Capítulo 15

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  Eu estava passeando tranquilamente pelas ruas ensolaradas de Aurora com Janish segurando a minha mão. Casinhas pequenas e simples pareciam perdidas em meio ao espaço vazio de terrenos desocupados. No céu, três Poliguadores voavam alegres cantando doces melodias. Eu senti um aperto mais forte em meus dedos, e então sua voz ressoou:
   − Melissa, eu preciso lhe perguntar uma coisa.
  Seu olhar me encarava atentamente, amedrontado. Eu estava certa de que ele temia algo grande.
  − Você confia em mim?
  Pergunta fácil.
  − É claro que confio.
  Suas mãos encontraram as minhas bochechas e seus lábios os meus. Senti como se estivesse sendo levada para o céu. Como se o paraíso me envolvesse e me desse toda a paz necessária para se viver, como se eu não tivesse problemas, como se ninguém no mundo tivesse problemas. Ele tinha o meu coração em seu poder. Mas quando abri os meus olhos, eu estava no meu quarto e Laura me sacudia com violência.
  − Melissa! Vamos acorde!
  Eu esfreguei os olhos ao mesmo tempo que tirava os cabelos desgrenhados do meu rosto. Havia sido só um sonho, que droga! Janish nunca estaria comigo em Aurora.
  − Desculpe, você não acordava. – ela se desculpou. – Mas se não formos agora, vamos nos atrasar.
  Foi quando percebi que não havia ninguém no dormitório além de mim e das minhas amigas bruxas. Levantei cambaleando quase tropeçando em meus próprios pés.
  − Tudo bem, Laura. Nós treinamos até muito tarde... agora temos que aguentar isto.
Acho que nunca estive tão cansada em toda minha vida, era como se tivessem descarregado um caminhão de pedra em cima de mim cinco vezes. Mas eu tinha que pensar que era necessário. Que o esforço seria recompensado.
  − Melissa, pegue! – Lizzie gritou e jogou em minha direção o meu uniforme escolar. Acho que não sei o que faria sem elas...
  − Obrigado Lizzie.
  − Não precisa agradecer. Mesmo tendo sido ferida você lutou duro ontem, me surpreendeu.

  Eu me aproximei dela e notei um brilho em seu olhar. Este deveria o seu primeiro gesto emotivo na minha frente e eu simplesmente adorei. Dei-lhe um abraço apertado e nós sorrimos juntas por alguns segundos. Até que Laura disse:

  − Meninas, vamos! Já devíamos estar indo para a classe!

  Custei cinco minutos para me arrumar e então nós corremos para a aula já que não havia tempo para o café da manhã. Minhas amigas foram para seus lugares porque Janish me esperava do lado de fora e nós tínhamos dois minutos até que o professor chegasse.

  − O que houve? – ele quis saber. Pegou uma mecha do meu cabelo e arrumou atrás da minha orelha, talvez para poder ver melhor o meu rosto.

  − Acho que dormi demais. – eu disse tentando evitar o seu olhar questionador. Isto não era nem de longe verdade. Eu havia dormido apenas duas horas e estava exausta. Mesmo assim a pior parte, a que mais doía era ter que mentir.
  − Você nem tomou café da manhã!
  O seu tom era preocupado e eu não me sentia bem por isso.
  − Não se preocupe, eu estou bem. Vamos para a aula.
  O Senhor Hooper chegava bem neste momento.
  − Olá filho, olá Melissa.
  E me lançou um olhar cordial como sempre, um olhar que indicava que ele gostava de mim e me aceitaria, diferente da senhora Hooper.
  Nós entramos em silêncio e nos dirigimos aos nossos lugares habituais. A classe já estava cheia como de costume e o professor Hooper a cumprimentou antes de iniciar a aula. Os alunos estavam um pouco agitados e confusos quanto à matéria então esta seria uma aula proveitosa e esclarecedora. Sem contar que os meus estudos estavam bastante atrasados devido a minha vida noturna. Por baixo da carteira, Janish acariciou a minha mão me fazendo corar. Eu tinha um pouco de medo por isso ainda que eu não tivesse um motivo completo. O fato é que havia uma regra na escola que dizia que casais de alunos não podem demonstrar nenhum tipo de carícia em público, ou podem ser imediatamente expulsos do colégio. Eu tinha certeza que Anna queria acima de tudo me expulsar, mas ela não o faria por este caminho, pois isso implicaria na expulsão de seu filho também. E eu esperava francamente que ela não tivesse coragem de fazer isso.
  O senhor Hooper começou a explicação e eu senti que aquela situação era um sonho que se repetia mais uma vez. Eu não conseguia entender. Os números não entravam no meu cérebro e no momento seguinte eu não conseguia ver...
Então era tarde demais.
  Quando Janish me acordou, ela estava na minha frente e eu não sei como isso era possível, mas parecia furiosa e feliz ao mesmo tempo. Anna Hooper me olhou e disse baixinho:
− Quero você na minha sala ao final da aula.
  Sim. Eu tive certeza de que estava perdida e ganharia outra advertência.
− Desculpe. − Janish sussurrou com um olhar aflito. − Eu não percebi que você dormiu, mas farei o possível...
  Neste momento a diretora pediu silêncio fazendo com que ele se calasse, e prosseguiu com o seu comunicado que era sobre atividades extracurriculares, atividades que não me interessavam nem um pouco. Sinceramente, por que ela não escolheu outro momento, outra aula...

  Eu caminhei para a diretoria um pouco aflita, mesmo que eu já estivesse certa sobre o que ia acontecer. Janish veio comigo e segurou a minha mão o tempo todo, ignorando mais uma regra do colégio. Era incrível como os alunos e principalmente as alunas nos olhavam com espanto, como se nós não devêssemos ficar juntos, como se eu não fosse merecedora daquele amor. Às vezes aquilo me incomodava profundamente.

Eu bati três vezes na porta, um pouco relutante, embora Janish estivesse segurando firme a minha mão.
  − Entre. − ela falou com uma voz dura, mecânica.
  Janish e eu entramos.
  Anna estava sentada atrás de uma mesa de madeira polida, remexendo em alguns papéis. Sua expressão estava estática, impenetrável. Ela nos viu imediatamente, e foi evidente o seu desgosto ao reparar que estávamos de mãos dadas. Sua boca se curvou levemente formando uma expressão um tanto divertida, e então ela falou:
  − Você pode esperar lá fora, Janish.
  Não foi uma pergunta, foi uma ordem direta. Ele apertou sua mão na minha e ficou visualmente rígido. O olhar que ele lançou para Anna não era nem um pouco agradável, tinha um pouco de frieza, raiva e ressentimento. Não eram coisas que um filho sente por sua mãe.
  − Eu não vou sair. − ele disse com uma voz firme e uniforme. Agora Anna tinha uma expressão de surpresa.
  − Janish, eu preciso conversar em particular com uma aluna. Você não deve atrapalhar o meu trabalho. Vamos, deixe-nos a sós.
  − Eu sei o que a senhora vai fazer! − ele começou a se exaltar. − Mas vai cometer uma injustiça porque não há aqui um motivo plausível para uma advertência!
  O meu coração bateu mais forte neste momento. Eu não me sentia pronta para presenciar uma discussão dessas.
  Anna foi, porém, muito calma.
  − Você não sabe o que eu vou fazer e nem deve saber. A não ser que a senhorita Callaway queira lhe confidenciar posteriormente. Agora espere lá fora. Serei breve.
  Ela me olhou rapidamente, e voltou a olhar o filho.
  − Pode falar na minha frente! A Melissa vai me contar de qualquer jeito.
  − Eu não vou falar de novo.
  − Janish, tudo bem. − eu disse suavemente encarando os meus olhos cor de mar, que estavam confusos e irritados. − Você pode me esperar no corredor.
  Diante disso, ele não teve argumentos, mas a sua raiva não se dissolveu. Lançou um olhar explosivo para a mãe e saiu às pressas arrastando os pés e batendo a porta ao passar. Eu me perguntava se Anna não era uma boa mãe.
  − Sente-se, senhorita.
  Eu me sentei desajeitadamente na cadeira e me concentrei no olhar da minha sogra, que estava carregado por certa satisfação pessoal. Ela cruzou os dedos sobre sua mesa, manteve o rosto sereno e começou a falar:
  − Você sabe que o colégio tem regras claras e precisas, senhorita Callaway. E você acabou de infringir mais uma regra séria.
  Isso não podia acontecer. Eu não podia sofrer outra advertência. O meu padrinho... E Janish...
  − Desculpe, mas eu não sei do que está falando.
  − Você não sabe do que estou falando?
  − Acho que nenhuma regra foi quebrada aqui.
  − Um professor foi desrespeitado, e isto configura claramente a violação de uma regra.
  − Desrespeitado? − eu disse confusa. Eu nunca faltaria com respeito ao professor Hooper.
− É considerado desrespeito dormir enquanto o professor ministra a sua aula. E tal atitude não será tolerada neste colégio.
  − Tenho certeza de que o professor não se sentiu desrespeitado.
  − Por sorte as regras não levam em consideração os sentimentos dos professores. E há para isso uma cláusula no contrato de convivência do colégio.
  Me arrependi de não ter lido este contrato.
  − Não é permitido dormir na aula, senhorita, eu espero que se lembre disso da próxima vez. Vou incluir mais uma advertência no seu histórico e noticiar o seu responsável.
  Oh não. Meu padrinho...
  Anna remexeu novamente em seus papéis.
  − Seu responsável é Arthur. No entanto a pesquisa do Serviço Social diz que o responsável no momento é Damian Callaway, o seu pai. Irregularidades... Eu não sei muito sobre a sua tragédia familiar, mas sei o bastante sobre a sua tragédia escolar. Você tem baixo desempenho e em apenas algumas semanas de aula conseguiu acumular duas advertências. Não é um resultado bom, na verdade é um recorde, nunca tivemos um aluno com tais resultados degradantes. E eu deveria dizer que você precisa melhorar, mas não. Não melhore, permaneça exatamente assim.
  Um grande nó se formou em minha garganta ao mesmo tempo em que eu senti raiva. Ela queria me expulsar do colégio e estava no caminho certo para isso. Eu podia ver um brilho nítido de satisfação em seu olhar. Mas por que ela me odiava tanto, se nem ao menos me conhecia? Não podia ser somente pela minha condição econômica.
  − Não precisa se preocupar com isso, eu vou melhorar o meu desempenho e comportamento.
  Assim que eu disse essas palavras a fúria voltou a se instalar em seu olhar.
  − Como queira. Já pode se retirar.
  Eu levantei sem olhar para ela e foi como se alguém tivesse colocado um caminhão sobre as minhas costas. Minha garganta agora doía por perguntas não feitas, mas eu não podia arriscar, quanto menos diálogo com Anna, mais segura eu estaria.

AuroraWhere stories live. Discover now