lateral direita e logo entendi que a intenção não era que fossemos juntas no banco de trás.

Letícia rapidamente entrou, sentando-se ao lado de Arthur. Breno e eu nos acomodamos no branco de trás. O cheiro de carro novo combinava perfeitamente com os bancos de couro e o desejo de ser rica dominava a minha mente. Não me julgue! No meu lugar você estaria pensando o mesmo.

— Vocês moram um pouco longe do campus — Arthur comentou, dando partida no carro.

— Um pouco? — dei uma risada nervosa. — Nós demoramos uma vida para chegar na faculdade, tipo, todos os dias. — Assim que terminei de falar, me arrependi. Pelo retrovisor interno, Letícia me fuzilava com os olhos.

Arthur riu e mais uma vez senti minha respiração falhar. O garoto era perfeito, misericórdia!

Pessoas como eu e Letícia, vindas do interior de São Paulo para estudar em uma universidade pública e sustentada, com muito esforço, pelos pais, não tinham o hábito de andar por Copacabana, a não ser nos finais de semana livres — que eram raros — e apenas para tomar sol na beira da praia, levando na mochila comida suficiente para passar o dia sem ter de gastar nos quiosques caros da beira-mar.

O bairro referência da cidade era lindo a noite e realmente parecia lugar de gente rica e esnobe. Fiquei observando a rua pelo vidro extremamente limpo da janela do carro, enquanto Breno e Letícia falavam sem parar sobre a boate para onde estávamos indo.

— Vocês vão adorar o lugar! Tem quatro pistas de dança, todas com uma ilha de drinks no meio e o terraço é incrível. — Breno parecia um pai orgulhoso, contando aos vizinhos sobre o filho prodígio. — Talvez o Arthur possa te levar para olhar as estrelas. — Os olhos de Letícia brilharam com aquela informação, mas o garoto continuou em silêncio, como se estivesse focado demais na rua para poder responder. — Ou talvez nós dois possamos ir lá — ele falou, olhando para mim e eu apenas sorri de volta.

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O lugar era realmente impressionante.

Eram quatro pistas, como Breno havia dito; duas no andar inferior e outras duas no superior, separadas por gêneros de músicas diferentes. As ilhas, que ficavam no meio de cada pista contavam com quatro barmans especializados em todos os tipos de bebidas existentes e prontos para servir com agilidade quem quer que chegasse perto. Além das luzes piscando o som era alto, dificultando a comunicação, caso alguém fosse conversar.

Breno tinha um camarote reservado no segundo andar, próximo a uma pista que, naquela noite, contava com um Dj tocando os mais variados ritmos de músicas. O garoto loiro segurou minha mão, me conduzindo até o local onde ficaríamos e que já estava cheio de pessoas, algumas conhecidas de vista da faculdade. Letícia e Arthur vinham logo atrás, cumprimentando as pessoas que já estavam no local.

Eu estava me sentindo mal por estar ali. Certamente não poderia pagar por um lugar como aquele e muito menos o cartão de emergência de Letícia poderia. Enquanto o segurança do camarote colocava uma pulseirinha VIP no meu braço, observei as pessoas ao redor. Aquelas pessoas, definitivamente, não faziam parte do meu ciclo social; os colegas dos quais tinha o hábito de conversar eram tão pobres quanto eu e nunca frequentariam um lugar como a Pegasus.

Letícia parecia estar no seu lugar por direito, como se levasse aquela vida e tivesse vivido sempre ali. Ela parecia confortável, era como se a garota tivesse nascido para o glamour. Não vou negar que invejava a forma como ela conseguia se adaptar a qualquer situação, agindo normalmente, ao contrário de mim que parecia estar sempre perdida.

— Um real pelos seus pensamentos — Arthur sussurrou próximo ao meu ouvido, causando um arrepio na minha nuca.

— Só estava pensando em como é incrível aqui — menti e ele pareceu perceber.

— Isso porque você ainda não viu o terraço — Breno falou antes que Arthur pudesse dizer qualquer coisa.

— Talvez você devesse levá-la. — O moreno respondeu ao amigo que sorriu concordando.

— Eu vou sim — Breno falou e antes que pudéssemos sair dali, alguém o chamou e ele logo foi dar atenção.

Eu não podia julgar o garoto, era seu aniversário e ele precisava atender seus convidados.

Letícia se aproximou de Arthur, sussurrou algo em seu ouvido e logo os dois foram em direção a pista de dança. Observei, achando que aquele romance não daria certo. O garoto não parecia interessado na minha amiga e mesmo com todas as investidas dela, ele continuava distraído.

Letícia era linda. Seu cabelo loiro ondulado era de dar inveja, sempre leve e solto, tão limpo que nem piolho pegava. Seus olhos castanhos eram marcantes, expressivos e capazes de conquistar o mundo. E para finalizar, a garota tinha uma personalidade impressionante: forte e decidida, sabia o que queria e não aceitava menos do que tudo.

Suspirei, lembrando o ditado que mamãe sempre repetia: "Quem está na chuva é para se molhar." E resolvi que, já que estava em uma festa e provavelmente trabalharia o ano inteiro para pagar o que consumisse aqui, iria aproveitar.

Virei de costas para a pista de dança, a fim de chamar Breno para dançar e dei de cara com o garoto aos beijos com a ruiva da palestra.

Definitivamente não era meu dia de sorte. 

Dez Vezes VocêOnde as histórias ganham vida. Descobre agora