Capítulo 5

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  − Isto é impossível! − exclamou Harold extasiado − você não pode ter uma varinha... você não é uma bruxa...
  Sua voz era um sussurro agora.
  − Se eu não sou uma bruxa como o senhor explica isso?
  O que antes era irreal para mim, agora era quase tangível, eu era uma bruxa.
  Ele não se atreveu a tocar a varinha, não se atreveu a se mexer.
  − Eu não tenho explicação. − Disse por fim, seus olhos pareciam vagar por outro planeta quando ele continuou. − Só um bruxo consegue resgatar uma varinha e... E fazer com que ela o reconheça como seu legítimo dono. E... E... − Ele estava preocupado, quase horrorizado agora. − E foi o que você acabou de fazer, Melissa... Você a resgatou da caixa, e foi imediatamente reconhecia...
  − Significa que sou uma bruxa.
  − Não. − ele insistia bruscamente em negar. − É muito cedo para afirmar qualquer coisa. A única coisa que sei é que há alguma coisa errada.
  Oh.
   − Alguma coisa errada comigo?
  Harold voltou a ser ríspido e andou pela loja puxando os cabelos sobre os ombros.
   − Eu não sei se há alguma coisa errada com você, ou com a varinha. O que sei é que há alguma coisa errada com esta situação. 
  − Mestre, as coisas que estão escritas no livro '' O Fabuloso Mundo da Magia'' são mesmo reais?
   − Ora, claro que sim. Mas você precisa ir embora agora. − ele voltou-se para mim mais uma vez. − Venha vou levá-la até o portal.
  Mas eu não ia ceder tão fácil.
  − Tudo bem eu vou. Mas antes posso tocar na varinha pela última vez?
  − Hum, eu não devia permitir isso... − ele disse acariciando a barba branca.
  − Por favor...
  − Por que eu deveria?
  − Só para me despedir.
  Ele pensou por uns dois segundos e disse.
  − Está bem. − e quando me precipitei para a varinha ele continuou:
  − Com uma condição! − esperei que ele continuasse. − Vai ter que ir embora imediatamente e não vai contar a ninguém o que aconteceu aqui. E também não vai voltar nunca mais.
  Quantos pedidos impossíveis.
  − Tudo bem. − resmunguei contrariada, mesmo sabendo que não ia cumprir.
Fui novamente até a varinha, a apanhei e levei-a ao meu coração na vertical, murmurando baixinho:
  − Desillus Max! 
  Uma pequena faísca prateada saiu da ponta da varinha, ao mesmo tempo que senti a tal corrente elétrica novamente me adentrar pelo pulso e em seguida fui envolvida por um tipo de manto invisível que me fez um pouco de cócegas. Tive certeza de que funcionou quando Harold se desesperou:
  − Menina! Onde você está? Apareça já!
  Eu sorri enquanto ele arrancava seus cabelos resmungando às tontas " estou perdido, estou perdido". Uma emoção indescritível se apoderou de mim, e o que eu mais queria era conhecer aquele mundo louco. Era quase como se eu estivesse em casa, como quando eu era criança e brincava de viver alguma aventura.
  Ao passar pela porta da loja de Harold, deparei-me com uma ruazinha cheia de lojas. Meu coração quase parou quando reconheci o lugar. O meu sonho, o Poliguador, Janish e o garoto " perigoso". Tudo havia se passado exatamente aqui, nesta rua. Como pode ser? Tinha que haver uma razão maior. Poucas pessoas circulavam e as lojas estavam abertas ainda. A loja ao lado era um comércio de artesanato que já estava fechando as portas.
  − Caia fora daqui! − gritou uma voz dentro do local e em seguida um pobre gatinho rajado de orelhas curtas foi jogado pela janela, aterrissando de pé no chão de terra. Uma brutalidade.
  Voltei os meus olhos para a loja de Harold a tempo de vê-lo na porta, desesperado, e acima de sua cabeça uma placa que dizia: Loja de Varinhas e Livraria Hieróglifos e Glifos. Apesar de tudo, eu gostava dele.
  Um casal com quatro crianças passaram apressados vestidos em trajes iguais e imundos. Roupas que um dia foram brancas. Eles levavam cada um uma criança pequena consigo e as duas maiores que aparentavam ter cinco e seis anos tentavam acompanhá-los. Todos apresentavam nítidos sinais de desnutrição. Meu estômago revirou com aquela triste realidade.
  À esquerda, a cerca de trinta metros o casal Clarke estava parado com o olhar fixo em uma belíssima construção muito grande que eu identifiquei como sendo o museu. Caminhei devagar até eles, segurando a varinha firme em meu coração. A rua estava vazia agora exceto por nós três.
  O vento começava a soprar frio e eu agradeci por estar vestindo uma jaqueta. Me aproximei do museu e senti calafrios ao ver o casal paralisado envolvido num silêncio aterrorizante, Neil com uma expressão vazia, Kenzie emocionada. O museu era todo feito de vidro, o teto era escuro e as paredes claras. Eu podia ver um hall de entrada enorme e elegante, com dois seguranças grandes vestindo paletós pretos, muito mal encarados.
  Kenzie deixou cair uma lágrima, e Neil, percebendo rapidamente passou o polegar pela bochecha da esposa.
  − Está na hora de ir, querida. − ele disse baixinho. − O museu fechará em dez minutos.
  − Espere um pouco. − seu rosto era pura dor. − A nossa Stacy gostava muito deste museu. Eu não consigo aceitar isso. − mais lágrimas escorreram e ela começou a soluçar. − Eu não consigo aceitar que ela tenha sido morta de maneira tão brutal... minha única filha...
  O nó já estava formado em minha garganta, mesmo que eu não tivesse relação alguma com a família Clarke. Era muito injusto. Era injusto que um casal tivesse que chorar pela morte de sua filha e que eu tivesse que chorar pela morte da minha mãe. A vida podia trocar alguns papéis e nos fazer esquecer certas coisas.
  − Kenzie, não chore. − ele a abraçou. − A Stacy não gostaria de ver você assim. − Neil tentou acalmá-la, mas não surtiu muito efeito, Kenzie chorava e soluçava intensamente.
  Então eu tinha dez minutos para conhecer alguma coisa do museu e depois eu realmente voltaria para o colégio. Respirei fundo, tentei esquecer um pouco a razão do nó em minha garganta e subi os nove degraus que antecediam a porta de entrada, olhei uma vez para trás para ver que os Clarke ainda continuavam ali, e Kenzie ainda chorava. Eu queria conhecê-los, queria que ela parasse de chorar...
  Olhando para frente percebi que o museu era lindo, magnífico. Era como um castelo de vidro, esculpido cuidadosamente à mão. Parecia um castelo de conto de fadas. Olhei mais uma vez para o casal imóvel e em seguida entrei no museu. Quando cheguei ao centro do grande hall, porém, o inesperado aconteceu: um barulhento alarme soou, ao mesmo tempo que observei as expressões de raiva no rosto dos dois seguranças grandalhões. Sim, eles podiam me ver. O efeito do feitiço devia ter acabado.

AuroraWhere stories live. Discover now